Tenho síndrome de Treacher Collins. Nasci numa pequena cidade do interior de Santa Catarina, minha mãe conta que desmaiou no meu parto e eu fui tirada á fórceps – motivo pelo qual tenho pequenas deformações no crânio e na face. Bem, pelo menos foi nisso que acreditei durante 30 anos da minha vida. Passei minha infância e juventude no interior do Mato Grosso, de uma forma tranquila e natural.
Aos 26 anos me casei e fui morar no Paraná e aos 29, já morando no Mato Grosso do Sul (onde vivo até hoje) tive minha primeira filha: a Gabrielli, a minha tão esperada princesa. Quando ela nasceu e até hoje, muitos ficam impressionados com a nossa semelhança, principalmente na região dos olhos. “Olha, até o buraquinho do lado do olho ela tem igual ao seu“. Isso foi o que mais ouvi e ainda ouço.
Quando a Gabrielli estava com 9 meses de idade engravido novamente. Confesso não ter sido fácil, me desesperei várias vezes pensando em como seria cuidar de dois bebês, sem mãe, sem sogra, sem parente algum por perto. Fiz o pré-natal normalmente, assim como o da primeira gestação. Em todas as ultrassonografias realizadas nenhuma alteração, tudo perfeito. Em setembro de 2012 nasce a Emanuelli, minha segunda princesa, e junto dela uma nova história em nossas vidas.
Ao nascer, ali mesmo, na sala de cirurgia, em meio a corte, sangue e anestesia, o pediatra apenas me mostra a minha pequena, não a toquei e nem a acariciei, apenas ouvi ele me dizendo que ela havia nascido com as orelhinhas mal formadas. Me mostrou disse que precisava levar a bebê para examiná-la melhor. Terminaram os procedimentos e fiquei por algum tempo na sala de pós- cesárea. Ali observava outras mães descansando, dormindo, enquanto eu, ah, eu queria era mais sair dali e ver onde estava minha filha e o que estava acontecendo com ela.
Em seguida me levaram pro quarto e então pude amamentar minha filha. O pediatra disse que tudo parecia estar normal com ela, que iria solicitar alguns exames (eletrocardiograma, ultrassom do abdômen total, entre outros) e também nos encaminhar para um otorrinolaringologista. Os primeiros meses de vida da Emanuelli foram de muitas idas e vindas de consultórios, hospitais, clínicas e laboratórios. Bom, nenhuma outra alteração foi diagnosticada e então nosso foco era realmente só na audição.
Até os 6 meses de idade fomos acompanhados por um otorrino do Mato Grosso do Sul. Após um BERA, uma tomografia e uma ressonância, foi diagnosticado que o ouvido médio e o ouvido interno estavam preservados. Lembro até hoje de que o otorrino nos disse que com 6 meses nos encaminharia para Bauru, no Centrinho, e lá eles fariam uma cirurgia. E eu? Ah eu tinha certeza que com essa cirurgia minha filha ouviria. Doce ilusão, ao entrar em contato com o Centrinho, a atendente me fala em aguardar vaga, me questiona sobre cirurgia ou aparelho auditivo. Enfim, depois de inúmeras ligações e choros ao telefone consegui agendar nossa primeira ida, de muitas, ao Centrinho.
Com 7 meses e meio a Emanuelli inicia o uso de um arco vibratório (enorme, precisei adaptá-lo com espuma e muita criatividade á sua cabecinha), duas sessões de fonoterapia por semana, escola, tudo orientado pelos profissionais do Centrinho.
Crônicas da Surdez
É aqui que conheço o Crônicas da Surdez e a ícone da surdez, Paula Pfeifer, um acalento ao meu coração de mãe que se deparou com o desconhecido e só precisava acreditar que um surdo pode ser feliz, pode ter sucesso profissional e uma vida plena.
Passaram-se uns 6 meses quando voltamos á Bauru para o retorno da Emanuelli. Dessa vez levei a Gabrielli junto conosco e lembro que entrei na sala da otorrino com a Emanuelli no colo, de mãos dadas com a Gabrielli e ouvi: “Olha, uma família de Treacher Collins! Que lindas!”. Hãn? Quê? Treacher Collins? Olhei assustada para meu esposo. Aí ela nos deu uma breve explicação que era uma síndrome. Examinou a Emanuelli e nos retiramos da sala.
Bom, eu pasma, sem entender nada, chego na sala da Fonoaudióloga que iria nos atender e confusa pergunto mais explicações sobre essa tal Treacher Collins. A explicação foi breve e foi solicitado que no próximo retorno passaríamos por um geneticista. Li muito sobre o assunto, vi muitas imagens na internet e compreendi do que se tratava a tal síndrome e percebi que Deus foi muito generoso comigo e com minhas filhas se compararmos as nossas anomalias com as de outros portadores.
Enfim, o foco retorna para a audição. Bom, pelo menos o nosso, porque houve sim especuladores que foram na minha casa fazer uma visita ao recém- nascido que senti que na verdade, pouco estavam se importando em como estávamos, mas sim tinham ido lá para ver as orelhas de minha filha. Outros tantos olhares já percebi durante esses 5 anos, mas sei que o ser humano é assim mesmo diante do diferente e diante do desconhecido.
A Emanuelli foi se desenvolvendo normalmente e para nosso orgulho começou a falar antes dos 2 anos. Sempre fomos muito elogiados pelo desenvolvimento dela. Antes dela completar 3 anos mudamos de cidade e aí veio o medo de como ela iria ser recebida pelos coleguinhas e pelos professores.
Mas graças a Deus tudo ocorreu tranquilamente. Hoje a Emanuelli tem 5 anos, ainda é paciente do Centrinho, ainda faz fonoterapia, é candidata ao implante auditivo ancorado ao osso, é totalmente oralizada, possui um vocabulário imenso, tem uma voz linda, é independente, bem resolvida e feliz.
Me orgulho das filhas que temos e de quem me tornei desses 5 anos pra cá. Consigo agradecer a Deus pela oportunidade de ter confiado a mim e ao meu esposo a vida da Emanuelli e da Gabrielli, para que as cuidamos e as educamos da melhor maneira possível. Ainda é muito cedo, apenas 5 anos, e talvez teremos muitas adversidades pela frente, mas com muita fé, sabedoria e discernimento saberemos como lidar com cada situação.
É preciso rever a cultura de como vemos o diferente. Aliás, diferente no que? Somos todos diferentes, ou não? Às mamães, papais e familiares de crianças com qualquer necessidade especial, eu quero apenas terminar dizendo: o primeiro passo é sair do luto e ir á luta.
Gosto da frase (fonte): “Não basta estimular, é preciso amar. Não basta amar, é preciso acreditar. Não basta acreditar, é preciso realmente aceitar e, só então, os progressos virão no tempo possível”.
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1 Comment
clarice
07/12/2017 at 20:54Fiquei emocionada de ler essa reportagem, sabendo como é viver um Coclear, me tocou muito.
obrigada por essa reportejem , me conforma.
Atenciosamenteclarice