Quem não se comunica, se trumbica, como dizia o falecido Chacrinha. Mas quem é surdo tem um certo pânico de conhecer pessoas novas – e ouvintes. Acho até que a psiquiatria poderia nomear uma nova fobia, no nosso caso.
Bom, eu pelo menos não tenho vergonha de dizer que pessoas novas me assustam, em determinadas situações. Afinal, uma coisa é você saber que vai a um lugar bem iluminado, sem muito ruído externo, com gente que movimenta bem os lábios e tem uma fala clara e que, além de tudo, sabe que você tem deficiência auditiva. Outra coisa é se deparar com o desconhecido.
Por exemplo: quando viajamos, se não enfrentamos esse medo, a viagem não terá a graça que teria se o enfrentássemos. Isso porque comunicar-se com pessoas novas e ouvintes em outra língua é quase um novo mundo. Ler lábios em inglês, francês, espanhol, etc., e ao mesmo tempo fazer com o que o cérebro processe rapidamente o que foi ouvido é um desafio enorme.
Sinceramente, acho que o nosso maior medo é das próprias pessoas, não da barreira linguística. Medo das pessoas ouvintes. Será que elas terão paciência? Ou será que se entediarão conosco em 10 minutos? Será que se irritarão por ter de repetir a mesma coisa várias vezes? Será que farão um esforço para nos entender se for preciso? Enfim, será que vão rir se falarmos algo errado?
Ser surdo e conhecer pessoas novas… num país estrangeiro
A grande verdade é que precisamos dar uma chance às pessoas novas e ouvintes que aparecem no nosso caminho. Eu me surpreendi tremendamente nas férias. Conheci pessoas que não deram a mínima para a minha deficiência auditiva: elas simplesmente queriam se comunicar comigo, não interessava como. Tentávamos em português, espanhol, portuñol, inglês e, se fosse preciso, até com gestos. Isso rendeu boas gargalhadas, conversas inesquecíveis e novas e eternas amizades.
Uma noite, fui a uma festa com gente do mundo inteiro. Achei o máximo que ninguém fez menção ao fato de que eu não ouvia bem. Todos tentaram (e conseguiram, graças a Deus!) conversar por um tempão comigo. Não digo que foi fácil, mas posso afirmar que foi uma delícia. Foi uma experiência diferente. Todos se focaram apenas no fato de que eu falava outra língua, bem diferente daqui, onde as pessoas se focam no fato de que eu não escuto.
Assim, se me permitem um conselho: permitam-se. Quebrem as suas próprias barreiras. Enfrentem os seus piores medos. A surdez pode ser muito mais instigante do que imaginamos. E conseguir superar os desafios que ela nos impõe é uma das melhores sensações da vida.
6 Comments
Juliana Malafaia
31/08/2016 at 19:39“Se me permitem um conselho: permitam-se. Quebrem as suas próprias barreiras. Enfrentem os seus piores medos. A surdez pode ser muito mais instigante do que imaginamos. E conseguir superar os desafios que ela nos impõe é uma das melhores sensações da vida.”
Simplesmente amei esse trecho, e é bem isso mesmo!
Gui Chazan
26/02/2011 at 12:19Oi Paula!
Imagino que tua viagem tenha sido muito boa então! Fico feliz por ti!
Concordo plenamente contigo e com a Denise de Salles, tô nessa situação de desafio também. Falar em inglês aqui em Israel não tá tão fácil assim, hehe, imagina quando começarem as aulas de hebraico. Permitam-se!
Crônicas da Surdez
01/03/2011 at 11:18Queremos noticias tuas de israel hein!
Denise de Salles
22/02/2011 at 10:14Parabéns por encarar o desafio e pelo resultado.
Sou esposa de um deficiente auditivo (o autor do texto anterior “Surdez aos 57 anos”). Na minha opinião a primeira coisa nessas situações já é expor de cara a sua situação e dizer clara e francamente como a pessoa pode se portar de forma a ajudar a sua compreensão.
No caso do meu marido que usa dois tipos diferentes de aparelho é pedir, apenas que a pessoa fale pausadamente (o que não quer dizer que neeeeccceeeessssiiiiittteee soletrar).
Se identificar não para que seja a atenção da reunião, até porque você mesma constatou que a deficiência não é tratada pelo outro como um problema, mas para que facilite o contato. Vocês são normais, apenas com necessidades diferentes. Todos temos as nossas.
As pessoas são desejosas de se fazer entender. Elas tem boa vontade.
Agora, como fazer isso se, ao contrário do cadeirante, do deficiente visual, etc, a deficiência auditiva não se visualiza? Por esse motivo, muitas vezes as pessoas se atropelam falando.
Se em um almoço tivesse um cadeirante que precisasse passar pelo local no qual você está, você não cederia um espaço maior do que para uma pessoa que não usa cadeira de rodas? Não ajudaria essa pessoa em uma rampa? Isso te traria algum transtorno? Tenho certeza que a resposta para essas indagações é NÃO. Então, é a mesma coisa com o deficiente auditivo.
Desculpe o “pitaco”, mas eu acredito que o bom resultado para qualquer situação de contato com terceiros é já iniciar com você expondo a sua condição. Agindo assim, você sempre vai se surpreender, como aconteceu na experiência acima relatada.
Não tenha medo nunca de ser um “saco” para as pessoas, eu imagino que esse é o medo maior.
O importante é nunca ter medo das situações porque elas não são nenhum bicho papão. Não se deve optar por ficar em casa só porque imagina que o lugar vai ser ruidoso demais, vai ter pessoas demais, etc. Enfrentar essas situações (que se imagina adversas) vai fazer com que você acredite que tudo é possível, que você pode sim participar de qualquer evento, enfim, que você pode viver e conviver normalmente, porque você é normal, apenas vem com um (ou dois) aparelhinhos a mais.
Abraços e parabéns. Adoro receber as crônicas.
Crônicas da Surdez
01/03/2011 at 11:20Denise,
saiba que eu prezo muito a participação de vocês aqui no Crônicas!
abraço enorme,
Fono_Itapema (Angelica Fischer)
21/02/2011 at 12:38Que lindo! Vc conquistou e mereceu! @sweetestpblog
Surpreenda-se!! http://tinyurl.com/5wqsulm