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Relatos de Pessoas com Deficiência Auditiva

Surda oralizada morando e trabalhando na Bélgica

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‘Oi, Paula, estou entrando no seu blog. Ganhei de presente, de uma prima, um exemplar do seu livro e eu adorei. Parabéns! Você tem coragem! Agora vou contar a minha historia. Nasci totalmente surda (surdez profunda, bilateral). Sempre estudei em escolas para ouvintes.  Depois fiz vestibular, concorrendo normalmente com os outros alunos, sem auxílio de intérpretes, entrei na Universidade Federal de Campina Grande, onde cursei Desenho Industrial. Fiz todo o curso e só necessitei de interpretação dos sinais quando defendi o meu projeto no trabalho de conclusão de curso. O projeto que desenvolvi foi um brinquedo para crianças surdas. Minha vida não era fácil pois, além de estudar, eu trabalhava no SENAI e no Colégio das Damas, instituição de ensino que estudei desde pequenina e que me deu o meu primeiro emprego. Sou uma pessoa corajosa e determinada: procuro sempre realizar os meus projetos de vida. Terminei o curso de Desenho Industrial em setembro de 2005. Aqui, na Bélgica estou trabalhando, numa indústria de móveis, e faço parte da equipe de design, tudo dentro da minha área. Faço desenhos técnicos e outras coisas mais. Estou bem satisfeita.

Minha infância e adolescência foram difíceis, pois me sentia um pouco excluída nos ambientes sociais. Desde pequenina sempre me comuniquei com as outras pessoas através da leitura labial, com a ajuda de fonoaudiólogas, minhas grandes amigasSó aprendi a língua de sinais, já quase adulta, para tentar me integrar com os surdos da minha cidade, que só se comunicavam pela Libras. Quando iniciei o meu curso de Desenho Industrial, fui com minha mãe para São Paulo, para me operar e passei lá seis meses. Fiz implante coclear, mas só consegui escutar alguns barulhos, tipo: cafeteira, campanhia, instrumentos musicais (isso eu até escutava melhor, porque os sons vibram  e dava para eu distinguir um pouco), chuvas fortes também percebia. Mas meu aparelho sempre apresentava problemas e como eu morava em Campina Grande, na Paraíba, era necessário enviar o aparelho para conserto em São Paulo e às vezes demorava para retornar. Uma das vezes eles tiveram que substituir o aparelho e o segundo não era tão bom quanto o primeiro. E eu não estava satisfeita. minha família ficou triste, porque eu não quis mais usar o aparelho. Há muitos anos já não o utilizo. Ainda tenho o implante e não sei se devo retirá-lo…

Paula,  vi a foto da sua cirurgia do implante coclear. Deu certo? Você consegue ouvir pelo telefone? Isso eu nunca consegui. Espero que a sua cirurgia tenha êxito e que você consiga escutar todos os sons que eu jamais cheguei a ouvir. Hoje estou conformada porque, mesmo surda, me considero uma vencedora. Fiz vestibular e estudei na universidade sem ajuda de intérpretes. Trabalho na minha área, em outro país, que me deu oportunidade de emprego, sem  nenhuma discriminação. Aqui tenho uma vida igual a de todo mundo. Tenho trabalho, lazer, uma filha maravilhosa e um companheiro, ouvinte, que me dá apoio em tudo o que eu faço. Claro que também sinto saudades do meu país, da minha cidade, da minha família e das minhas grandes amizades. Mas, sempre que posso, viajo para o Brasil para matar as saudades…

Gosto demais da Bélgica, pois aqui me sinto como todas as pessoas. Sou oralizada em português, mas leio e escrevo em flamengo (holandês) e também me comunico nessa nova língua. Não sei se oralizo bem, mas as pessoas me entendem e fico feliz em ser compreendida. Eu moro na parte flamenga da Bélgica, próximo à Holanda, daí a necessidade de aprender a língua daqui. Assim que cheguei na Bélgica, fui para uma escola, para aprender o flamengo. Era uma escola para estrangeiros e os estudantes eram ouvintes. Eu era a única surda. Mas aprendi, com relativa facilidade; os  professores eram excelentes e eu fazia a minha parte direitinho: estudava bem. Então não foi muito difícil. O meu primeiro emprego aqui, foi na Prefeitura, onde eu trabalhava com uma equipe de arquitetos e gostei demais. Eu era estagiária e fiquei cerca de 6 meses. Em seguida vim para o meu emprego atual. Uma empresa de móveis, com grandes projetos do tipo,  hotéis, museus, hospitais, laboratórios. Eu fico na parte de desenhos técnicos, no setor de laboratórios e somos uma equipe grande. Alguns colegas do trabalho aprenderam a língua de sinais – por sinal a língua de sinais daqui é diferente da do Brasil e foi outra coisa que tive também que aprender- , para se comunicar melhor comigo e achei ótimo, facilita demais a minha comunicação com eles. Então, sendo bem sincera mesmo, não me sinto excluída na Bélgica. Até esqueço que sou surda

Beijos, Laís’

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

13 Comments

  • Karen
    15/10/2014 at 03:49

    Grata pela saudações Cleide.
    Não tive uma má impressão, é uma realidade em que vivi por 35 anos, chega uma hora o corpo não aguenta de tanta energia muito densa e pesada em São Paulo. Respeito muito as diversas opiniões e cada um tem o seu gosto e prioridades de vida!
    Quando fui para Atibaia em um alto da montanha, me falaram que uma árvore com tronco bem rosinha, significa que o existe o ar puro. É uma delícia respirar esse ar saudável e puro! Quando desci em direção a SP, minha nossa senhora, tive um acesso de tosse seca e percebi o quão o ar é prejudicial. Já saiu uma reportagem comentando que quem mora em cidades poluídas, os habitantes apresentam problemas de saúde, não tenho dúvidas disto.
    Conheço muita gente que está migrando para o interior e até o meu mecânico que me reconheceu, foi maravilhoso esse reencontro! Voltei a ser cliente dele pela competência e qualidade de serviço.
    Graças a perda auditiva, pois sou surda bilateral neurossensorial severa e profunda, ORALIZADA,eu acabei desenvolvendo outras sensibilidades e isso me ajuda muito ao longo da vida. Uma BE-LE-ZA!

    Lais, o quanto é importante aprender a desapegar de pessoas e seguir seus sonhos e objetivos, tudo fica mais fácil e você acaba descobrindo seus talentos e suas capacidades, é maravilhoso!
    O que fica em nós, são as belas recordações que tivemos em experiência seja onde estiver. Nosso propósito de vida é sempre crescer e evoluir!
    “Não adianta fugirmos de nossa própria escuridão, pois é nela que podemos encontrar o nosso próprio dom. É o espaço onde vislumbramos os nossos talentos, se tivermos coragem de ir até lá. É na escuridão que percebemos o valor e a beleza de nosso ser. E o caminho para penetrar na nossa escuridão é o amor. É por meio do amor que atravessamos o intransponível e criamos nossas realidades”. (Burlamaqui, 2011, p.68).
    Recado: AME-SE PARA VALER A SUA VIDA!

    SUCESSO, ABUNDÂNCIA, PAZ, AMOR, HARMONIA E MUITA LUZ A TODOS!
    Abraços.

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  • Cleide Marcondes
    28/04/2014 at 17:42

    Lais.Acabo de ler seu depoimento.Parabéns!Exemplo de coragem e superação.
    Estou orgulhosa de encontrar pessoas que como eu tiveram dificuldades desde a infância,por se surda oralizada e venceram os obstáculos com determinação.
    Nasci e morei sempre em São Paulo,Karen e lamento que vc tenha ficado com
    essa má impressão daqui.Amo minha cidade,com seus defeitos: é q ela cresceu demais.Claro que morar no interior é mais saudável e com mais qualidade de vida.Felicidades para você,de coração.
    Abçs.Cleide

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  • Lais Nobrega
    11/01/2014 at 18:49

    Obrigada Karen. Viver fora do Brasil me tornou uma pessoa mais capaz, mais segura, mais independente. Sinto saudades de la, eh verdade, principalmente da familia e dos amigos, mas eh aqui, na Belgica, que sou reconhecida pelo trabalho que realizo. Feliz Ano Novo para voce tambem. Lais.

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  • Karen
    01/01/2014 at 18:10

    Laís, FANTASTICO!!!!
    Amei o seu depoimento, a sua luta e a sua superação!!!! Isso aí, todos os surdos oralizados devem dar um baile em muita gente!!!
    Europa, sem dúvida nenhuma, o berço da cultura, estão avançados em muita coisa. Eu acredito que os europeus devem ter respeito para as pessoas com deficiência. Pode nos contar compartilhando a sua percepção, Laís?
    Eu vivi em Israel por 5 anos, aprendi hebraico, uma língua difícil para muita gente, mas para mim foi fácil, pois fui muito aplicada nos estudos. Até no inglês eu tive que ajudar alguns estrangeiros que não sabiam pronunciar algumas palavras. Ensinei hebraico para um menino de 1 ano e meio que nunca aprendeu a falar! Incrível, não é?
    Voltei ao Brasil, pois senti que era a hora de voltar e cá estou.
    Hoje, sou psicóloga, faço atendimentos clínicos e tenho outros projetos de vida que vou estar compartilhando aos poucos com vocês.
    Estou terminando uma segunda pós graduação em gestão de pessoas, a primeira foi psicologia hospitalar.
    Mudei de cidade há 6 meses, pois não aguentei a péssima qualidade de vida da cidade de São Paulo. Muitos ruídos sonoros que chegaram a afetar o meu físico, um trânsito intenso que piora a cada dia, gente estúpida e mal educada, entre outros. Tenho boas lembranças de ótimos profissionais da saúde, principalmente de um médico otorrino que me adora! Tive que colocar no papel, os pros e contras. Com cara e coragem, mudei de cidade para o interior.
    É assim que devemos encarar as mudanças em prol de nossa saúde física e psíquica. Todo recomeço sempre vai ter um novo fim.
    Até aqui na cidade do interior, uma assistente social ficou surpresa em saber que existem deficientes auditivos oralizados! Nunca viram um!
    Deus abençoe a todos os deficientes auditivos oralizados pois são os belos exemplos de luta e superação e que vamos continuar dando lições a muitas pessoas.
    Então, pessoas, vamos adiante!!!!
    Um maravilhoso e abençoado 2014 a todos! Ao planeta terra e ao Universo!
    Beijos!

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  • Maria Esther
    07/11/2013 at 11:30

    Uma história bem marcante! Adorei!

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  • Elaine
    30/10/2013 at 10:12

    Parabéns Laís pelos obstáculos que você tem superado, que isso sirva de motivação para nós!

    Reply
    • Lais Nobrega
      11/01/2014 at 18:38

      Obrigada.

      Reply
  • Sérgio
    30/10/2013 at 08:50

    Laís, obrigado por compartilhar esta história maravilhosa. Há poucos dias, estava pensando em escrever sobre a relação dos oralizados com línguas estrangeiras, a partir da minha própria experiência, e sobre a importância da memória auditiva. O engraçado é que, quando eu era jovem e ouvia bem, ficava com receio de pronunciar mal ou ser incompreendido. Agora, que sou surdo e já não tão jovem, não tenho mais vergonha nenhuma: simplesmente saio falando como posso e quem puder que entenda. E quase sempre dá certo. Seu relato renovou minhas forças! Parabéns pelo seu exemplo, que nos dá forças para “sair da toca” e viver a vida.

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    • Lais Nobrega
      11/01/2014 at 18:37

      Obrigada Sergio. Voce tambem vai conseguir vencer e superar todos os obstaculos. Lais

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  • Gylberto Frota Mercadante
    29/10/2013 at 02:13

    Estimada Paula,

    Fiquei muito impressionado com a beleza de depoimento dessa moça chamada Laís. A força de vontade dela em suplantar os problemas auditivos, inicialmente na cidade de origem (Campinas Grande) e depois na Europa (Bélgica), nos leva a acreditar na grandiosidade de Deus. Parabens Paula e Laís.
    Eu amo voces!

    Reply
  • Gylberto Frota Mercadante
    29/10/2013 at 02:12

    Estimada Paula,

    Fiquei muito impressionado com a beleza de depoimento dessa moça chamada Laís. A força de vontade dela em suplantar os problemas auditivos, inicialmente na cidade de origem (Campinas Grande) e depois na Europa (Bélgica), nos leva a acreditar na grandiosidade de Deus. Parabens Paula e Laís.
    Eu amo voces!

    ç

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    • Lais Nobrega
      11/01/2014 at 18:34

      Obrigada pelas gentis palavras. Lais

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  • Mônica
    28/10/2013 at 09:30

    Oi Paula, estou amando ler esses depoimentos que chegam pós leitura do Crônicas…me emociono e fico sempre muito feliz por conhecer essas histórias. Acho que com tantos depoimentos bacanas você depois poderá editar outro livro com todos eles.São com exemplos assim que conseguimos muitas ( a maioria das) vezes incentivar e mostrar um lado ainda desconhecido pelas famílias que nos chegam com um diagnóstico recente.. Um grande beijo !

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