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Eu sou uma surda que ouve. Tudo começou quando eu tinha 6 anos e disse para a minha mãe que estava com um “apito” (zumbido no ouvido). Fui levada a um médico otorrino que NÃO era especialista em surdez e, infelizmente, recebi um diagnóstico incorreto. Passei a infância sofrendo com otites de repetição e sem saber que estava ficando cada vez mais surda. Nos anos 80, não era comum que crianças fizessem audiometria 1x por ano.

Dez anos depois, quando fiz 16 anos e já era uma adolescente, eu estava ao lado de um aspirador de pó ligado e não ouvi. Fiquei tão assustada que implorei à minha mãe que me levesse de novo no médico otorrino mas, dessa vez, pedi que fôssemos a um especialista no assunto.

Dias depois, finalmente descobri que era surda e ficaria cada vez mais, ao receber um diagnóstico de surdez tardio: surdez neurosensorial bilateral de caráter moderadamente severo e progressivo. Entrei em parafuso por saber que ficaria totalmente surda, mas ao mesmo tempo me senti em paz por finalmente entender as coisas que aconteciam comigo. As pessoas me chamavam de desatenta, diziam que eu me fazia de surda pra passar bem, não entendiam porque eu respondia uma coisa nada a ver para as perguntas que me faziam e nem porque era quase impossível falar ao telefone comigo.

Naquela época não existia internet, acessibilidade e não se falava sobre pessoas com deficiência. Passei por tudo sozinha, sem ter com quem conversar e tirar dúvidas. Entrei para o armário da surdez e lá fiquei, até que um belo dia percebi que era impossível continuar fingindo que os meus aparelhos auditivos não existiam. Foi só depois de engajar 100% com a reabilitação auditiva que passei a ter qualidade de vida e voltei a ter um pouco de segurança e mais independência.

Como é ser surda

Como alguém que conheceu a surdez leve, a surdez moderada, a surdez severa e a surdez profunda, posso dizer que a pior parte de ser surda é que você vai se isolando cada vez mais do resto do mundo. Eu evitava as pessoas, não aceitava muitos convites para sair de casa e vivia numa redoma de silêncio e solidão.

Ser surda é conviver com uma deficiência invisível, sentir vergonha da própria voz (eu só fui descobrir que a minha voz era estranha depois de adulta porque ninguém jamais teve coragem de me contar isso), sentir medo de ficar sozinha em casa (e se não ouvir um ladrão ou alarme de incêndio?), sentir medo de viajar sozinha (e se baterem na porta ou o voo mudar de portão e eu não ouvir o chamado?) e uma série de outras coisas.

A surdez teve uma influência negativa em vários aspectos da minha vida, principalmente na hora de escolher uma profissão. Optei pelo único curso superior que me daria um diploma e que não dependia de ouvir para conseguir me formar: Ciências Sociais, algo que não tinha nada a ver comigo. Em seguida, me tornei funcionária pública porque achava que era o único caminho possível para uma pessoa surda na época (2002), e, de novo, não tinha nada a ver comigo (mas passei 13 anos nesse emprego por falta de iniciativa e de opção, já que ainda não tinha voltado a ouvir com implante coclear).

Como é ser uma surda que ouve

Em 2013, tudo mudou. Eu me tornei uma surda que ouve após fazer uma cirurgia de implante coclear no ouvido direito, cujo resultado foi um sucesso. Após uma vida inteira perdendo a audição, eu voltei a falar no telefone, ouvir passarinhos, as vozes das pessoas que eu amava, a minha própria voz, as músicas que haviam se perdido e todos os sons do mundo. Ser surda e voltar a ouvir aos 32 anos foi a melhor coisa que já me aconteceu. Retomei a minha vida de cabo a rabo. Voltei a ser uma pessoa segura, independente e que não precisava pedir favores para os outros o tempo todo porque não ouvia. Foi libertador e extraordinário voltar a ouvir. Sempre digo que foi um renascimento após uma morte lenta que prejudicou minha infância, adolescência e boa parte da vida adulta.

E, para minha total surpresa, a vida me reservava outro grande presente: um ano após o implante coclear, eu me casei com um médico otorrino especialista em surdez e me mudei para o Rio de Janeiro, onde vivo até hoje.

Onde encontrar ajuda se você é surda

Criei o CLUBE dos Surdos Que Ouvem e uma série de ferramentas (livros, cursos, site, vídeos, etc) para poder ajudar as milhares de pessoas que chegam aqui todos os meses. Os sócios do Clube recebem conteúdos exclusivos e têm acesso a um grupo no WhatsApp e outro no Facebook. Junte-se a nós! A surdez não precisa ser assustadora e nem solitária.

Onde encontrar ajuda se você é surda e precisa de APARELHO AUDITIVO

Criei uma série de aulas ESSENCIAIS para quem é novato no mundo dos aparelhos auditivos – assista as aulas e aprenda todos os segredos da indústria da audição para não errar na hora de comprar um aparelho de audição.

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

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