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Entrevistas

Entrevista com Vint Cerf – Interview with Vint Cerf

Depois do Conexões Sonoras Online, fiquei pensando quem seria o nosso próximo grande entrevistado. Eis que um dos “pais” da internet é um surdo que ouve, usuário de aparelhos auditivos! 🙂

Quero que vocês conheçam Vint Cerf, que é Chief Internet Evangelist no Google e casado com uma surda que ouve através de implante coclear. Vint criou as regras e bases da comunicação entre computadores em rede ao desenvolver os protocolos TCP/IP, ao lado de Robert Kahn.

A entrevista está em português (tradução livre minha) e em inglês (versão original enviada pelo Vint). Não tenho palavras para expressar minha gratidão pela generosidade – estou editando o vídeo do call que fizemos a 5 (eu, ele, Luciano, Sigrid e Donna). Em breve, estará no ar!

Você usa aparelhos auditivos desde os 13 anos. Quando você era criança e adolescente, tinha amigos com deficiência auditiva? Como você lidava com sua deficiência naquela época, e como lida com ela hoje?

Eu não tinha amigos surdos, todos os meus amigos eram ouvintes. Por sorte, precisar usar aparelhos auditivos nunca me incomodou muito. Lembro que, quando precisava trocar pilhas, eu tentava começar um monólogo enquanto fazia isso para evitar perder o que a outra pessoa estivesse falando. Era uma estratégia para lidar com a surdez.

You have been a hearing aids user since you were thirteen. When you were a kid and a teenager, did you have friends with hearing loss? How did you deal with your disability and how do you deal with it today?

I had no other friends with hearing loss. All my friends had normal hearing. By good fortune, I never felt too awkward about having to use hearing aids. I do recall that when I had to change batteries, I would sometimes attempt to launch a monologue while I was doing that to avoid missing anything someone else would say (coping tactic).  

Vivemos na era dos hearables (dispositivos que você usa no ouvido), e isso é interessante porque eles podem ser grandes aliados no combate ao estigma da perda auditiva. No passado, muita gente tinha vergonha de usar aparelhos auditivos, hoje em dia, todos usam um fone de ouvido sem fio. O que você acha disso?

Lembro da primeira vez em que fomos a um evento na Casa Branca. Sigrid viu inúmeras pessoas usando dispositivos nos ouvidos e pensou que os agentes do Serviço Secreto eram todos deficientes auditivos. Diria que, nos últimos tempos, temos visto mais pessoas interessadas em mostrar seus aparelhos, especialmente quando eles podem ser controlados pelos seus smartphones. Existem também os amplificadores – que não têm permissão para serem chamados de aparelhos auditivos e são muito mais baratos.  Acredito que os fones de ouvido sem fio (earbuds) feitos para serem usados em conjunto com os smartphones também ajudaram a reduzir a percepção de que qualquer coisa dentro do ouvido é um sinal de deficiência auditiva.

We are living in the hearable era, and this is interesting because it can be the ultimate ally against hearing loss stigma. In the past, most people were ashamed of wearing hearing aids, today, it’s like everyone wears a pair of airpods everywhere. Any thoughts?

I remember when we first went to the White House for an event, Sigrid saw all these people with what looked like hearing aid earplugs and thought the Secret Service staff were all hard of hearing! I would say that over time, we have seen people more interested in showing off their hearing aids and especially the ones that have controls on smart phones. There are also devices that enhance hearing (sound amplifiers) that are not allowed to be referred to as hearing aids but are a lot less expensive. I think the earbuds for mobile phones has also reduced the feeling that hearing aids and ear plugs are signs of disability.  

Como foi o período de adaptação, enquanto casal, após o sucesso do primeiro implante coclear da Sigrid? Algum momento ou situação memorável?

Primeiro, a Sigrid disse “não preciso mais olhar pra você para fazer leitura labial!”. Depois, ela desligou o processador e falou “E também não preciso te ouvir!”. Segundo, o primeiro implante devolveu a ela a habilidade de falar ao telefone (nós ficamos maravilhados!) e de ouvir audiobooks. Sua fala melhorou um pouco, e já era muito boa. A diferença entre a pronúncia das palavras “chopping” e “shopping” se tornou mais aparente. Com o seu implante mais recente, ela tem ouvido música com prazer (antes, não era tão bom assim) e fala que consegue ouvir anúncios da TV quando está em outra sala, sem legendas. Suas habilidades auditivas hoje são melhores que as minhas, já que ela consegue conversar sem leitura labial, enquanto eu ainda me sinto mais confortável de conversar cara-a-cara.

How was the adaptation period, as a couple, just after the success of Sigrid’s cochlear implant? Any remarkable moments or situations?

First Sigrid said “I don’t have to look at you any more!” [for lip reading]. Then she turned off her speech processor and said: “I don’t have to listen to you, either!”  :-)))

Second, the first implant clearly gave her back the ability to use the phone (we were amazed) and to listen to recorded books. Her speech improved a little, it was already very good. The difference between the world “chopping” and “shopping” became more apparent. With her most recent implant, she is hearing music with pleasure (earlier it was not so nice) and is vocal about being able to hear news announcers on TV from across the room and without looking at them or captions. Her hearing is actually better than mine at this point in that she can carry on conversations without looking while I feel more comfortable face/face.  

Vint, como Chief Internet Evangelist no Google, você dá visibilidade para as pessoas com deficiência. Em novembro, tivemos o evento Conexões Sonoras Online, com convidados que eram líderes em grandes empresas de tecnologia – e surdos que ouvem. Queríamos mostrar à nossa comunidade que representatividade importa. Por que vemos tão poucas pessoas com deficiência em cargos de liderança, e como podemos mudar isso?

Acredito que por várias razões. A primeira é que as pessoas têm preconceitos a respeito do que elas acham que as pessoas com deficiência podem fazer – nós precisamos continuamente mostrar às pessoas que deficiências não definem a capacidade de alguém de liderar e executar. Temos que mostrar como as tecnologias assistivas ajudam a superar os desafios e precisamos celebrar os líderes que estão dispostos a compartilhar suas histórias sobre como lidar com uma deficiência.

Vint, as Chief Internet Evangelist at Google, you give visibility to people with disabilities. In november, we hosted an online event with hearing impaired leaders in big tech companies because we wanted to show to our community that representativity matters. Why do we see so few people with disabilities in leadership roles? How can we change that?

I think there are several reasons. The first is that people have prejudices about what they think persons with disabilities can do – we need to keep showing people that disabilities do not define capacity to lead and execute. We need to show how accommodation and assistive technologies can overcome challenges and we need to celebrate leaders who are willing to share their stories of coping with a disability.  

Uma vez você disse que não há desculpa para fazer produtos que não sejam acessíveis. Algumas semanas atrás, precisei explicar a diferentes jornalistas porque a acessibilidade importa e porque 1,3 bilhão de pessoas precisam ser vistas como consumidores. Você fala muito sobre o futuro da internet. Na sua opinião, qual é o futuro da acessibilidade?

Temos muito trabalho pela frente, mas acredito que exista uma maior conscientização e uma grande capacidade de se desenvolver interfaces acessíveis para produtos e serviços baseados em computador. O WWW Consortium e outros grupos estão trabalhando para definir métodos para melhorar a facilidade através da qual a acessibilidade pode ser construída em aplicações baseadas em computador. Ainda é um grande desafio de design porque os designers devem estar cientes sobre o que funciona e o que não funciona. É concebível que alguns métodos de aprendizado de máquina possam permitir que um sistema literalmente aprenda a se adaptar às necessidades do usuário, mas isso ainda me parece um pouco coisa de ficção científica.

Vint, once you said that there is no excuse for making products that are not accessible. A few weeks ago, I talked to different journalists in Brazil, trying to explain why accessibility matters and why 1.3 billion people in the world must be seen as consumers. You talk a lot about the future of the internet. In your opinion, what is the future of accessibility? 

I think we have a lot of work ahead of us but I believe there is increased awareness if not yet increased capacity to develop accessible interfaces to computer-based products and services. The WWW Consortium and other standards groups are working to define methods to improve the ease with which accessibility can be built into computer-based applications. It’s still a tough design challenge because the designers have to be implicitly aware of what accommodations work or don’t work. It’s conceivable that some machine learning methods could allow a system to literally learn to adapt to user needs but that sounds a little like science fiction to my ear.  

Vint, uma vez você disse em uma entrevista que é importante saber rir de algumas situações nas quais a nossa deficiência nos coloca. Você pode compartilhar conosco algumas situações engraçadas?

Uma vez eu estava conversando com amigos no nosso jardim, perto da piscina, e o filtro da piscina estava fazendo um barulho esquisito. Isso estava complicando minha habilidade de acompanhar a conversa. Levantei e coloquei uma rolha de cortiça no filtro que estava fazendo barulho. Um dos meus amigos disse algo que não entendi, mas presumi que fosse um comentário sobre o filtro barulhento. Então eu disse: vou pôr uma rolha nisso! Todos começaram a rir. Perguntei o motivo das risadas, e descobri que o que eles haviam dito – e eu não havia entendido – foi: “Você tem um lindo boungainville no jardim!”. Quando eu era adolescente, descobri que beijar fazia o aparelho auditivo dar microfonia. Isso me levou a um dilema – tirar os aparelhos e não ouvir nada ou deixar a microfonia quebrar o clima. Mas depois eu me formei em aparelhos auditivos e tudo passou a funcionar melhor, rsrs.

Vint, you said in an interview that is important to be able to laugh about some of the situations disabilities put you in. Would you share with us your top 3 funniest situations?  

Once I was having a nice social chat with friends in the back yard near our pool and the skimmer was making a racket. It was interfering with my ability to follow the conversation. I got up to put a big cork floater into the skimmer that was making noise. One of my friends said something I did not hear but assumed was a comment about the noisy skimmer. I said “I’m going to put a cork in it!” and they started laughing. I asked why they were laughing and they said what had been said but what I had not heard correctly was “You have a nice bougainvillea on the back wall.”

When I was a teenager, I discovered that making out had the awkward side effect of making my behind-the-ear hearing aids squeal. This led to a dilemma – take the aids off and not hear anything or leave them on and have the squealing spoil the mood. Eventually I graduated to in the ear aids and that worked better.

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About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

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