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Crônicas da Surdez / Implante Coclear

A ativação do implante coclear

Desconheço um surdo que não tenha roído as unhas de ansiedade para a ativação do implante coclear. Acho que fui a única, rsrsrs! Minha ansiedade era zero e eu estava preparada para o pior – achei que fosse só ouvir um pouquinho mais alto do que já ouvia…

Acho que todo mundo se prepara psicologicamente para a cirurgia mas ninguém se prepara psicologicamente para a ativação. E é aí que o bicho pega. A partir do momento em que os eletrodos são ativados, parece que cada mísera célula do nosso corpo é alterada pelo som, seja ele alto, baixo, confortável ou desconfortável.

Lembro que nos meus 47 dias de silêncio com AASI no ouvido esquerdo a pergunta que as pessoas mais me faziam era: “Como você acha que vai ser a sua ativação?” E a verdade é que eu não fazia a menor idéia e sequer havia me permitido parar para fazer uma imagem mental de como seria.

Expectativa X Realidade

Não quis criar nenhum tipo de expectativa, meu único pensamento sincero era esperar ouvir um pouquinho mais alto do que ouvia com meus aparelhos auditivos.

A ansiedade pré-ativação é inevitável, mas a decepção é opcional. Lembro que os primeiros sons que ouvi não foram a coisa mais linda do mundo e que, comparado ao que sou capaz de ouvir hoje, no dia 11/11/2013 eu não ouvia nada! Rsrsrs!

O que mais acontece é o paciente vir ativar com expectativas altíssimas e sair do consultório altamente decepcionado. Tenho minha consciência limpa com os pacientes da SONORA, pois faço o que posso para explicar dez vezes que cada caso é um caso e nossa reação ao som não será igual à de mais ninguém. 

Um paciente do Luciano teve uma ativação bacana e, em apenas um mês, já era capaz de ouvir e entender o rádio do carro, coisa que só fui capaz de fazer sei lá quantos meses depois de ativar. Não dá pra saber o que vai acontecer. Cada caso é um caso, cada cérebro é um cérebro. 

Crie unicórnios…

Mas não crie expectativas! O segredo do sucesso é o combo zero expectativa + a noção de que ativar o IC é o primeiro passo de uma jornada longuíssima. Seria ótimo se o esforço exigido de nós acabasse no momento da ativação, algo tipo ‘pronto, estou ouvindo, tudo ok, tchau pra vocês’, só que o que ninguém conta é que o esforço começa neste exato momento. Se o que a vida requer de nós é coragem, eu diria que o que o implante coclear requer de nós é paciência.

Conheço e tenho/tive contato com todo tipo de surdo que partiu pro IC. Tenho uma amiga que fez, não curtiu logo de cara, largou de mão e anos depois voltou a usar com tudo, é apaixonada por ele e não vive sem.

Tenho uma amiga que foi ativar dizendo que ia sair de lá ouvindo e entendendo tudo; como isso não aconteceu, deu uma brochada fenomenal e só alguns meses depois começou a cair de amores pelo IC. Tenho um conhecido que vibrou enlouquecido com o som da telemetria (aquele trrrrrrr que a fono vai fazendo com cada um dos eletrodos) e tem o melhor resultado que já vi com o implante.

Tenho um amigo que disse que todas as vozes eram iguais à do Pato Donald e hoje também tem um resultado fantástico. O ponto aqui é o seguinte: todas as pessoas que têm um resultado legal ou que não têm um resultado tão legal mas amam o implante SE ESFORÇARAM MUITO.

Não é fácil se acostumar com algo novo, ainda mais quando esse algo novo é uma audição nova, inesperada e repentina. Mas é tipo dieta, quem se esforça e persevera chega no verão com um corpinho sarado; quem não se esforça chega no verão…do mesmo jeito ou pior!

Fazer um implante coclear é pagar pra ver se a última opção que resta ao chegar no fundo do poço (deficiência auditiva profunda) vai nos tirar dele. Alguns pulam e encontram um trampolim que os coloca direto pra fora do poço, outros pulam e vão subindo degrau após degrau de uma longa estrada com muito suor. Ativar um IC é ter esse entendimento. 🙂

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

7 Comments

  • ANTONIO CÉSAR
    15/01/2018 at 01:19

    Paula P. Moreira, Deus abençoe seu trabalho, acho que é uma missão para você, aqui neste planeta de sons e luzes.

    Reply
  • ANTONIO CÉSAR
    15/01/2018 at 01:14

    MUITO IMPORTANTE E DE GRANDE UTILIDADE, DEUS ABENÇOE GRANDEMENTE AOS PRODUTORES DE “CRÔNICAS DA SURDEZ”

    Reply
  • […] Em função da deficiência auditiva, nunca fui uma pessoa muito musical. Na minha adolescência, comprava CD’s novos toda semana e passava horas e horas ouvindo as músicas e decorando as letras; é daí que vem minha playlist cafonérrima no iPhone. Fui a São Paulo com o Luciano para o show do Caetano Veloso e Gilberto Gil. Nem consigo lembrar qual foi o último show a que fui na vida (só lembro de um da Shakira e outro da Ivete Sangalo, há décadas, abafa!) por isso fiquei mega ansiosa e curiosa pelo que aconteceria. Afinal, agora eu sou uma ‘ouvinte’ graças ao implante coclear. […]

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  • Claudio Fernando Mahler
    20/08/2015 at 13:34

    Oi! Paulinha,
    você me enviou uma vez o caminho onde eu poderia comprar uma fita para prender o implante coclear ao lado da orelha, mas não estou achando. Poderia me reenviar?
    Obrigado.
    Claudio Mahler

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  • Alini kering da silva
    19/08/2015 at 23:52

    Meu filho fez IC a 1 ano e 10 meses e até agora não fala nenhuma palavra só honomatopeias, ainda não temos a certeza de que rel as mente entende o que ouve.Ele tem 3 anos e 10 meses, vai pra escola, faz fono terapia, seguimos as orientações das fonos, é super estimulado, muito inteligente em outras partes do desenvolvimento motor e cognitivo, porém essa recusa em ouvir. Estamos preocupados com o desenvolvimento da linguagem.

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  • Eliane
    19/08/2015 at 21:54

    Paula de algumas pessoas que contam para nós sobre sua vida de surdo, de uso de aparelhos auditivos e mesmo de IC a que eu mais me impressiono com as igualdades e com a maneira que encara esta deficiência és tu. Gente, fico impressionada como eu consigo me transportar às coisas que nos contas como se fosse minha vida. Sou super fã de teus livros e o 1º então foi como se eu estivesse relatando muitas passagens que aconteceram comigo. Acredito que porque aconteceu de perdermos audição na “fase fedida” que é a adolescência. Agora eu encaro na “boa” pois amadureci e fiz o IC mesmo
    estando ainda engatinhando…..da semana passada prá cá me tornei bi implantada e agora estou aguardando a ativação deste segundo com a mesma mega ansiedade de como se fosse o primeiro.

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  • Carmela
    19/08/2015 at 21:39

    Tu é demais, cada assunto, cada detalhe, cada post aqui feito com maior amor e dedicação. Além de tu ter dado o empurrão final pra eu parti partindo pro ic hehehe, cada post tu me prepara seja la pra cirurgia ou pra ativação. Saudades tua perua!! Beijos

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