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Implante Coclear / Crônicas da Surdez

4 meses de implante coclear ativado

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Acabei de perceber que hoje é dia 18 e deixei passar o dia 11/03, quando completei 4 meses de implante coclear ativado. Esse último mês não foi fácil. Dia 25/01 tive consulta em Porto Alegre e comentei com a fonoaudióloga que tinha começado a perceber uma coisa esquisita. No final do dia, bem na hora de dormir, notava que o que eu ouvia vinha junto com um “rrrrrrrr”. Era coisa pouca e rápida mas, mesmo assim, quando a gente usa algo como aparelho auditivo ou IC nota na hora quando há algo de errado, por mais que venha o Papa dizer “você está doido!”. Eis que o tal “rrrrrrr” começou a dar as caras com mais frequência. Foi piorando cada vez mais, a ponto de me enlouquecer.

Comecei a ficar absurdamente irritada, chorava por qualquer motivo, era grossa com as pessoas, precisava de remédio pra dormir e me acalmar. Até que, numa sexta-feira, me desesperei e fui atrás de solução. Quando tive esperança de ter resolvido, voilà: o IC passou a desligar e ligar sozinho a cada 10 minutos além do “rrrrrrrrrr” ser incessante, o tempo inteiro, da manhã à  noite. Novela mexicana define. Último capítulo: nova programação do IC deixou ele bem mais baixo. E uma pessoa desatinada por ouvir sempre mais e o mais rápido possível sente dificuldade com isso. Dos males, o menor, afinal, em dias de desespero absoluto cheguei a imaginar que o problema era na parte interna do implante.

Moral da história: um IC bilateral salva a pessoa de uma situação dessas. Se um pifar, tem o outro para te salvar do silêncio. Na verdade, o problema não é o IC pifar (no meu caso é sim porque moro numa cidade sem suporte algum para implante coclear, qualquer coisa preciso sair correndo para POA ou Rio feito louca às pressas) mas voltar pro silêncio (no meu caso, pro silêncio e pro zumbido). Já comentei aqui que a barra mais difícil de segurar é a psicológica, e por experiência própria continuo afirmando isso categoricamente. Não acho lá muito legal ou útil comentar todos os pormenores de algum problema com IC porque penso que isso pode assustar alguém que está prestes a tomar a decisão mais importante da própria vida.

Mas acho importante deixar registrado que a barra psicológica é intensa. Você volta a ser ‘normal’ de supetão, mas sequer estava preparado emocionalmente para essa ‘normalidade’. A cobrança das pessoas ao redor aumenta muito. Todos acham que você virou um ser humano perfeito que escuta e entende tudo e que nunca mais passará por perrengue algum relacionado à surdez. Nos primeiros meses pós-cirurgia todos são compreensivos e calmos mas, após algum tempo acostumados à sua nova condição, isso desaparece. Lembro de um dia em que fui almoçar com dois amigos. O Ale me olhou e disse: “Nossa, Paula, como a sua voz está diferente! Você está falando baixo, pausado, articulando bem cada palavra“. Aí, olhei para o meu namorado (na real os três foram almoçar e eu fui de intrusa) e disse: “Tu conhece só o meu depois. O meu antes, tu não conhece.” Então, é especialmente esquisito quando alguém passa a te conhecer após essa ‘normalidade’ (as aspas são pelo fato de que IC desligado ou sem bateria é volta à jato para a falta de som) sem ter conhecido a pessoa que você era pré-IC. Muita piração? Pois é, concordo. Não vejo a hora de fazer implante coclear no ouvido esquerdo…

Deixando o chororô de lado, vamos falar de coisa boa. O quarto mês de IC me trouxe uma das maiores surpresas de todas. Daquelas impensáveis. Me convidaram para ir ao cinema assistir Peabody&Sherman. Um desenho animado. Um desenho animado DUBLADO. Não dá pra ler lábios de personagens de desenho animado. Nunca na minha vida entendi uma palavra de qualquer filme/desenho/programa dublado. Pânico. Terror. Taquicardia. Vontade de sair em disparada no melhor estilo Forrest Gump. E agora, José? Pra não bancar a medrosa apavorada 2014, fui. Mas fui pensando que iria ficar mexendo no celular o filme inteiro, já que não entenderia porcaria nenhuma. Comprei um penico de pipoca doce e me toquei a encarar o dragão.

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Eis que começou o filme. Eis que entendi TUDO o que o cachorro disse (a dublagem foi feita pelo ator Alexandre Borges). Minha cara de espanto era essa aí acima. “COMO ASSIM EU ESTOU ENTENDENDO UM MALDITO FILME DUBLADO COM VOZ DE CRIANÇA?”. Da série ‘coisas que só um implante coclear faz por você’. Algumas coisas que o Sherman disse eu não entendi, mas, who cares? Aprendi que conviver com crianças é muito divertido, pois elas têm solução para tudo. Algumas pérolas que ouvi de crianças no último mês:

  • Você consegue ler a boca do vento?
  • Você entende o que as pessoas falam de longe olhando para a boca delas? Você podia ser espiã!
  • Como assim se você tirar o IC você não ouve nada? Que mentira, isso não existe.
  • Já sei como você pode entrar na piscina comigo: vamos pegar um prego e prender o IC na sua cabeça para ele não cair!

Em tempo: já consigo tirar longas sonecas usando meu implante. Se bobear, posso até dormir a noite inteira com ele caso esqueça de tirar. 🙂

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

9 Comments

  • eliane
    22/07/2014 at 21:48

    Gente, ainda fico indignada prá saber por que terei que visitar psicóloga antes da cirurgia, Paula você poderia me explicar? Depois da ativação até entendo mas ir agora?

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    • Crônicas da Surdez
      23/07/2014 at 10:16

      Eliane, oi!
      Porque indignada?
      O exame com a psicóloga é imprescindível para saber se estamos preparados para o IC ou não.
      Quando fiz o meu fiquei ate chocada com as questões que me foram propostas, nas quais nem havia pensado direito.
      o IC é uma cirurgia que impacta e muda a nossa vida, e não pensa que é simples estar preparado para isso – ou achar que está.
      Até hoje, quase 1 ano depois, ainda ‘apanho’ para lidar com o lado psicologico da coisa toda.
      Tenho certeza que vais gostar da consulta, vai de mente aberta.
      Beijo

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  • Titus
    04/04/2014 at 20:54

    Muito corajosa a sua experiência.Siga em frente com a graça de Deus!

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  • inês laborinho
    19/03/2014 at 14:01

    A parte psicológica é mesmo complicada!! Fui implantada no início de agosto, ativada a 19 de setembro, tudo corria sobre rodas…e não é que arranjei um pêlo encravado bem no sítio onde encosta o íman da antena??!! ou, para usar o nome chique, uma folicolite?? com direito a infeção, pus, bolha…e a não poder usar o implante durante um mês? Alguém tem um pêlo encravado na cabeça, senhores? E a aflição de deixar de ouvir outra vez? E o mau humor aí a toda a hora? e os dias a arrastarem-se muito de-va-ga-ri-nho e nunca mais a otorrino me diz que já posso usar a minha bóia de salvação e voltar para o lado do som? Ui! a gente acostuma-se rápido com o que é bom, já o voltar prá bolha insonorizada é um tormento daqueles!! Boa sorte, que você resolva rápido esse problema do implante! estou solidária contigo! 🙂

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  • Marivone Menegat Schuck
    19/03/2014 at 10:26

    Te admiro muito Paula. E toda vez que leio tua esperiência, me dá mais ânimo pra continuar minha vida.
    Bjs
    e força na peruca.

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  • Diéfani Piovezan
    18/03/2014 at 22:12

    Paula, que bom que resolveu um pouco o problema do “rrrrrrrrr” eu acho que num geral, é o cérebro tentando compreender o som, o meu, todo som não compreendido, faz barulho de cachoeira kkkkk. Eu aconselho a não dormir com ele ligado, eu durmo com o meu pq capoto vendo TV e sempre acordo assustada com algum barulho (da TV ou da rua).
    Eu AINDA me surpreendo quando ouço coisas sem legenda e com voz infantil.
    Agora em relação as crianças, é sempre muito gostoso e elas compreendem nossas necessidades melhor do que ninguém. Beijos

    Ps: Faz do lado esquerdo logoooooo

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