Para 11 de fevereiro de 2017 estava previsto um dos eventos mais esperados daquele ano: um encontro de implantados no Parque Ibirapuera. E, com ele, o início de uma forte amizade que, apesar de recente, se provaria uma história repleta de coincidências claras demais para serem ignoradas. Esta história é mais uma prova de como a surdez, como deficiência sensorial, pode servir como um gatilho para experiências memoráveis e boas. Não deve ser vista como algo incapacitante ou até mesmo motivo único de pessimismo ou tristeza.
Comecemos com os personagens principais!
Aracele Melo, piauiense do interior, professora aposentada com registro de licenciatura em Matemática – sendo 33 anos na Secretaria de Educação do Distrito Federal e 30 deles como chefe de secretaria, usuária de AASI na orelha esquerda e implantada na orelha direita. Uma das pessoas mais queridas e sociáveis da cidade! Gosta de fazer artesanato (panos de pratos em vagonite) e assistir filmes de ficção, além de ler.
Paulo Sugai, brasiliense, advogado e voluntário como Diretor Jurídico da Associação Brasileira de Surdos Oralizados (ABRASSO), também brasiliense, usuário de AASI na orelha direita e implantado na orelha esquerda. No tempo livre, gosta de ler livros de fantasia, biografias e ficção científica, além de assistir filmes como se o mundo fosse acabar amanhã.
Primeira coincidência: ambos com surdez neurossensorial profunda bilateral. Segunda coincidência: usam AASI e tiveram um intenso treinamento auditivo desde criança, com as mesmas pilhas (.675).
Antes do evento, Aracele e Paulo se conheciam somente pelas caixas de comentários dos posts do Crônicas da Surdez no Facebook. Depois, viraram amigos virtuais. Só foram se conhecer, pessoalmente, durante o trajeto de ida e volta para São Paulo, em ônibus disponibilizado pelo Instituto Brasiliense de Otorrinolaringologia. Naquele momento, não imaginariam que seriam implantados, quase um ano depois. O evento foi o responsável por acender a coragem dos dois em iniciar o processo de tomada de decisão, que se arrastaria por mais alguns meses, em favor do implante coclear. Ver todos os implantados interagindo entre si, com alegria e sem medo, foi um catalisador positivo.
Em seguida, em mais uma coincidência, foram selecionados – entre muitos surdos – para participarem de uma pesquisa de consumo de pilhas auditivas. Nesta pesquisa, descobriram que foram os únicos que usaram a mesma pilha por um período longo de tempo: exatamente 30 dias. Não bastando, em uma palestra em Brasília/DF, ambos, ao mesmo tempo, foram sorteados com brindes iguais: um boné amarelo. Em todos os seminários, simpósios, palestras e coquetéis que envolvessem aparelhos auditivos, implantes cocleares ou surdez, sempre se encontravam por acaso, sem combinar nada antes.
Compartilhando as mesmas inseguranças e medos em relação ao implante coclear, Aracele e Paulo fortaleceram a amizade com troca de opiniões e experiências sobre o assunto por meio de mensagens quase diárias via Whatsapp. Definitivamente, ter um apoio emocional como esse foi fundamental na tomada de decisão final.
Inclusive, durante a realização, pelos dois em datas diferentes, de um dos exames da bateria exigida (o VENG), tiveram a mesma sensação de mal estar e tontura, que durou o dia inteiro. E essa tomada de decisão final veio em datas diferentes, mas no mesmo mês. Quando perderam o medo e decidiram seguir adiante com a cirurgia, sem saber, tiveram-na agendada para o mesmo dia e o mesmo hospital, com o mesmo médico e a mesma equipe. Não bastando, ambos possuem o mesmo plano de saúde! 🙂
Deram entrada no hospital com os pedidos para aprovação da cirurgia, numa quinta-feira, com diferença de uma semana entre um e outro. A autorização saiu no mesmo dia – em uma sexta-feira, na véspera da palestra da Paulinha Pfeifer, em Brasília/DF, justamente a responsável por proporcionar o primeiro contato virtual entre os dois amigos.
E então, assim a amizade prosseguiu, firme e forte, até o dia da operação: 8 de fevereiro de 2018. Aracele foi a primeira a ser internada e, logo em seguida, Paulo. Uma cena que não sai da mente de Paulo é, ao ser conduzido para a sala de cirurgia, ter visto Aracele deitada em uma sala para os pacientes acordarem após o efeito da anestesia passar. Ela estava bem. Isso deu mais certeza a ele de que tudo daria certo e que a cirurgia seria um sucesso, assim como havia sido para ela.
Trocaram mensagens quase todos os dias durante o período de pós-operatório, também trocando ideias e novidades sobre a sensação de serem implantados. Essa troca de opiniões e experiências foi fundamental para que ambos se sentissem seguros e se apoiassem mutuamente, inclusive para lembrar a hora de tomar remédios, colocar um algodão no ouvido operado na hora de tomar banho e até mesmo para Paulo levar bronca de Aracele.
No dia 22/2, Paulo foi liberado para voltar ao trabalho e Aracele, para voltar para casa, considerando que estava na casa da irmã mais nova.
E quanto à ativação? Infelizmente, não houve como agendar ambos para o mesmo dia, já que a clínica realiza somente uma ativação por dia; mas, ainda assim, Aracele a terá na sexta-feira seguinte à ativação de Paulo.
Ambos acreditam que a amizade surgiu no tempo e na hora certa, pois ela foi essencial para que pudessem enfrentar todos os temores que cercam essa importante decisão. Por mais clichê e piegas que soe afirmar que a união faz a força, esta é a verdade. Caso se sintam sozinhos nesse processo, não hesitem em procurar amigos ou até mesmo desconhecidos que estejam na mesma situação. O Crônicas da Surdez pode ser uma poderosa ferramenta nesse sentido!’
4 Comments
Ana Lucia Santiago
27/04/2018 at 13:20Linda história e o proposito também !!! #God bless you
Emanuella
26/04/2018 at 17:04Meus queridos: Aracele e Paulo!
darcy
25/04/2018 at 21:04Olá, perdoem-me!
Como professor de reforço escolar e instrutor de treinamento para pessoas surdas, gosto de compartilhar maravilhosas experiências nesse trabalho. Conseguimos em seis meses treinar nossos alunos, com ótimos resultados.
01- vemos um filme e reeditamos a história em seus mínimos detalhes. Essa tarefa nos dá condições de velocidade na leirtura visual nas entrelinhas.
02- as mensagens enviadas e recebidas alcançam níveis invejáveis de coerências, não deixando nada a desejar.
03- todos sabemos que Libras é sim essêncial, mas quem sabe usar o celular, a tela do computador, para quê recorreria à libras?
04- o curso com maior procura é Logística, porque envolve várias áreas do conhecimento e dá segurança ao novo profissional, no desempenho de sua função e no cargo de sua responsabilidade.
Parabéns a todos.
Paula Pfeifer Moreira
03/05/2018 at 10:37A Libras não é e nunca foi essencial para os surdos que não precisam dela – a grande maioria!
Para nós é o mesmo que saber chinês morando no interior do Nordeste, rsrsrs, utilidade zero.
Abraçao