Como vocês já devem estar carecas de saber, eu sou casada com um otorrinolaringologista especializado em implante coclear e, em função disso, tenho a oportunidade de acompanhá-lo em todos os congressos que ele participa pelo mundo – e não são poucos!! Na semana passada estivemos em Washington para a CI Alliance 2015. Trata-se da American Cochlear Implant Alliance, uma organização sem fins lucrativos criada por médicos americanos que promove o fim de qualquer barreira ao implante coclear patrocinando pesquisas e disseminando conhecimentos.
No primeiro dia não consegui entrar, então saí para passear pela cidade. Primeira parada foi a Gallaudet University (já ouviram falar dela??). Chamei um UBER e tomei cuidado pra pedir a opção mais barata, que é o UberX (com dólar nas alturas, só assim). Eis que chega um Porsche Cayenne em frente ao meu hotel e eu só conseguia pensar onde tinha apertado de errado pra aparecer um carrão desses. Fiz o sinal da cruz e entrei pensando no susto que ia levar quando a corrida acabasse e chegasse o valor no meu cartão. Ai, ai.
O taxista era muito simpático e começou a conversar comigo. A janela estava meio aberta e o barulhão de vento estava me incomodando, porque batia direto no implante. Aí levantei o vidro, expliquei o motivo e ele engatou o maior papo. Falando assim parece a coisa mais normal do mundo, mas há 2 anos atrás, eu não poderia de jeito nenhum me imaginar batendo papo com um taxista e muito menos em inglês. Em viagens internacionais consigo ter ainda mais noção e clareza de tudo o que o implante coclear mudou na minha vida, e sigo me surpreendendo. Ao chegarmos em Gallaudet, encontrei o campus vazio e nós não achamos o Visitor Center. Como estava super frio, decidi mudar o rumo e pedi que ele me deixasse no Museu do Holocausto.
Primeira impressão: super acessível para nós, todas as instalações que envolvem áudio possuem a opção de T Coil. Na instalação Voices from Auschwitz, você escuta testemunhos de sobreviventes. Mas o que gostei mesmo foi de uma TV que você pegava um telefone e ficava ouvindo em alto e bom som enquanto era transcrito na tela tudo o que estava sendo dito. Acho que nunca me senti tão à vontade num museu, auditivamente falando. Só entende a magnitude e a beleza da acessibilidade aqueles que precisam dela.
Voltando pro hotel, me deparo com um protesto de surdos sinalizados contra a CI Alliance. As frases dos cartazes diziam “Nascer surdo é uma bênção“, “Prefiro ser surdo do que ter audição artificial“,”Parem de lucar com pais vulneráveis e crianças surdas“,”Ouvidos não são importantes“,”Forçar bebês surdos a aprender a falar é uma prática imoral“, “Não neguem a língua de sinais aos bebês surdos“,”Parem com a máquina propagandista da indústria do implante coclear que explora bebês surdos e pais vulneráveis“,”Audição=errado, Surdez=certo“, “Anti-ouvintistmo“, “Parem com o genocídio surdo“.
A ignorância ligou e pediu os cartazes de volta! Aliás, a título informativo, uma palestra do congresso mostrou que países desenvolvidos estão fazendo estudos para comparar o impacto financeiro de se implantar um bebê com surdez profunda ou não. Os que já terminaram tiveram o seguinte resultado: porcentagem altíssima de indivíduos plenamente reabilitados, com capacidade produtiva total e não dependentes de nenhuma ajuda do Estado ao longo da vida. Espero que esse estudo seja feito no Brasil logo!!!
No stand da Cochlear, fiquei um tempão batendo papo com uma moça chamada Chanel. Essas viagens me fazem curar e esquecer meus recalques da adolescência, quando comecei a aprender e a me apaixonar pela língua inglesa. Em função da deficiência auditiva, sempre precisei me limitar à parte escrita, pois a falada eu não conseguia ouvir direito a pronúncia das palavras e nem entender o que as pessoas me diziam, então… Aos 34 anos, me sinto como se tivesse 15 ao conseguir conversar com um americano, entender praticamente tudo e ainda me fazer entender. É uma sensação de empoderamento muito intensa que o implante coclear me traz. E tenho que agradecer os empurrões do Luciano, pois quando peço que ele pergunte algo a alguém ou peça uma informação por mim a resposta é: “Eu não, vai tu, tu consegue!” Aí pareço criança, porque espero ele sair de perto e vou lá testar os meus limites. Depois ele tem que me aturar mandando mensagens dizendo que consegui e fiquei me sentindo a última bolacha recheada do pacote. 🙂
Consegui assistir algumas apresentações numa tarde e fiquei enlouquecida com a acessibilidade no congresso: telão gigantesco com closed caption sendo feito ao vivo num inglês perfeito. Havia muitos profissionais com deficiência auditiva por lá, não apenas médicos, mas também audiologistas (a versão americana para os nossos fonoaudiólogos).
No jantar de encerramento do congresso, com o Dr. Arthur Castilho, Dr. Luciano Moreira, Patrícia Mastrorocco, fono Bila Kós, fono Franzé Osterne, Dr. Thiago e Francis Abad. A Bila e o Franzé estavam na outra ponta da mesa, pediram meu Mini Mic e assim conversamos a noite inteira; foi muito engraçado porque o Lu é apegado ao Mini Mic, e quando empresto para alguém ele fica com ciúmes por não poder monopolizar os meus ouvidos, rsrsrs!!
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5 Comments
renata
22/10/2015 at 13:17Obrigada pelo esclarecimento Paula..bjs
renata
21/10/2015 at 12:18Oi Paula..Adorei…Mas tenho uma eprgunta…Numa mesa desse tamanho, se a pessoa está na outra ponta..vc precisa do mini mic pra ouvi-la? Qdo vc sai com seu amrido…um restaurante..o mini mic é essencial??? abs
Crônicas da Surdez
21/10/2015 at 14:35Renata, o Mini Mic me ajuda a ter conversas mais confortaveis e nao ficar sofrendo com o barulho ao meu redor e trocentas pessoas falando ao mesmo tempo. Se a pessoa estiver na outra ponta da mesa eu consigo conversar sem ele, mas com ele é muito melhor.
soramires
20/10/2015 at 10:04excelente…amo todas as notícias que você traz…
Rosana
20/10/2015 at 10:04Pra mim, o que mais mostra que esses cartazes são uma bobagem é que tenho uma prima surda sinalizada, com a qual nunca consegui conversar.
Quando fui trabalhar numa área de administração pública, entrou uma menina surda oralizada. Foi um espanto para mim poder conversar com ela normalmente. Em 10 minutos, já tinha conversado com ela mais que em 27 anos com minha prima.