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Entrevistas / Implante Coclear

Entrevista com Dr. Orozimbo Costa

Uma entrevista com o Dr. Orozimbo Costa era uma vontade antiga minha. Sempre encontro com ele e o seu filho Lucas (quem fez a ponte entre nós para este post!) em congressos e, ultimamente, também em restaurantes, rsrsrs. Não podia deixar passar essa chance, por isso, perdi a vergonha e pedi ao Lucas que perguntasse ao seu pai o que ele achava da idéia. Alguns dias depois, enviei as perguntas. A idéia era ter publicado no Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez, mas, na correria, não consegui deixar pronto a tempo.

1) O que direcionou o seu trabalho para o implante coclear?

Durante décadas, observamos a maioria dos pacientes com perda auditiva sensorioneural de grau profundo apresentar resultados limitados quanto ao desenvolvimento da linguagem oral no processo terapêutico com o uso de aparelhos auditivos de amplificação sonora. Assim, era eminente a necessidade de um tratamento eficaz que permitisse que estes pacientes obtivessem acesso à percepção auditiva da fala e consequentemente, a possibilidade de aquisição da linguagem oral. Neste contexto, surgiu o implante coclear multicanal no final da década de 80 e a motivação da equipe do Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, Bauru, conhecido como Centrinho, a introduzir este recurso no tratamento da surdez dos pacientes atendidos na instituição.

2) Em termos pessoais, o senhor poderia nos contar um pouco sobre como foi viver o pioneirismo de uma equipe de implante coclear ao lado de sua esposa Maria Cecilia Bevilacqua?

Em 1990, portanto 26 anos átras, o Superintendente do Centrinho, era o Dr Gastão (Prof José Alberto de Souza Freitas), um profissional sensível as questões voltadas à deficiência auditiva. Com o objetivo de tornar o Centrinho um hospital de “fazer sorrir e ouvir”, o Dr Gastão apoiou e incentivou as ações voltadas a implantação de serviços na área da audição, incluindo o Centro de Pesquisas Audiológicas, no qual foi criado o primeiro Programa de Implante Coclear Multicanal no Brasil, com uma característica mantida até hoje, totalmente inserido no Sistema Único de Saúde. Na época, nossos objetivos eram bem claros, ou seja, realizar o diagnóstico da deficiência auditiva com precisão para uma correta indicação do implante coclear que envolvia um procedimento cirúrgico. Por outro lado, tínhamos a convicção de que não adiantava oferecer tecnologia de ponta sem estar associada a reabilitação de qualidade. Assim, o entusiasmo da Maria Cecilia e a sua competência como fonoaudióloga foram determinantes nesta fase de pioneirismo, como você corretamente caracterizou. Neste momento, estávamos criando também a concepção de equipe de implante coclear interdisciplinar, com a participação do médico otorrinolaringologista, fonoaudiólogo, psicólogo e assistente social. É interessante pensar no início, a equipe majoritariamente jovem, demonstrava determinação e disposição, o que possibilitou o desenvolvimento de protocolos cirúrgicos e clínicos ao longo dos anos. Enfim, com total apoio institucional, o caminho para alcançarmos com sucesso os ideais e metas estava pavimentado.

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3) Qual é o sentimento de ter levado tantos pacientes ao mundo sonoro? 

Dar oportunidade aos pacientes com deficiência auditiva de graus severo e profundo de utilizar um recurso que permite ter acesso à comunicação, base da relação entre as pessoas em um mundo que majoritariamente utiliza a linguagem oral, gera nos profissionais envolvidos com IC uma grande satisfação profissional e um incentivo para a atualização permanente. Particularmente, devo dizer que fico feliz nas consultas de acompanhamento ao constatar os resultados e benefícios obtidos pelo paciente com o uso do implante coclear reforçando a conduta assumida, e porque não dizer, nas situações casuais, ao encontrar um paciente que operei quando criança por exemplo, e hoje adulto, para o qual o implante coclear teve um impacto positivo na sua qualidade de vida.

4) Qual a diferença na aceitação dos pacientes ao IC em 2016 e 20 anos atrás?

A diferença baseia-se no conhecimento. Há 26 anos atrás falávamos do implante coclear como um tratamento pouco conhecido mas que já apresentava resultados promissores. Hoje, existe o consenso entre os profissionais da área sobre a indicação do implante coclear como opção de tratamento pois é inquestionável o impacto do implante coclear na aquisição e no desenvolvimento da linguagem oral de crianças com deficiência auditiva sensorioneural de grau severo e/ou profundo que não se beneficiam do aparelho de amplificação sonora individual (AASI).  Este fato, permite que a orientação realizada ao paciente e familiares pelos profissional da equipe de implante coclear seja mais esclarecedora permitindo que a opção do paciente e família por este tratamento ocorra de maneira mais consciente e segura.

5) Quais os maiores desafios em coordenar uma equipe de implante coclear?

O implante coclear é um procedimento cirúrgico, mas ao considerarmos que os resultados alcançados dependem de fatores inerentes ao paciente e a realidade na qual ele está inserido incluindo o contexto familiar, a avaliação realizada pelos profissionais diretamente envolvidos (médico, fonoaudiólogo, assistente social, psicólogos) é fundamental para fornecer subsídios que sustentem a indicação do implante coclear como opção de tratamento, considerando as particularidades de cada paciente. A experiência obtida nestes 26 anos nos permite afirmar que o IC deve ser sempre considerado como possibilidade de tratamento para as perdas auditivas sensorioneurais de graus severo e profundo, mas sua indicação é uma tomada de decisão, que requer uma discussão com respeito e valorização do posicionamento de todos os profissionais envolvidos. Assim, a coordenação de uma equipe de IC se faz necessária para o entrosamento harmônico dos vários profissionais (médico, fonoaudiólogo, assistente social, psicólogos) a fim de garantir ao paciente uma indicação criteriosa que com certeza terá reflexos positivos nos resultados alcançados.

6) Numa perspectiva mundial, como o senhor enxerga a evolução brasileira no acesso da população ao IC?

No Brasil, a disponibilidade do implante coclear é uma realidade, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS), quanto no Sistema de Saúde Suplementar (Planos de Saúde) e Particular. Dados oficiais demonstram um crescimento exponencial no número de cirurgias de implante coclear realizadas anualmente no Brasil, principalmente a partir do ano de 2000, provavelmente em decorrência da publicação da primeira Portaria do Ministério da Saúde voltada ao implante coclear, no ano de 1999.  Contudo, a abrangência desta política pública necessita ser ampliada,  o que permitirá maior acesso da população com deficiência auditiva severa e profunda ao implante coclear. Mas preciso ressaltar que, também faz-se necessário resolver fragilidades na rede de saúde auditiva que envolve desde o diagnóstico até o processo de reabilitação. Posso citar como exemplos, a necessidade da realização do diagnóstico precoce para que a criança seja encaminhada em uma idade na qual o implante coclear realmente traga o benefício de escutar e compreender a fala, situação que muitas vezes não acontece. Outro aspecto importante, refere-se a terapia fonoaudiológica, nem sempre possível de ser realizada em várias cidades do Brasil, o que tem restringido a indicação e posteriormente a eficácia desse tratamento. Não menos importante, a necessidade de capacitar o fonoaudiólogo para realizar o mapeamento do implante coclear a fim de que o dispositivo seja utilizado com todas as possibilidades técnicas que este oferece. Enfim, na área de saúde auditiva o Brasil tem acompanhado a evolução de outros países, entretanto esforços ainda necessitam ser despendidos para ser garantido a ampliação do acesso mas com  qualidade.

7) O que o senhor vislumbra para o futuro da reabilitação auditiva?

A evolução tecnológica tem sido muito rápida, e não é diferente para os dispositivos eletrônicos aplicados à surdez. As queixas dos usuários de implante coclear passaram a ser mais específicas, e pesquisas têm sido desenvolvidas e investimentos têm sido aplicados pelas empresas, a fim de possibilitar ao indivíduo uma melhor audição em ambiente ruidoso e a percepção auditiva para a música, com resultados promissores. Com relação à reabilitação auditiva no aspecto puramente cirúrgico, vislumbro a possibilidade de um implante totalmente implantável, passível de ser indicado clinicamente. As pesquisas continuam em laboratórios de vários países: células tronco, uso de neurotrofinas, estimulação óptica do nervo coclear prometem ser um futuro não tão distante.

8) Qual seria sua mensagem para pacientes e pais de pacientes no Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez?

Na minha compreensão, o principal objetivo de dias como este é o de conscientizar a população sobre os cuidados com a audição, pois como em qualquer área da saúde,  a prevenção tem que ser o nosso maior foco. Não tenho propriamente uma mensagem, mas sim aproveito para dividir um sentimento de responsabilidade com todos os profissionais de saúde, pais e pacientes em tornar este dia também esclarecedor, para que pais ou indivíduos que estão vivenciando a realidade da surdez em algum membro da família saibam da existência de um tratamento como o implante coclear. Adicionalmente,  relatos na mídia escrita e falada sobre os benefícios obtidos com o implante coclear auxiliarão a sensibilizar os governos para manutenção e aprimoramento das políticas públicas voltadas à saúde auditiva, visto que a maioria da população brasileira necessita do atendimento em serviços públicos.

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

3 Comments

  • James
    14/11/2016 at 06:25

    Paula, agradecemos a Deus por nos dar a oportunidade de oferece está tecnologia a nossa filha, tivemos o privilégio de conhecer o Dr Orozimbo e Dra Maria Cecília aos quais Agradecemos pela importante Missão de Ser o caminho a ser direcionado minha e muitas famílias naquele momento em nossas vidas , que São Francisco de Assis padroeiro do Centrinho abençoe esta Família e a todos os Deficienciente Auditivos , que estes possam ser o exemplo aos futuros médicos e equipe que possam ajudar País como nos que no início estávamos a procura de soluções , ontem tive o privilégio de levar minha Menina Para fazer o vestibular para entrar na faculdade , aonde este ano se forma e é uma das alunas mais aplicadas da Escola e a que já conheci , agravemos novamente a Deus por te colocado pessoas maravilhosas e iluminadas em nossa Vidas , realmente esta entrevista é um grande presente a todos , James Gisoldi

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  • Cristiane Malheiros
    13/11/2016 at 20:23

    Amo essa família dr Orozimbo dra Cecília e dr Lucas todos eles cuidaram da minha Manuela Malheiros…. profissionais maravilhosos e seres humanos iluminados…. gratidão eterna…. saudades Cecília… que Deus abençoe Doctor….. Hospital de fazer ouvir e sorrir…Tio Gastão só quem passou pelo centrinho sabe o que isso significa… meus Deus um filme passou na minha cabeça agora com essa entrevista… parabéns dr Orozimbo… gratidão define.

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  • Estelita Vieira de Moura
    13/11/2016 at 18:26

    Olá Paula Pfeifer Moreira. Estou realmente emocionada! Muito obrigada por nos presentear com esta entrevista fantástica.
    Abraço, Estelita Vieira de Moura

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