como é usar aparelho auditivo

COMO é usar Aparelho Auditivo? Relato de Surda Que Ouve

Por causa de um diagnóstico médico errado, só fui descobrir como é usar aparelho auditivo aos 16 anos, quando comprei o meu primeiro par. Desde então, tive todos os graus de surdez, usei novos aparelhos auditivos e estive no armário da surdez, além de passar a vida inteira (desde os 6 anos de idade) convivendo com o zumbido 24hs, já que o meu é causado pela perda auditiva neurosensorial, que não tem cura.

Como é usar aparelho auditivo: a verdade sobre medos, inseguranças e o retorno ao mundo dos sons

Por Paula Pfeifer, criadora do CLUBE dos Surdos que Ouvem

Talvez você tenha acabado de sair do consultório do médico otorrino com um diagnóstico de surdez, ou talvez esteja encarando aquele par de aparelhos auditivos na gaveta há meses, sem coragem de colocá-los nas orelhas. Eu sei exatamente como você se sente em ambos os casos.

Escondi minha surdez durante anos, como se fosse um segredo sujo. Eu preferia sorrir e mexer a cabeça sem entender nada do que admitir que era surda. Por isso, quero ter uma conversa honesta sobre como realmente é usar aparelho auditivo. Sem termos médicos complicados e sem tapar o sol com a peneira; apenas as impressões de quem vive e já viveu isso na pele nos últimos 40 anos.

O maior bloqueio para usar aparelho auditivo quase nunca é o preço: é a vergonha. A vergonha nos torna resistentes à ideia de admitir nossa deficiência. A própria palavra ‘deficiência’ é algo que causa calafrios e ataque de choro em muitas pessoas que ainda estão imóveis na fase do luto e da negação, como se fosse possível deixar de ser surdo apenas porque não queremos ser.

Nós fomos condicionados a acreditar que perda auditiva é coisa de “velho”, e que usar um aparelho auditivo é um atestado de incapacidade e decadência. Quando eu era mais jovem, a ideia de colocar algo atrás da orelha me aterrorizava. Eu achava que aquilo ia destruir a minha imagem, que ninguém ia querer namorar comigo, que eu seria vista como “menos capaz” na escola e na faculdade e que ninguém saberia lidar com isso. A dura verdade, que levei anos até perceber, é que a única pessoa que não sabia lidar com isso era eu mesma. Ninguém se importa com os seus ouvidos e, pior, ninguém está nem aí se você usa ou não usa um aparelho de audição, ao contrário do que você pensa.

As pessoas se importam se você responde quando elas falam. Elas se importam se você consegue interagir, rir da piada na hora certa, participar da reunião, aceitar o convite. O que “envelhece” e isola uma pessoa não é o plástico atrás da orelha, mas sim a desconexão com o resto do mundo quando a surdez não é tratada. É o olhar vago de quem não está entendendo nada. É o isolamento de quem deixa de ir aos jantares de família porque o barulho tornou a conversa insuportável. É a ansiedade de quem vive em pânico com medo de que ser chamado e não ouvir.

Sabe?

Usar um aparelho auditivo não é como usar óculos. Quando você coloca óculos, o mundo entra em foco quase instantaneamente. Com a audição, é diferente, porque quem ouve é o cérebro e ele precisa de tempo. É um processo de reabilitação, mas a maioria das pessoas não entende isso. O seu cérebro, que passou anos (talvez décadas) privado dos sons que a surdez roubou, de repente é bombardeado com estímulos, e isso pode ser meio enlouquecedor.

Gosto de fazer uma comparação bem didática. Quando você entra na academia após anos de sedentarismo, são meses malhando religiosamente e se alimentando bem até que algum músculo fique aparente. Usar aparelho auditivo é assim também! Ninguém descola uma barriga de tanquinho em um mês, malhando fofo 2x por semana, não é? Pois bem, ninguém se apaixona por usar aparelho auditivo em 7 dias…

Nos primeiros dias, o som pode parecer metálico, a sua própria voz pode soar estranha, o barulho da chave caindo na mesa pode parecer um tiro. O som do vento, o motor da geladeira, o tique-taque do relógio, o ruído do ar condicionado, o trânsito lá fora… tudo isso volta de uma vez, e, por mais poético que possa parecer, a realidade é diferente. Um cérebro acostumado ao silêncio fica tão irritado quanto um músculo acostumado à inércia quando é posto para se exercitar.

É cansativo? Sim. Dá vontade de tirar e pisar em cima? Com frequência.

Mas é aqui que a mágica acontece se você tiver paciência e fizer a sua parte. O seu cérebro precisa reaprender a ouvir e a gostar e dar sentido ao que está ouvindo. Ele precisa classificar o que é ruído de fundo e o que é fala. Isso exige tempo e insistência, além de uso constante das próteses – e por uso constante quero dizer colocar assim que acorda e só tirar para dormir ou tomar banho. O aparelho auditivo não é um ouvido novo; ele é um computador ultra sofisticado que traz o som até você, mas é o seu cérebro que faz o trabalho pesado de decodificar esse som.

Eu chamo o período em que negamos a nossa condição de “armário da surdez”. É uma espécie de “sala VIP” solitária e, porque não dizer, bem patética, já que o armário da surdez é de vidro. Não se engane: todo mundo percebe que você escuta mal. Não há nenhum problema nisso, aliás. O problema está em querer viver esse teatrinho onde você jura que está enganando alguém além de si mesmo.

Quem vive no armário faz isso porque tem vergonha de si mesmo, embora muitas pessoas precisem de 10 anos de terapia até atingir esse insight clássico a quase todos que convivem com a surdez. Viver fingindo que escuta enquanto foge de usar aparelho auditivo causa aquela exaustão mental no fim do dia que nós conhecemos bem, afinal, passar 12 horas fazendo leitura labial e tentando adivinhar palavras pelo contexto é MUITO estressante.

Quando comecei a usar aparelhos, o medo da rejeição social era enorme. Mas a realidade me surpreendeu, porque as pessoas próximas esperavam ansiosamente que eu parasse de fingir e fugir de um problema que tinha solução e parasse de obrigá-las a participar daquele teatro constrangedor. E aqueles que não eram próximos não deram a mínima. Nos meus delírios íntimos, eu jurava que o mundo ia parar por causa desse fato “tão” relevante. A Paula usa aparelho auditivo: ó, que emoção, só que não.

O efeito neuroprotetor do uso de aparelho auditivo, hoje mais do que provado pela ciência moderna, deveria ser argumento suficiente para que toda pessoa com perda auditiva fosse rápida em engajar com a reabilitação. Saúde auditiva é saúde cerebral, guarde bem esse mantra para quando sentir vontade de desistir e se esconder no silêncio quentinho…

O aparelho auditivo me devolveu a capacidade de estar presente. De ouvir a respiração de quem eu amo e controlar a minha própria voz. De ouvir música – não apenas sentir a vibração, mas ouvir a melodia. De ouvir os passarinhos na janela, o barulho da chuva e esquecer que o zumbido era o meu encosto. Voltar a ouvir me deu segurança, coisa que há muito tempo eu não sentia, e essa segurança ocupou o lugar que o medo tinha na minha vida. A autoestima melhorou demais, porque eu estava fazendo o melhor que podia e parando de me infantilizar desnecessariamente.

Mas não vou mentir e dizer que é tudo perfeito. Longe disso! Os dias difíceis são muitos…

  • Há o dia em que a bateria acaba no meio de uma reunião importante e você esqueceu a cartela extra

  • Tem o desafio da umidade, da maresia e do suor na academia (ah, e ele também cai da orelha às vezes durante a malhação, seja na academia ou na malhação em casa rsrsrs)

  • Existe o ambiente caótico (restaurantes com acústica ruim são nossos inimigos) onde, mesmo com a melhor tecnologia do mundo, você vai ter dificuldade para separar as vozes e acompanhar as conversas sem sofrência

Nessas horas, a tecnologia ajuda, mas a nossa postura ajuda muito mais. Praticar autoadvocacia é questão de sobrevivência: aprender a se posicionar, a pedir para repetir sem pedir desculpas (porque não é um crime não ouvir), e a usar acessórios de conectividade (microfones remotos, streaming direto do celular) são pequenos grandes atos que mudam o jogo.

Muitas pessoas me escrevem dizendo: “Paula, eu tenho medo de que, ao usar o aparelho, eu fique dependente dele e minha audição piore”. Isso é um mito. O que acontece é que, quando você volta a ouvir o mundo com clareza, você percebe o quanto estava perdendo. O silêncio deixa de ser o “normal” e passa a ser o que ele é: um buraco gigantesco que ocupa muito espaço no seu cérebro e na sua vida.

Talvez a maior insegurança seja a sensação de ser o único na face da Terra que precisa usar um aparelho de audição. De olhar ao redor e não ver ninguém com eles nas orelhas. Olha só: mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo têm algum grau de surdez. Você definitivamente não é o único. Somos uma legião de surdos que ouvem, pessoas que usam a tecnologia para voltar a ouvir tudo o que for possível. Pessoas que trabalham, lideram empresas, viajam, namoram e vivem plenamente enquanto navegam pelos desafios diários impostos pela deficiência auditiva. Problemas? Todos temos, e a surdez é só um deles, vai por mim.

A decisão de usar aparelho auditivo é um ato de coragem e de amor-próprio, dizendo “sim” para a vida, recusando o papel de vítima e assumindo o controle da sua jornada da surdez. Se você está com medo, vá com medo mesmo. Se você está inseguro, busque informação (e não a opinião do vizinho que usou um aparelho ruim nos anos 90). Se você acha que vai ser difícil, saiba que será, mas o silêncio é muito pior.

O mundo está cheio de sons incríveis esperando por você. O riso de uma criança, o barulho da chuva, a sua música favorita, a voz de quem você ama dizendo “bom dia”. Não deixe a vergonha ou o medo te roubarem isso. E, se precisar de ajuda, junte-se aos grupos de apoio do nosso CLUBE dos Surdos Que Ouvem.

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