Meu nome é Juliana Teixeira Moreira, e já contei minha história no Crônicas da Surdez neste post – nessa época eu usava aparelhos auditivos e hoje sou usuária de implante coclear da Advanced Bionics. Tenho 31 anos, e aos três anos de idade fiquei surda em decorrência de meningite, que me trouxe sequelas: de um lado, surdez severa a profunda, e do outro, perda profunda. Tão logo fiquei surda, passei a usar aparelhos auditivos em ambos os ouvidos e já era oralizada, falava até demais. Cresci em um mundo de ouvintes: não há surdos na minha família e estudei em escola normal. Sou graduada em ciência da computação e pós-graduada em engenharia de software. Trabalho na área de tecnologia da informação cercada por ouvintes. Não ouvir nunca foi opção.
Há uns quatro, cinco anos, um médico otorrino e uma fonoaudióloga me questionaram o porquê de eu usar aparelho auditivo no lado direito pois não havia nenhum ganho significativo, apenas no ouvido esquerdo. Lembro de responder algo como “os barulhinhos deste lado me orientam e o mundo não fica tão silencioso”. Então eles me falaram sobre o implante coclear. Jurei de pés juntos que não era para mim, e que estava feliz e contente com meus AASI’s.
Comecei então a pesquisar a fundo sobre o implante coclear. Vi relatos de pessoas que tiveram sucesso com a cirurgia. Também soube de casos que este procedimento não correspondeu às expectativas. Meses depois, bem mais informada, retornei ao médico para uma consulta de rotina e levei vários questionamentos sobre o IC. Apesar de ele não realizar este tipo de cirurgia, me ajudou bastante com as dúvidas. Saí da consulta decidida que queria operar, pois percebi, pela primeira vez, que eu não estaria perdendo nada. Afinal, se o ouvido não está bom, o que custa buscar outras opções que possam melhorar o que está muito ruim?
Quanto mais me informava sobre o ouvido biônico, mas entusiasmada eu ficava. E mais ansiosa também. Eu queria operar, tipo, no dia seguinte. Algumas questões pessoais me fizeram adiar um pouco, mas decidi que operaria primeiro o pior ouvido. No outro continuaria com o aasi. Daí veio a ansiedade até o dia da cirurgia, em fevereiro deste ano, e ocorreu tudo muito bem. A recuperação foi bem mais fácil do que eu imaginava. Muita gente boa me deu apoio, tanto da família quanto amigos. A equipe médica foi sensacional.
Depois precisei contar os dias para a ativação, prevista para um mês depois da cirurgia. Optei pelo Naída CI Q70, da Advanced Bionics, e não via a hora de começar a usar o brinquedo novo. Recebi o kit no hospital, no dia da cirurgia. A ansiedade era tanta que abri a caixa assim que cheguei em casa (não façam isso, acaba com a garantia).
A ativação foi incrível e emocionante. Saí da clínica ouvindo vários barulhos, sem saber o que era, mas o fato de saber que o ouvido ruim estava recebendo sons foi uma surpresa muito agradável. Só por isso aí tudo já estava valendo a pena. Sabia que teria que ter paciência até o cérebro começar a decodificar, a entender a fala. Em pouco tempo já estava utilizando o Compilot para ouvir músicas e entender as vídeo-aulas. Já arriscava também algumas ligações telefônica. Cada dia evoluía um pouquinho.
Percebi que meus dias estavam mais produtivos.Apesar de trabalhar no mesmo ritmo frenético de antes, eu não chegava mais tão cansada em casa: dependia cada vez menos da leitura labial. As conversas em grupo também melhoraram muito com o implante coclear. Percebi também que o implante coclear me ajudou muito a perceber os sons do ambiente: certa vez estava sala estava ouvindo música com o fone de ouvido por cima do T-Mic e então ouvi a panela de pressão chiar na cozinha.
A cereja do bolo da vida pós-implante, para mim, tem sido o Aquacase. Adquiri no auge do inverno, mas estava louca para usá-lo. Fui à praia em um dia frio, sozinha, ventando, só para estreá-lo. Eu já havia ouvido o som do mar com o aasi, mas entrar na água ouvindo é outra história. Havia tantas coisas que eu queria fazer…Em agosto usei o Aquacase pela primeira vez com a família. Foi um churrasco do dia dos Pais, e curti o dia inteiro na piscina. Não precisava olhar para ninguém, podia ouvir todos e também as músicas. Passei o dia inteiro totalmente despreocupada.Tomei coragem e fiz aulas de Stand Up Paddle. Não fiz antes porque não conseguia imaginar como que eu me equilibraria numa prancha e viraria o pescoço para ler os lábios. Sabe a segurança que você sente, de poder olhar para onde quiser E ouvir as orientações do instrutor? E sem preocupação alguma por saber que o IC não vai cair? Então, eu estava me sentindo livre e segura em cada remada com o Aquacase. Na primeira aula o instrutor estava em uma outra prancha atrás de mim. Ele ficava por perto e dava as orientações como: “vá para à esquerda, à direita tem correnteza”, “saia do canto que aí tem pedra, você vai cair”, “abaixe que vem um jet ski”, “cuidado com a onda!”, “volta, volta, volta!”. Se não estivesse ouvindo, seria um desastre.
A segunda aula foi bem mais fácil. Já sabia me equilibrar na prancha, a postura já estava correta. O instrutor nem entrou na água. De lá do fundo, eu ouvia as coordenadas do instrutor, como: “reme com velocidade para lá, na altura do prédio marrom, depois volte e vá até a Pedra do Índio”. Quando ouvi isso, essa frase enorme, cheia de detalhes, fiquei alguns segundos paralisada que nem uma boba processando a informação. Dessa vez a ficha caiu. Eu havia entendido tudo. E não havia lido os lábios dele, nem tinha como, precisaria de binóculos pois eu estava muito longe.
Nunca medi esforços em busca de uma audição melhor. Como escrevi anteriormente, não ouvir nunca foi opção. Por mais que nós, surdos, peçamos à sociedade que seja mais acessível, entendo que também temos que buscar meios para que sejamos integrados a ela. Hoje vejo que o Implante Coclear é indispensável para mim, para que eu fique cada vez mais próxima dos ouvintes. Para que não precise pedir que repitam a fala em uma ligação telefônica. Para que eu não perca nenhum detalhe de uma reunião, seja presencial ou à distância, nem em um treinamento. Ou então que possa curtir a família e os amigos, até mesmo embaixo da água usando o Aquacase.
A vida pós-implante mudou para melhor: há oito meses ouço sons que não ouvia antes, dependo bem menos da leitura labial e entendo programas dublados. Portanto, foi uma das escolhas mais certeiras que fiz em toda a minha vida.
4 Comments
Naída Link: a solução para usuários bimodais de IC + AASI
09/05/2017 at 11:47[…] é Juliana Teixeira Moreira e já contei minha história para o Crônicas da Surdez duas vezes: aqui e aqui. Desta vez, vim falar sobre minhas impressões a respeito do Naída […]
dival
01/01/2017 at 16:01Justamente o que queria , ouvir enquanto praticasse esportes, pois faco ginastica, caminhadas severas, quase corrida e pratico windsurf, e certamente um implante comum só me daria despesas absurdas , como sempre deram aparelhos comuns , devido a extrema sudorese do qual sofro. E ja sabendo dessa manutenção caríssima dos I.C acabei desistindo da fila no fundao , pois la me disseram que não poderia escolher pelo que se adaptasse ao meu estilo de vida, no caso queria usar o NEPTUNO, 100% À PROVA DAGUA, que sequer existia para IC pelo SUS. O que me deixou arrasado , pois resolví fazer I.C quando ví que poderia continuar com a qualidade de vida que optei desde jovem, ou seja, muitos esportes.
Portanto queria saber , se já existe essa opçao do NEPTUNO pelo SUS??
Grato pela ajuda.
Alessandro
08/12/2016 at 21:32Olá Gostei muito da matéria.
Gostei muito do trabalho Junto a Juliana e agora com seu plus.
Obrigado,
Alessandro
Alessandra C. M. J. Z. C. Drumond
05/12/2016 at 06:46Adorei sua história, Ju! As fotos ficaram lindas, parabéns! Você provou que dá para ouvir praticando esportes! Bjs