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Relatos de Pessoas com Deficiência Auditiva

Modelo internacional surda: a história de Jullie Marie

Meu nome é Jullie Marie. Sou modelo internacional e protetora de animais. Sou de Campina Grande, na Paraíba.

Tudo começou quando eu tinha 4 anos de idade. Minha mãe desconfiava que havia algo de errado com a minha voz. Eu falava abafado, mas falava cada palavra, graças à leitura labial que fiz desde que desenvolvi a fala.

A partir da observação dos lábios, aprendi também a ler. Só que minha mãe ainda desconfiava de algo estava errado. Embora eu tenha me desenvolvido muito bem no colégio, pelo que me lembro ligeiramente, eu tentava me entrosar com outras crianças, mas não conseguia.

Foi então que minha mãe procurou os médicos. Praticamente todos deram um diagnóstico errado: autismo, retardo mental…

Minha mãe nunca acreditou nesses diagnósticos. “Não é possível que minha filha tenha isso, ela é uma criança muito inteligente.”

Certo dia meu tio visitou nossa casa. Ele me chamava, mas eu não reagia. Assim, meu tio perguntou: “A Jullie tem problemas auditivos?”.

Foi aí que finalmente começamos a buscar um médico especialista!

O exame da audiometria acusou perda bilateral severa moderada profunda a severa moderada. Sabe quem ficou em choque com a situação? O fonoaudiólogo! “Como é possível que sua filha fale assim tão bem? Mesmo sem escutar, embora tenha a voz abafada e estranha, ela está se desenvolvendo bem!”

Nunca descobriram se eu tinha a perda auditiva congênita ou adquirida, nunca descobriram a principal causa da perda.

Começamos todos os processos dos aparelhos auditivos. Eu ia ao fonoaudiólogo semanalmente, e continuei na escola regular.

Quando adquiri os aparelhos auditivos, quando eu tinha 5 anos, aceitei-os desde o começo. Não tenho uma lembrança exata do momento em que comecei a usar os aparelhos, mas uma memória muito intensa, forte e inesquecível para mim foi de quando eu comecei a escutar os primeiros sons da natureza.

Meus irmãos, minha mãe, e eu estávamos no quarto olhando o entardecer pela janela. Começou a chover, e me lembro exatamente da melodia da chuva penetrando em meus ouvidos. Foi uma das coisas mais puras e prazerosas que pude escutar.

Certo dia, fui tomar banho de piscina com os meus primos na casa da minha tia. Só que eu não tinha levado a caixinha de aparelho para guardá-los.

Deixei meus aparelhos no parapeito de uma janela alta, do lado de fora. Na casa havia dois cachorros grandes, mas mansinhos; achei que eles estavam presos, só que estavam só dormindo perto da casinha deles.

Curti a piscina, e, quando voltei meus aparelhos não estavam mais lá. Congelei nesse momento. Fiquei desesperada quando eu vi que meus aparelhos estavam perto dos cachorros, com os moldes destruídos e amassados. Eles não funcionavam mais.

Os aparelhos foram para o conserto, mas só um voltou a funcionar.  Minha mãe não tinha condições financeiras de comprar novos aparelhos.

Nessa fase, a comunicação ficou bem complicada. Me encolhi totalmente e me tornei uma criança extremamente tímida com vergonha de perguntar e pedir para repetir. Fui reprovada duas vezes na quinta série.

Na época, depois de sete anos no Rio, nos mudamos para Campina Grande. Minha mãe tentou me matricular numa escola normal perto da nossa casa. Ela, como sempre, foi avisar a diretora que eu tinha deficiência auditiva, mas era oralizada. Caso eu necessitasse de atenção extra, os professores já saberiam. Porém, minha mãe saiu de lá extremamente decepcionada com a diretora, que disse: “Nós não estamos preparados para receber a sua filha deficiência auditiva.”

Acabei sendo matriculada em outra escola – uma das piores da cidade. Perdi mais um ano. Acabei tendo de estudar numa escola especial. O ensino não era tão puxado quanto nas outras escolas, eu sempre tirava 10 em tudo, e isso atrapalhou um pouco da minha aprendizagem.

Em 2008, recebemos um convite de casamento do meu primo que estava para se casar em novembro no Rio de Janeiro. Para não perder o ano, eu me matriculei numa escola normal no Rio para terminar o último bimestre. Eu ainda usava só um aparelho, me tornei uma pessoa introvertida e tímida; não conversava em grupo, não fazia muitas apresentações na sala de aula. Alguns professores desistiam de mim.

Depois de tudo isso, o único aparelho que eu tinha quebrou. Ao perceber a necessidade, mesmo sem condições financeiras, meus familiares decidiram se unir para comprar meus aparelhos.

Ao colocar os aparelhos, precisei segurar o choro. Eu era extremamente tímida para me expressar, mas depois que passei a usar os dois, minhas duas coroas estavam começaram a reinar nos meus ouvidos. Tive de volta tudo que perdi por uns anos. Foi um momento sublime e tenho gratidão imensa aos meus familiares pela união com o propósito de me ajudar e de me proporcionar o essencial para mim, que é escutar.

No Rio, estava acontecendo um concurso de modelos. Minha família estava dando muito apoio, mas eu não estava ligando muito. Eu tinha 16 anos, e já me achava velha e fora dos padrões. Só que, mesmo competindo com cinco mil meninas, acabei ficando entre as seis semifinalistas que iam representar o Rio de Janeiro. Nunca cheguei a ser finalista do concurso. Depois, tentei trabalhar em agências do Rio, mas não senti muita firmeza e desisti de modelar. Minha mãe voltou para a Paraíba e eu fiquei no Rio pra estudar e trabalhando como auxiliar de cabeleireira com minha prima.

Depois de um ano e meio longe de casa, voltei para a Paraíba. Lá fiz um curso de modelo de nove meses, que foi essencial para que minha carreira internacional decolasse. Foi quando uma scouter internacional me deu força, mesmo sabendo da minha deficiência, que decidi também aprender inglês sozinha. Eu já sabia escrever, mas falar era um problema.

Em setembro de 2012, fui trabalhar na China.

Nos primeiros meses, eu não mencionava a surdez com ninguém. Uma vez, no trabalho, em Shanghai, a maquiadora me perguntou, apontando meus aparelhos: “Can I use it too?” [“Posso usar também?”] Respondi: “No, this is for deaf people who need it.” [“Não, é para pessoas surdas, que precisam.”] E ela: “But it’s so cool.” [“Mas é tão legal.”]

Voltei para o Brasil, e desisti de modelar. Um ano depois, fui para outra cidade na China, e fiquei nove meses viajando.

Conheci uma fotógrafa na Tailândia este ano. A situação entre nós foi engraçada, enquanto eu me maquiava, ela estava falando, e eu depois me virei pra ela e disse: “Sorry, i am not hearing you, because I’m deaf.” [“Desculpe, não estou te ouvindo, porque sou surda.”]

E ela riu e falou: “Oh, really? I am deaf too.” [“Mesmo? Eu sou surda também.”] Então rimos juntas. Na época, ela não usava aparelho. Nos reencontramos em Dubai depois de 7 meses, e lá estava ela com o aparelho auditivo. Ficamos amigas.

Sou eternamente grata à minha mãe, aos meus irmãos, e a meus familiares, que sempre me trataram de igual pra igual.

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Paula Pfeifer entrevista Brenda Costa

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About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

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