O parecer técnico da Agência Nacional de Saúde que trata da manutenção do implante coclear pelos planos de saúde e das coberturas referentes ao IC às quais os planos são obrigados a se submeter é absolutamente insustentável no longo prazo. Planos de saúde envolvem matemática básica. Eu já expliquei detalhadamente como funciona a manutenção do implante coclear pelos planos de saúde no Brasil.
As pessoas que fazem um implante coclear se sentem eternamente protegidas pelas normas da ANS – em qualquer outro país elas seriam consideradas inviáveis – mas esquecem que planos de saúde são empresas. Empresas precisam de lucro para sobreviver e podem ir à falência a qualquer momento. Trata-se de uma ilusão, uma falsa sensação de segurança que, em algum momento, vai implodir e impactar muitas vidas. Não entendo como até hoje os planos de saúde brasileiros não se mobilizaram para questionar o parecer técnico da ANS. Porém, moramos no Brasil, país da corrupção, das propinas e das contas hospitalares superfaturadas, ou seja, nada deveria nos surpreender.
O que mais vamos por aí são advogados estimulando incansavelmente que os usuários de IC processem os planos de saúde, “exigindo seus direitos”. Isso acaba fazendo com que muitas pessoas se sintam confortáveis para extrapolar todos os limites do bom senso, uma vez que estão amparadas pela lei. Entretanto, as pessoas esquecem que pedidos exagerados têm impacto financeiro real nos planos de saúde e que, no final do ano, todos os usuários do plano terão que arcar com os reajustes que serão praticados.
O que acontece no longo prazo? Muitas famílias ficarão sem plano de saúde, pois os valores se tornam cada vez mais proibitivos para a realidade da população brasileira.
Entenderam agora porque temos obrigação, como CIDADÃOS PAGADORES DE IMPOSTOS, de fiscalizar de perto os gastos e a gestão a tudo o que for relacionado à reabilitação auditiva no SUS? Ele é a única saída e a única esperança das pessoas que não têm plano de saúde ou que se verão sem plano de saúde no futuro. Lembre-se: todos nós podemos perder o emprego, sofrer algum imprevisto, o provedor da família falecer, etc. Pensar apenas no curto prazo é dar um tiro no próprio pé. Neste post está a investigação que fiz no ano passado sobre quanto o Brasil gastou nos últimos anos com aparelhos auditivos e implante coclear no SUS.
O plano de saúde pode recusar um novo cliente que tem implante coclear?
Não, o plano de saúde não pode recusar que você ou o seu filho façam adesão ao plano se já fizeram a cirurgia do implante coclear. Quase todos eles negam, num primeiro momento, pois muitas pessoas desconhecem a legislação.
Mas veja como um usuário de IC custa caríssimo para um plano de saúde mesmo depois de já ter feito a cirurgia. O plano de saúde é OBRIGADO pela ANS a fornecer cobertura posterior ao IC em TUDO que se relaciona com os procedimentos clínicos necessários ao acompanhamento do tratamento, como:
- consultas e sessões com fonoaudiólogo
- exames de mapeamento periódico
- consertos
- troca de baterias, cabos e peças
- troca pastilhas desumidificadoras
- substituição de componentes externo decorrentes da má utilização do equipamento
- perda
- roubo
Além de tudo isso, as operadoras estarão obrigadas a cobrir a troca do processador externo quando esta necessidade estiver relacionada ao não funcionamento adequado do aparelho e quando devidamente atestada pelo médico assistente. E mais: sem carência. Levando em conta que um cabinho de plástico de IC chega a custar R$2.000 e um processador externo, R$50.000, façam as contas. Depois, multipliquem pelo número de usuários que têm IC.
Vocês têm alguma noção da brecha que isso abre para todo tipo de fraude? Pois é. E não se enganem, pois elas ocorrem todos os dias, especialmente nos casos de “perda e roubo”, e nos pedidos exagerados de 3 ou 4 itens de uma vez só (o que é uma tremenda burrice, uma vez que a garantia começa no momento em que o produto sai da loja, ou seja, vai que você abra um cabo daqui a 3 anos e ele não funcione?).
Pouca gente sabe que os planos de saúde EMPRESARIAIS podem ser cancelados pelas operadoras, sem qualquer motivo, mediante uma singela notificação com 60 dias de antecedência. Ou seja: você pode até não ser recusado por um novo plano, mas ele pode ser cancelado 2 meses depois. De novo: o objetivo deste post é mostrar o que pode e possivelmente vai acontecer com os usuários de IC, no longo prazo, em função dos exageros do parecer técnico da ANS.
E a indústria da audição?
A indústria da audição está interessada no dinheiro fácil dos planos de saúde, não no dinheiro dos usuários de implante coclear. Enquanto essas normas da ANS valerem, nós, usuários e pais de usuários, continuaremos submetidos aos preços abusivos que são praticados pelos fabricantes de IC.
São apenas 4 marcas disponíveis e não há nenhuma concorrência dentro de cada marca, ou seja, se o seu IC quebra ou estraga, você só tem UMA opção para consertá-lo e será refém dos preços praticados.
Imagine o seguinte cenário hipotético: a ANS muda as regras de manutenção obrigatória pelos planos. Várias coisas que antes o plano era obrigado a cobrir, agora ele não é mais. O usuário terá que comprar do próprio bolso. A indústria seria obrigada a reduzir os preços para o consumidor final, uma vez que a maioria esmagadora das pessoas que faz um implante coclear não tem condições de pagar quase R$3.000 em UMA única bateria recarregável, por exemplo.
Agora imagine outro cenário hipotético: a ANS altera a normativa, e agora perda, roubo e conserto não serão mais cobertos. Como a indústria vai sobreviver, ainda mais agora que os consertos viraram uma sub-indústria super lucrativa para os fabricantes? A única saída seria praticarem preços viáveis para os usuários, uma vez que o dinheiro fácil dos planos de saúde não estaria mais disponível.
Levando em conta que fazer um IC é entrar num casamento sem direito a divórcio com a marca que você implantou, a VERDADE é que estamos totalmente à mercê das práticas dos fabricantes. Somos reféns. Vendo sob esta perspectiva, seria muito mais vantajoso para nós, usuários, se essa normativa sofresse alterações que obrigassem a indústria da audição a finalmente considerar os usuários como seus reais clientes – e não os médicos, planos de saúde e hospitais, como acontece hoje.
Como qualquer indústria, a da audição vai se aproveitar das brechas da lei e das regulamentações de cada país para obter o maior lucro possível, até que algo mude. É assim que a banda toca. Do ponto de vista empresarial, não estão errados.
E os planos de saúde?
A manutenção do seu IC pelo plano de saúde começa APENAS depois que a garantia do mesmo junto ao fabricante acaba. O processador de som é composto por várias partes diferentes (bateria, processador, cabo, ímã, compartimento de pilhas, etc) e cada uma delas possui uma garantia de duração específica. O processador costuma ter 3 anos de garantia, enquanto as outras peças variam entre 3 meses a 1 ano. Monitore com cuidado a duração da garantia e SEMPRE envie o seu IC para uma revisão no fabricante quando o fim da garantia estiver se aproximando.
Não sei como os planos de saúde ainda não se organizaram para entrar com processo judicial coletivo que revise as obrigatoriedades impostas pela ANS no que toca à manutenção do implante coclear. Por exemplo, a obrigação de custear “pastilhas desumidificadoras” é completamente datada. Hoje as pessoas usam desumidificadores elétricos e apenas uma marca comercializa as tais pastilhas. Qualquer um que encontre um médico disposto a fazer um pedido ao plano de saúde exigindo um novo processador porque supostamente “perdeu” o seu estará amparado pela lei brasileira para fazer isso. Os planos ficam à mercê de reféns de fraudes e de pedidos exagerados de pacientes.
E os médicos?
Os médicos NÃO SÃO obrigados a fazer pedidos desnecessários aos planos de saúde apenas porque este é o desejo do paciente. Todos nós gostaríamos de ter o último lançamento de implante coclear do mercado, mas a nossa vontade não obriga médico nenhum a nos dar um parecer solicitando a troca para o plano de saúde.
Uma coisa é um IC que foi declarado obsoleto ou que não tem mais conserto, outra coisa é querer fazer um upgrade de processador simplesmente porque ele é mais novo e você quer o último modelo disponível no mercado.
Pensando no futuro…
Usuários organizados coletivamente para melhorar as práticas e gestões do SUS em TUDO o que toda a reabilitação auditiva no Brasil têm força. Não se esquive dessa responsabilidade se você tem implante coclear ou é pai-mãe de alguém que tem IC. Acompanhe e fiscalize de perto, porque o dinheiro do SUS não tem menos valor do que o dinheiro dos planos de saúde. Aliás, fica a reflexão: porque é que os planos são obrigados a cobrir tudo e fornecer tudo do bom e do melhor, e o SUS compra tanta porcaria a peso de ouro? Falta de fiscalização dos maiores interessados!
Cuidado com advogados que insistem que você processe o plano de saúde ou se dirija a algum médico específico que não vai se negar a exigir um upgrade desnecessário para o plano de saúde. Eles costumam usar o argumento de que “o plano é obrigado a fornecer tudo o que o médico pedir“. Não faça pedidos exagerados ou desnecessários ao plano de saúde, porque não existe almoço grátis. Essa conta uma hora vai chegar. E, como já expliquei anteriormente, os dados e fatos mostram que a legislação atual é insustentável no longo prazo, e quem pagará o pato? Nós! Afinal, como tantas vezes já ouvi por aí de algumas pessoas que parece que moram em Nárnia… “ouvir não tem preço“. Tem sim, e custa BEM CARO.
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