09/09, 33 anos.
Hoje eu acordei lembrando do meu aniversário de 2013, que passei num restaurante com minha mãe e algumas amigas após voltar de uma consulta com o Dr. Lavinsky. Sei que devia ficar feliz, mas fiquei borocoxô recordando daquela noite. Primeiro, porque enquanto estava lá a única coisa que me passava pela cabeça era ir embora. Já estava tão de saco cheio de não conseguir conversar com as pessoas e de ficar vesga e tonta tentando acompanhar bocas e pegar o fio da meada nas conversas que situações assim eram tortura, não prazer. Segundo porque, apesar de conseguir disfarçar bem, eu estava petrificada de medo da cirurgia do IC que faria dia 28/09/2013. Um ano depois, estou aqui olhando para a tela do computador e contemplando o looping – louco e sensacional, assustador e encorajador – que minha vida inteira deu. A verdade é que pra entender o que significa voltar a ser uma pessoa que ouve você precisa ter vivenciado anos e anos de silêncio, e acho que por isso às vezes tenho tanta dificuldade de comunicar sentimentos e borocoxozismos às pessoas mais próximas. A reação dos ouvintes é, em 90% das vezes, ‘você tá ótima, f*$#&- se o passado e foco no presente’.
Entendo racionalmente e concordo, mas ser atropelada por lembranças e sentimentos antigos faz parte e é inevitável. Não sei porque, mas hoje acordei assim: lembrando de quem eu era e de como me sentia sendo aquela pessoa. Aí recebi uma mensagem de vídeo de uma amiga pelo WhatsApp dando os parabéns (beijo, Marcela) e ela dizia que no ano passado havia me desejado força para as mudanças que viriam pela frente já que eu havia me proposto a uma grande mudança, e que ouvir era só uma consequência disso. Aí, pronto, acabou comigo e com meu rímel às 08:30 da manhã e cheguei num trabalho feito um panda psicótico. Só um ano depois é que parece que a ficha começa a cair direito. Na época eu não percebia que estava me propondo a uma grande mudança porque estava totalmente apegada à idéia de que iria ficar um pouquinho melhor do que estava.
Mas aí fui atropelada por esse presente monstruoso que a vida me deu e hoje passo meu primeiro aniversário de nascimento (em 09/09 nasci e em 11/11 renasci) podendo fazer coisas como atender um telefonema e ouvir uma mensagem de voz ou de vídeo. E pensar que antes minha mãe me dizia: “Fulano ligou, fulana ligou e mandou um beijo“. É tão diferente!!! Enfim, no período de um ano ganhei minha vida de volta, fui arrancada da minha zona de conforto, precisei me redescobrir como ser humano e sinto uma gratidão incomunicável por tudo isso. 2014, ao que parece, é o primeiro ano do resto da minha vida.
Obrigada, obrigada, obrigada. <3
5 Comments
Regiane Rodrigues
10/09/2014 at 21:02Boa noite gente! Nossa, fiquei super aliviada ao encontrar este blog. Um lugar pra trocar experiências. Tenho 25 anos, sou deficiente desde que nasci. Minha perda está aumentando com o tempo, hoje tenho perda neurossensorial profunda bilateral. Utilizo aparelhos, mas nao me atende completamente. Eu sofro muito com isso, meus aparelhos são enormes e nao ajuda muito. Me interessei pelo implante coclear, procurei orientação médica e me disseram que o implante não é indicado pra mim. Que ele só é indicado para pessoas que não ouvem nada. Isso é verdade????
Marcela
09/09/2014 at 21:24É muito amor!!!
E sim, eu nunca disse “você vai ouvir 100%, vai dar certo” eu só dizia que tudo ia mudar, que tudo ia ser diferente. Porque VOCÊ QUERIA MUDAR!
E olha no que deu…
P.s.: Desculpa pelo rímel borrado, pago em forma de praia no Posto 4 no seu primeiro sábado de sol livre.
Aureliana
09/09/2014 at 15:34Sei muito bem o que é viver sem escutar, ou sem entender o que as pessoas falam, embora ouvindo sons. Passei por muito sofrimento e constrangimentos. Vivia me escondendo das pessoas. Minhas notas na escola eram pequenas, mas com um extremo esforço, pois muitos professores não souberam respeitar minha limitação. Mas outros tantos me ajudaram e sempre focalizei nisto. Vim a colocar um aparelho auditivo aos 18 anos de vida, e só aí percebi como o mundo é barulhento. Depois de vários anos ainda me sentindo meio perdida, pois não conseguia entender sempre as conversas, encontrei uma médica, a Dra Márcia, que me ajudou por completo. Passei a usar dois aparelhos. Aí sim, pude viver muito bem. Depois disto não deixei mais ninguém me menosprezar. Dou o troco na hora, não por falta de educação, mas para deixar bem claro que sou um ser humano completo. Deficiente é aquele que acha que pode nos maltratar.E já recebi a sugestão de fazer o implante coclear. Ainda tenho meus medos. Mas não descarto a possibilidade.Então vamos aproveitar tudo o que pudermos daqui pra frente. Bora ser feliz, tá? Parabéns e muita felicidade pra você.
Silvia Mara
09/09/2014 at 14:49Paula, primeiramente, parabéns! E olha, sei bem como é que você se sente, me senti muito assim no primeiro ano de implantada. Muito feliz pela audição nova e em alguns momentos, triste ao pensar no que havia perdido, tantos anos sem ouvir, tantas informações que não chegaram até mim, tanta distância causada, enfim… Muitos não entendem que quando a gente fala, a respeito dos anos de silêncio não é no sentido de lamentar, e sim porque precisamos elaborar, re-significar, entender e aceitar o que foi o silêncio. E que esquecer, deixar pra trás não é bem assim. É algo muito nosso. TEnho dez anos de implantada e ainda me emociono com muita coisa. Semana passada fui a um concerto de violino! Não teve como não pensar que sem IC não seria possível. Não tem como não lembrar, não pensar nos 17 anos de silêncio que vivi.
Porém… esses 17 anos fazem parte de mim, da minha história, e aprendi a ser grata pelo som e pelo silêncio. Som e silêncio são dois lados da mesma moeda da minha história e ambos têm seu papel na pessoa que sou hoje. Como li numa citação de Nicholas Spark: “Esta é minha história… às vezes, tenho vontade de voltar atrás e apagar toda a tristeza, mas tenho a impressão de que, se o fizesse, também a alegria desapareceria”. Grande beijo!
Ingrid
09/09/2014 at 13:59Entendo bem essa dificuldade de comunicação! Fiz minha cicurgia do implante dia 28/08 e estou num momento em que sinto uma tristezinha sem sentido que não consigo explicar pra ninguém. Enquanto espero a ativação é como se estivesse assistindo alguém evaporando, um eu passado que tinha lá seu valor, e esperando pra nascer sem saber bem pra onde.
No meio disso, ler suas memórias e pensamentos me faz entender um pouco em que ponto estou e ter paciência pra esperar a próxima etapa.
Por isso e por tudo o mais, te desejo um muitíssimo merecido feliz aniversário, Paula! Que este seja o melhor (até agora).