A surdez afeta o cérebro humano de várias maneiras. A audição é um sentido fundamental para a comunicação humana e a interação social. Quando você não trata a sua surdez isso não afeta só a sua capacidade de ouvir sons. Antes de passar mais cinco anos fingindo que “está tudo bem” porque você “ainda se vira”, leia esse post com carinho.
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O que a surdez faz com o cérebro: Alterações na estrutura cerebral
A perda auditiva não tratada provoca mudanças significativas na estrutura e no funcionamento do cérebro humano. Essas alterações vão além da simples redução na percepção de sons e têm implicações profundas na maneira como o cérebro processa informações sensoriais e cognitivas.
O cérebro é um órgão altamente plástico, capaz de reorganizar suas conexões neurais em resposta a mudanças nos estímulos sensoriais – isso é chamado de neuroplasticidade. Quando ocorre uma perda auditiva, especialmente se não tratada, o cérebro busca compensar a falta de estímulos sonoros reorganizando-se funcional e estruturalmente.
Estudos de neuroimagem funcional, como ressonância magnética funcional (fMRI) e tomografia por emissão de pósitrons (PET), demonstraram que indivíduos com perda auditiva apresentam ativação reduzida nas áreas auditivas primárias do córtex temporal. Em contrapartida, há um aumento da atividade em regiões associadas a outros sentidos, como a visão e o tato – a chamada plasticidade cross-modal.
Por exemplo, pesquisas conduzidas por Sharma et al. (2016) mostram que, em indivíduos com perda auditiva profunda, áreas do córtex auditivo podem ser recrutadas para processar informações visuais. Isso indica uma reorganização neural onde o cérebro “realoca” recursos de áreas menos estimuladas para áreas mais ativas.
Redução de massa cinzenta e alterações estruturais
Além das mudanças funcionais, a perda auditiva não tratada está associada a alterações estruturais no cérebro. Lin et al. (2014) identificaram que adultos com perda auditiva apresentavam atrofia acelerada no lobo temporal superior, área crucial para o processamento auditivo e da linguagem. Essa atrofia estrutural pode comprometer não apenas a audição, mas também funções cognitivas associadas, como memória e atenção.
Impacto na conectividade neural
A perda auditiva afeta a conectividade neural entre diferentes regiões do cérebro. Estudos mostram que há uma diminuição na conectividade funcional entre o córtex auditivo e áreas responsáveis por funções cognitivas superiores. Isso pode levar a um esforço cognitivo aumentado para compreender a fala, já que o cérebro precisa trabalhar mais para interpretar os sinais sonoros reduzidos ou distorcidos. Na prática, é aquele velho conhecido de todo surdo: o cansaço extremo no final do dia após tantas horas tentando desvendar bocas e dar sentido às palavras quebradas.
Um estudo de Peelle et al. (2011) demonstrou que indivíduos com perda auditiva leve a moderada exibiam conectividade reduzida entre o córtex auditivo e regiões frontais do cérebro, implicadas no processamento linguístico e na atenção. Essa diminuição na conectividade pode contribuir para o declínio cognitivo observado em pessoas com perda auditiva não tratada.
Consequências para a função cognitiva
As alterações estruturais e funcionais no cérebro associadas à perda auditiva não tratada têm implicações significativas para a função cognitiva. A sobrecarga cognitiva necessária para processar sons reduzidos pode levar à fadiga mental e diminuir os recursos disponíveis para outras tarefas cognitivas. Isso pode explicar a associação entre perda auditiva e aumento do risco de demência e outras formas de declínio cognitivo (Livingston et al., 2020).
Importância da intervenção precoce na surdez
A intervenção precoce é crucial para minimizar as alterações cerebrais decorrentes da perda auditiva. É aqui que o bicho pega, porque, em geral, as pessoas levam 7 anos até marcar a primeira consulta com um médico otorrino, e outros tantos para começar a tratar a surdez.
O uso de aparelhos auditivos ou implantes cocleares pode restaurar a estimulação auditiva e promover a reorganização neural benéfica. Estudos mostram que a reabilitação auditiva pode levar a melhorias na plasticidade cerebral e na conectividade neural, especialmente quando iniciada o mais cedo possível (Glick & Sharma, 2020).
A perda auditiva não tratada tem um impacto profundo na estrutura e na função do cérebro humano. As alterações neurais resultantes podem afetar não apenas a audição, mas também a cognição e a qualidade de vida. A reabilitação auditiva é essencial para prevenir ou reverter essas mudanças, destacando a importância de buscar ajuda profissional diante dos primeiros sinais de perda auditiva.
Achou que era só isso? Calma, que tem vem mais! Se esse post não te convencer a TRATAR a sua surdez, não sei o que mais vai. Sério.
Declínio cognitivo
A perda auditiva não tratada está associada a um risco aumentado de declínio cognitivo e demência. A falta de estimulação auditiva pode sobrecarregar o cérebro, que precisa trabalhar mais para compreender sons e palavras, resultando em fadiga mental. Além disso, a perda auditiva pode levar ao isolamento social, um fator de risco conhecido para o declínio cognitivo.
Impacto na saúde mental
A dificuldade em ouvir e compreender os outros pode levar ao isolamento social, sentimentos de frustração, ansiedade e depressão. A comunicação é essencial para manter relacionamentos saudáveis e uma vida social ativa. Sem ela, a sua qualidade de vida vai diminuir significativamente.
E por último…
A boa notícia é que a reabilitação auditiva pode mitigar muitos desses efeitos negativos. O uso de aparelhos auditivos, implantes cocleares e outras próteses implantáveis e cirurgias da audiçao podem restaurar a estimulação auditiva, ajudando a manter as funções cerebrais relacionadas à audição e melhorar a qualidade de vida.
A reabilitação auditiva não só melhora a capacidade de ouvir, mas também protege a saúde do cérebro e o bem-estar emocional. Não ignore os sinais da perda auditiva: seu cérebro e sua vida social, pessoal, profissional, cultural, amorosa, familiar agradecem! 🙂
Referências
Glick, H., & Sharma, A. (2020). Cross-modal plasticity in developmental and age-related hearing loss: Clinical implications. Hearing Research, 398, 107977.
Lin, F. R., Metter, E. J., O’Brien, R. J., Resnick, S. M., Zonderman, A. B., & Ferrucci, L. (2014). Hearing loss and incident dementia. Archives of Neurology, 68(2), 214-220.
Livingston, G., Huntley, J., Sommerlad, A., Ames, D., Ballard, C., Banerjee, S., … & Cohen-Mansfield, J. (2020). Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. The Lancet, 396(10248), 413-446.
Peelle, J. E., Troiani, V., Grossman, M., & Wingfield, A. (2011). Hearing loss in older adults affects neural systems supporting speech comprehension. Journal of Neuroscience, 31(35), 12638-12643.
Sharma, A., Glick, H., Campbell, J., Biever, A., & Central, A. (2016). Central auditory development in children with hearing impairment: Clinical implications. Handbook of Clinical Neurology, 129, 357-367.
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