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Crônicas da Surdez / Implante Coclear / Viajante Biônica

Viajante Biônica: a primeira viagem internacional com o N6

Quem acompanha a FanPage no Facebook viu que estive em Dubai, certo? Estive lá para acompanhar meu marido, que é otorrinolaringologista e foi dar uma aula no 1* World Congress on Endoscopic Ear Surgery. Foi minha primeira viagem internacional desde que fiz o upgrade para o Nucleus 6! Chegando em Dubai, uma das primeiras coisas que tratei de fazer foi entrar na piscina com o Aqua+ (tudo sobre ele neste link).

Depois, dar uma voltinha pelos stands do congresso, já que as novidades estão sempre neles em primeiríssima mão. Pude conhecer as novas cores nas quais o Nucleus 6 estará disponível – não sei se no Brasil já é possível escolher a cor, vou tentar descobrir. E é claro que dei uma boa pirada nas capinhas para o N6, pois elas vêm junto com uma capinha para a parte do ímã também. Achei o máximo. Custavam 150 Dirhams (moeda local), o equivalente a uns R$140.

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Fiquei enlouquecida, claro. Queria levar todas! Porém, eles não estavam vendendo. E no dia em que finalmente fui perguntar como comprava e quanto custava, nós iríamos embora à noite e já estava terminando a tarde. O representante da Cochlear em Dubai poderia me vender somente no outro dia em horário comercial. Me deu uma tristeza… Muito educados, eles me perguntaram qual era a minha favorita e apontei para a cinza e branca.

Conversamos mais um pouco, queriam saber como eu estava me sentindo com o upgrade do N5 para o N6, se dava mesmo para perceber a mudança do som de um ambiente para outro. Depois disso fui tomar um café. Quando estava quase acabando, eles foram até mim e me deram a capinha cinza com branca de presente!!! Saí de lá faceira, faceira…  E como estou numa fase SORTE no quesito capinhas para implante coclear, o que acharam deste presente pouco chique que ganhei do marido? É uma capinha para Nucleus 6 feita com cristais Swarovski, gente. Está à venda neste site: Limited Edition Covers. Nesse dia saí para jantar com ela no ouvido implantado e um earcuff de franjas e pérolas no outro ouvido. Sim, o meu lema é: “Tem que glamourizar!!” Afinal a vida é muito curta para não emperiquitar as orelhas e os IC’s e AASI’s

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Uma experiência muito bacana no congresso foi entrar de fininho numa sala onde aconteciam as aulas com a intenção de descobrir o que eu entendia em inglês. É engraçado como cada nacionalidade possui uma pronúncia diferente. O primeiro que ouvi falando era egípcio, acho que entendi umas 5 palavras de toda a aula dele, porque parecia que o homem tinha uma batata quente na boca.

Não esqueço de um italiano que falava alto e claro e que me fez entender bastante da aula. Por curiosidade passei do Scan para o mapa que eu usava no N5 e a constatação é só uma: não tem mais serventia para mim. Isso significa que meu cérebro se deu muito bem com esse upgrade de tecnologia.

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Uma curiosidade a respeito do Nucleus 6 em relação ao meu caso é que fiz audiometrias novas e elas demonstraram que agora percebo na faixa de 6000 Hz sons a partir de 5 DB (cinco decibéis, meldels!!) e na faixa de 8000 Hz, na qual é esperada resposta muito ruim em implantados, percebo sons a partir de 25 DB! Essas frequências são agudas, ou seja, hoje percebo sons agudos muito, muito baixos. Quando fiz 1 ano de implantada e usava o N5, não percebia nada em 8000Hz e em 6000Hz percebia a partir de 20DB.

Antes que perguntem, minha audiometria não é uma retinha desde o início porque já tive muitos problemas de distorção de som quando minhas frequências graves começavam nos 20DB. O famoso ‘rrrrr’ que vinha junto nas palavras e barulhos e que me deixava à beira de um ataque de nervos. Desde que minha fono Márcia Cavadas decidiu diminuir minha percepção de graves começando nos 35DB, isso melhorou muito. É bem raro agora sentir alguma distorção – isso tem acontecido quando alguém berra num ambiente silencioso perto de mim. Acabo perdendo algumas coisas por ter uma percepção menor dos graves, mas vou confessar que gosto disso!

Minha mania de querer mais, mais, mais já me colocou em situações desnecessárias e estressantes em termos de IC. Hoje sou mais ‘bola baixa’ e não quero nem saber de mania de perfeição, porque sei que ela me custa caro. Não sei se perceberam, mas são duas audiometrias: uma no Scan e outra no mapa antigo. A diferença entre as duas é apenas de 10DB na frequência de 1000Hz (mapa antigo ganha nessa), de 5DB na frequência de 2000Hz (Scan ganha nessa) e de 5DB na frequência de 3000Hz (mapa antigo ganha nessa). Meu índice de reconhecimento de fala em 50DB foi de 88%, errei três monossílabos no exame. E pensar que esse sempre foi meu índice de erro e isso quando eu ia bem na audio…

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Viajar agora não é mais um momento de tensão pra mim. Posso relaxar! Lembro que na minha época pré-IC, se eu estivesse com alguém na viagem e a pessoa saísse do quarto, eu entrava em pânico  porque não ia ouvir quando ela voltasse e batesse na porta. Em Dubai, teve um dia que o Luciano foi para o congresso e eu fiquei dormindo no hotel. O camareiro indiano bateu de leve na porta e eu pensei ‘vou fingir que não ouvi‘. Só que ele continuou batendo e só me restou levantar, mudar de roupa, abrir a porta e pedir a ele que voltasse depois!

Saber tudo o que acontece dentro do quarto também é muito bom. Lembro de uma vez em que estava num quarto de hotel com a minha mãe e ele quase inundou com um vazamento do ar condicionado. Eu só acordei quando os funcionários já estavam lá resolvendo e fiquei nervosa com aquilo – só de imaginar o que aconteceria se fosse um incêndio me dá arrepios.

Ouvindo, saio por aí sem medo! Em Dubai as mulheres locais usam abayas e burcas e nós, ocidentais, ficamos meio sem jeito por não usar. Sem falar que lá os homens não são modernos como aqui no quesito mulheres. Mas não ia perder a chance de passear sozinha por causa disso, né? Peguei um taxista paquistanês muito doido. Expliquei que queria ir até as Emirates Towers e ele disse que entendeu. Só que a criatura parava o carro a cada 5 minutos e me perguntava num inglês sofriiiido: “Emirates Towers?” Chegou uma hora em que achei que era pegadinha, juro. Fiquei louca pra perguntar se ele era surdo ou maluco.

Em hipótese alguma eu seria capaz de entender o que os imigrantes de várias partes do mundo falavam em Dubai se ainda usasse aparelho auditivo. Cada um tem uma pronúncia diferente, e não é fácil de entender nem mesmo para quem tem ouvido treinado e convive com eles. Uma amiga que mora lá me contou que quando os prestadores de serviços indianos, paquistaneses e filipinos iam na casa dela, precisava pedir a eles que escrevessem num papel o que estavam dizendo após a décima tentativa de entender.

Numa noite, eu estava no topo de um prédio chamado Pier 7. Jantavam conosco uma amiga de Juiz de Fora que mora em Dubai e o Dr. Arthur Castilho – aliás, dei a ele meu Mini Mic por um tempo durante o jantar e pude conhecer perfeitamente a sua voz! Enquanto eles falavam, decidi prestar atenção nos sons ao redor, e então percebi uma música de fundo bonita. Com o Nucleus 6 notei que meu cérebro ganhou uma melhor capacidade de ‘abafar’ sons: quando voltava a me concentrar na conversa, a música de fundo desaparecia; quando prestava atenção nela, as vozes ficavam baixíssimas.

Nessa viagem percebi que a comunicação resolve qualquer problema e fiquei feliz com isso. Mas foi algo que só fui capaz de entender depois de voltar a ouvir, porque antes comunicação era algo que, intimamente, me apavorava. Todas as vezes em que precisei me virar nos trinta nesse quesito, me virei. Mas só a gente sabe o que isso nos acarreta emocionalmente, não? Não ser capaz de se comunicar com facilidade é uma força poderosa para o mal – pelo menos no meu caso, era.

 

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Um prazer inesquecível que o Nucleus 6 me proporcionou nessa viagem foi no vôo de volta para o Brasil. Nas opções de filmes estava o filme que mais amo no mundo: Before Sunset.

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Só que as legendas eram em japonês!!Liguei meu cabo de aúdio no IC (vôo de 15 horas, Mini Mic já tinha acabado a bateria) e fui tentar a sorte. Meu queixo caiu quando me dei por conta de que estava entendendo o filme inteiro não apenas sem legenda, mas também sem leitura labial. Na hora, chorei. A primeira vez em que assisti a este filme foi lá por 2006, uma época na qual meu futuro silencioso me intrigava e apavorava muito.

A vida dá boas voltas… No vôo de ida, fiquei vendo filmes deitada e sem olhar para a TV, só prestando atenção no áudio. Cada palavra que eu entendia sem esforço algum parecia que tinha um anjo me fazendo cafuné na alma. Ficou tão incutida em mim a constatação de que eu jamais seria capaz de ouvir e entender algo (menos ainda sem leitura labial) nessa vida que até hoje levo sustos, choro e me emociono quando noto do que sou capaz depois do implante coclear. Na minha última viagem internacional eu entendia palavras isoladas nos filmes em inglês sem legendas, mas dessa vez fui capaz de entender frases inteiras. E me senti o máximo por isso. Sem falar que conhecer as vozes dos atores é sempre uma diversão…

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

5 Comments

  • […] exemplo: quando viajamos, se não enfrentarmos esse medo, a viagem não terá a graça que teria se o enfrentássemos. […]

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  • […] termos de qualidade e tranquilidade em viagens após o implante coclear e, especialmente, após o Nucleus 6. Meus vôos eram tão, mas tão solitários e melancólicos antes dessa revolução que a […]

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  • eliane
    28/04/2015 at 14:10

    Paula sou muito tua fã, aprecio por demais tuas histórias…..não sou tão viajada quanto tu mas consigo me transportar à estas maravilhas que nos relatas como se fosse eu sonhando em escutar tão bem com o IC em todos os lugares. Ainda não me sinto assim tão segura mas tenho fé em Deus e sei que bênçãos virão e eu me sentirei plena e confiante escutando todos os sons. Beijos!!!!!

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  • Claudio Fernando Mahler
    28/04/2015 at 09:32

    Paulinha,
    Mudei para Petrópolis, mas quero ver se hoje à noite dou uma passada em Ipanema para comprar teu novo livro e conhecer alguns colegas surdos e ensurdecidos. Parabéns.
    Não fiquei tão entusiasmado até agora com o Implante Coclear. Mas enfim, a vida segue.
    Votos de sucesso e casa cheia hoje à noite.
    Você merece.
    Abs.,
    Claudio

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  • Ana Cláudia Rufino
    28/04/2015 at 09:10

    É sempre uma alegria muito grande receber seus emails com depoimentos, suas experiências, virei sua “fanzoca” menina Paula! É uma graça mesmo! Que sua vida seja abençoada cada vez mais com os sons e energias do que é melhor neste mundo. Muitas bençãos linda. Beijão.

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