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‘Meu nome é Cintia Pinheiro, pedi uma ajuda recentemente à Paula. Além da ajuda ela me presenteou com a honra do convite para escrever aqui um pouco da minha história como deficiente auditiva. A sorte grande da minha vida foi nascer numa família incrível, com pais atentos que correram atrás cedo, assim que notaram que eu e minha irmã mais velha ouvíamos pouco. Nós duas temos surdez neurossensorial bilateral e progressiva, começamos a usar o AASI por volta dos 5 anos.

Tive uma infância abençoada, lúdica, muitos amigos, muito pique e canela roxa. Adolescência é sempre mais difícil, era mais insegura, bicho do mato, introvertida, me sentia diferente talvez por causa do aparelho, por não saber qual era o assunto da hora. Sempre dependi muito de leitura labial. Eu e minha irmã adorávamos conversar uma com a outra no mudo, apenas com leitura labial – ninguém entedia e achávamos o máximo! Ter uma irmã com a mesma dificuldade é um grande privilégio..além de melhor amiga, é muito ter alguém realmente te entende.

Em 2005 nós passamos a ser acompanhadas no incrível Centrinho de Bauru-SP, descoberto pela minha mãe. Todo ano vamos lá, onde o suporte por deficiente auditivo é completo, como fonos, psicólogos, médicos e assistentes sociais. Lá sempre conhecemos gente do Brasil inteiro com suas histórias por vezes sofridas, mas emocionantes! O Centrinho ou HRAC é do SUS, um serviço de excelência, atende deficientes auditivos e crianças com anomalias craniofaciais. Passei a ganhar meus AASIs lá: à medida que minha perda progredia, aumentava a potência.

Já em 2009, resolvi prestar vestibular para medicina, mudei de Itaperuna, minha cidade natal para Niterói. Um ano de cursinho, saudade de casa, longe dos amigos de infância, sem quase nenhuma amizade nova. Daí tive uma das maiores surpresas: passei para medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, coisa que jamais sonhei. Tudo novo, amigos novos, vida social enfim! Diversas vezes passei por aquelas situações que só quem é surdo entende: estar num carro e boiar na maionese, num bar com uma galera e dar aquele sorriso forçado fingido que entendeu a piada, se sentir deslocado apesar de gostar de suas companhias, simplesmente por não acompanhar a conversa.

Faculdade: sempre tem aquela aula que o vídeo não é legendado, o professor que não articula bem, o que fala andando ou que o bigode é tão grande que você não consegue ler o lábio. Tem o professor que olha torto e diz “o médico tem que ouvir muito bem para usar o estetoscópio”. Mas também tem aquele que faz questão de te colocar do lado dele, de frente para todos os seus colegas no round, que certifica que você está acompanhando. Aahh…e tem os amigos! Esses com certeza, sem eles não estaria aqui. Aqueles que repetem 471 vezes aquilo que o professor falou e você não entendeu. Que emprestam o caderno para você xerocar. Fiz amigos sensacionais na faculdade, brincavam sobre meu IC “e o radinho tá ligado Cíntia?”.

Quinto período, hora de aprender a auscultar um coração e pulmão. Preocupação… Minha mãe conseguiu para mim um estetoscópio eletrônico da Littmann, que amplia 24x o som. Vem quebrando meu galho até hoje, mas nem sempre. Às vezes deixo passar um estertor, um sibilio, faz parte. Passei num concurso para emergência de hospitais públicos do RJ. Fui barrada na perícia médica: alegaram que o ambiente poderia ser hostil para mim, me colocaria em situação de risco, poderia não ouvir os comandos numa parada cardíaca. Fiz recurso, pois pelas atribuições do edital, o estágio é feito para aprender. Nada feito, não é não.

Felizmente o melhor estava por vir: ainda naquele ano finalmente pude fazer o tão esperado Implante coclear! Minha perda na OE era profunda já não me ajudava em quase nada. No meio da copa de 2014, eu e minha mãe maravilhosa fomos a Bauru. Correu tudo muitíssimo bem. Ativei meu implante no dia do meu aniversário, sem dúvidas meu melhor presente desde então. Inacreditável! Como este aparelho com o som meio estranho faz isso? Bizarro entender palavras que nunca entendi antes, fonema por fonema! Loucura!

Fiz fonoterapia e desde então são grandes e pequenas surpresas que te fazem perceber as maravilhas de um Implante coclear. Passei a entender o que as pessoas falavam sem leitura labial. Como assim eu entendi o que foi dito agora na rádio? O som do violão é muito mais bonito que imaginava! Melhorou bastante para as aulas e para entender o paciente. Ainda há dificuldade na ausculta pois fiquei só com o OD para condução aérea, onde a perda é profunda. Sons pulmonares não são fáceis em pacientes idoso, obesos, crianças chorosas.

Dúvidas e inseguranças me acompanham até hoje. Já no último período da faculdade um professor falava “ Por que você não faz uma especialidade que não usa esteto? Tem radiologia, patologia, etc.”. Fiz estágio por um ano na atenção primária e me apaixonei pela Medicina de família. Conversando sobre com uma amiga muito querida, relatei do medo do diagnóstico falho por conta da ausculta. O que ela me disse me marcou muito “ O mais importante não é ausculta, é a escuta!”. Aquela conversa me deixou mais tranquila. Nunca estamos sozinhos!

Graças ao AASI e ao IC escutar é uma realidade de muitos deficientes auditivos no mundo. Meu é IC um Naída Q70 da Advanced Bionics e tem bluetooth! Posso ouvir músicas pareando com meu celular e tablet! Quero muito um dia parear com um estetoscópio que tenha bluetooth! Existe o Roger, o AquaCase, diversos acessórios incríveis feitos pela AB, que ainda não pude conhecer. Temos toda a tecnologia a nosso favor e isso é maravilhoso!

Agradeço sempre por tantos acontecimentos positivos que me fazem muito feliz. Espero nunca parar de me surpreender com o IC!’

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

7 Comments

  • Zenaide de Faveri Vicente
    21/09/2016 at 23:42

    Você é um grande exemplo de superação, Cíntia! Parabéns!

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  • Dalton
    06/09/2016 at 12:32

    Renata, já exise uma proteção para os implantes cocleares que permite entrar na água com eles . Dá uma pesquisada. Abçs.

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  • Amanda Cristina Jacob
    05/09/2016 at 19:57

    Muito linda a história de superação da Cintia! Tive o prazer de conhecê-la recentemente e o mais legal é ver todo o otimismo diante de todas as dificuldades! ?

    Reply
  • Richard
    05/09/2016 at 18:17

    Olá Paula, boa tarde.
    Foi uma surpresa muito agradável descobrir este site. Estarei acompanhando diariamente.
    Também fui diagnosticado com deficiência auditiva bilateral. O meu médico nunca me sugeriu um Implante Coclear, apenas me recomendou a utilização de aparelhos, que, por vergonha e incomodo, não cheguei a usar. Testei mas não consegui me adaptar. Entretanto, de uns tempos para cá, venho percebendo que a cada dia ouço menos. 🙁

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  • Renata
    05/09/2016 at 02:44

    tenho deficiencia auditiva bilateral ( so escuto no lado esquerdo ). Sei perfeitamente a dificuldade do dia a dia, principalmente aquelas pessoas que optaram trabalhar na area da saude, ate porque somos dependentes da leitura labial, e os funcionarios da saude( seja medico, enfermeiros, tecnicos, farmaceuticos…) usam mascaras que por vezes nos desestabilizam. Sei da dificuldade que temos na hora do lazer, eu evito programas que envolvam água (praia, piscina…) ficar sem dialogar (sem aparelho) é muito ruim (Nessas horas rezo p que surja um aparelho resistente e aprova dágua compativel com a minha perda auditiva)….
    Eu adorei a historia da medica Cinthia! é um exemplo de guerreira, nos mostrando que nao há limites, tudo é possivel, basta querer!!

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