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Relatos de Pessoas com Deficiência Auditiva / Deficiência Auditiva

A história da Gabi: surda oralizada e formada em Direito

‘Já que minha mãe compartilhou a minha história sob a visão dela, vou contar um pouco o meu lado. Meu nome é Maria Gabriela Tavares Costa Mendes, mas todos me chamam de Gabi. Gabi Mendes. Atualmente estou com 24 anos, e sou formada em Direito. Chegar até aqui não foi fácil, mas tive muita ajuda e apoio da família. Tive uma infância isolada, apesar da minha familia grande, eu não tinha com quem brincar na maioria das vezes e os colegas da escola muito me rejeitavam e eu nem sabia o porquê. Mas não deixei de ter uma infância normal.

Porém, eu sempre tive muita dificuldade pra ver TV, filmes, desenhos e novelas, não sabia nomes de personagens (a não ser que me dissessem) e também nem perguntava, e também não sabia que contavam uma história, mas esse fato só veio a me impactar depois de adolescente/adulta. Fui perceber que tinha histórias e coisas que faziam sentido. Eu só achava que os bonecos se mexiam pra lá e pra cá e pronto. Essa era a minha visão. Gestos e movimentos faziam meu filme e desenho, pois eu criava a história na minha cabeça e ficava por isso mesmo.

Depois que aprendi a ler e a ter acesso a legendas em filmes, melhorou muito minha vida. E closed captions, e tudo mais. Tenho muita dificuldade de assistir qualquer coisa que não tenha legenda. Qualquer coisa mesmo, mas não era como na minha infância. Hoje forço muito mais a audição pra entender quando não tem algo pra ler. Quando saio, se tiver muitas pessoas e barulho, fico isolada do mesmo jeito. Não consigo conversar. Durante as aulas eu procurava sentar sempre na frente, e sempre fui muito estudiosa. Tenho facilidade de ler e decorar. Nunca tive dificuldade nas escolas ou na faculdade, e cursos em geral.

Não me adaptei aos aparelhos auditivos pois não vejo tanta diferença quando ouço com eles. Não que não tenha diferença, mas o meu ganho com ele é pouco. Além de que, ele coça muito, faz cera no meu ouvido, tenho que tirar e colocar o tempo todo porque incomoda muito o molde, a borrachinha. E as vezes eu sinto que ele não está funcionando. Não sei nem explicar, convivo melhor sem ele, ja que minha deficiência é pouca nesse sentido, por possuir todos os graves e apenas 20% de audição nos agudos.

Sempre tive uma vida normal, a deficiência afetou a minha fala, e sou muito tímida no quesito falar, porque todos perguntam se eu tenho língua presa, e realmente é muito chato ter que explicar que tenho deficiência auditiva, porque não acreditam justamente porque eu falo…”AAAAh como assim? mas você fala

Quando eu não entendo e peço pra alguém repetir: ‘Por que não está de aparelho? Se  estivesse com ele, você ouviria o que falei’. ODEIO quando falam isso pra mim.

Então eu sempre evito falar com as pessoas, a não ser que seja família ou amigos de muito tempo. Áudio no Whatsapp? Nunca! Acho que evidencia as falhas da minha voz. E detesto quando mandam audio por preguiça de digitar. Especialmente pra mim. Acho uma falta de respeito, quando sabem que tenho deficiencia auditiva.

Sou uma pessoa extremamente normal. Tenho amigos, dirijo, estudo, estou estudando pra OAB, gosto muito de dançar Just Dance, sou passista de frevo, fiz aula de piano/teclado, sou cosplayer, gosto de desenhar muito e de pintar, cozinhar, sempre faço muitos doces (pros outros rs) resumindo: tenho uma vida muito feliz. A minha família é tudo e só tenho a agradecer ao apoio e incentivo deles.’

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

7 Comments

  • Lucas silveira
    11/04/2016 at 09:20

    Parabéns Gabi, Sucessos!!!!

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  • Gabi Mendes
    08/04/2016 at 01:09

    Obrigada minha gente!
    Gisele, eu conheço a Zumba sim e acho muito massa!
    Gerson, depois quero ler a sua historia também, se puder disponibilizar aqui depois será ótimo!
    Juarez, é isso mesmo! Vivendo e se adaptando!

    Reply
  • Victor Maciel Cascaes
    08/04/2016 at 00:54

    Estou muito comovido pela história da Gabi e da colega Paula . Tenho uma história de vida de surdez pré lingual . Minha mãe com 7 meses de gravidez tomou um susto ao deparar com um ladrão que entrou pela janela do quarto e fez com que ela tenha uma pequena contração e sangramento e felizmente nasci, 2 meses depois, em junho de 1971 num hospital de Belém do Pará com apgar normal . No passar dos anos minha mãe percebeu que não falava e dormia muito sem reação com barulho ao seu redor fazendo com ela desconfiasse somente 4 anos depois que tinha algum grau de surdez e assim procurou otorrinolaringologista e na audiometria constatou surdez neurosensorial bilateral severa congênita .
    Assim começa a luta da minha genitora de que como pedagoga e juntamente com meu pai professor de matemática buscar meios pra melhorar a qualidade auditiva que na época era muito precário e ainda mais na região norte e sendo assim viajamos para Brasília,pois não tínhamos recursos pra viajar pra São Paulo, e fomos ao especialista que orientou uso de amplificador sonoro individual em q na época era pesada e muito ruído.
    Fui matriculado em colégio de surdez e mudez Felippe Smaldoni pois só comecei a falar com 7 anos de idade . Não conformada me matriculou tb em colégio público normal vinculado à universidade federal do Pará pra desde já perceber a diferença do mundo real e do imaginário . O investimento valeu a pena pois ganhei segurança e amadurecimento de enfrentar a realidade de uma escola pública e saísse de uma escola imaginária de surdez e mudez.
    Tive que adaptar e superar adversidades e com ajuda de colegas de turma intelectuais e professores fez tornar a tarefa mais fácil.
    Procurei passar de ano com o os seguintes meios:
    1- sentava sempre na frente e perto do professor orientando falar de frente devido leitura oro labial
    2-pedia pros amigos anotasse até a vírgula pra que pudesse copiar depois no meu caderno.Lembre q só o fato de escrever e ler faz parte do aprendizado e assim desenvolvi alta capacidade de decorar
    3-estudava com os amigos sem atrasar matérias
    4-exigia aos professores macetes(meu carro chefe)
    5- estudava de madrugada com meus pais (professores) pois de dia eles trabalhavam e só chegavam de noite
    6- Faltar aula era um suicidio,nunca
    7- cumpria rigorosamente as tarefas entre outras.
    Chegou o tempo do vestibular e graça a Deus sem atraso de séries mas ninguém acreditava que poderia passar e muito menos em medicina que sempre foi minha meta.Tive muita sorte que o modelo ,somente deste ano, foi dividido em duas etapas :1-conhecimentos gerais em que tinha o peso maior e 2- específicos .Sendo assim como excelente decorador vi através desta a chance de passar no vestibular estudando muito conhecimentos gerais para que possa no específico dar tranquilidade de tirar um pouco mais que o mínimo pra tentar passar.Na primeira etapa cumprir o planejado e ficando em 5 lugar geral na universidade federal do Pará e na segunda etapa , no sufoco, fiz uma razoável prova mas com receio de não conseguir passar.Um mês depois saiu o resultado e fui agraciado pela aprovação e em 19 lugar em medicina.
    E agora,MEDICINA pra surdo,Cruelll.Senti no primeiro simestre a tremenda dificuldade de entender e compreender as aulas a jato .
    Até q de repente levei uma ” flechada no coração ” por uma colega de turma até então nem sabia que estava medicina e muito menos que era da minha turma. Então conheci 2 fatos novos com 17 anos de idade ser universitário e ter uma namorada .
    Tratei logo de me apresentar e com ajuda de amigos consegui o primeiro beijo na minha vida . Fiquei muito preocupado que ela pudesse estar comigo por pena mas no decorrer do tempo percebi o quanto me amava.
    Assim tratei de fazer uma nova maneira de conseguir tentar me formar em seis anos sem atraso no curso de medicina.O macete e o decoreba continua mas descobri que tinha um tesouro na minha mão que é a minha namorada na qual tinha QI excepcional e então ,esperto, tratei de apenas prestar atenção nas aulas e estudava apaixonadamente com ela me dando dicas preciosas.
    Consegui com muito esforço e dedicação a formatura em seis anos .
    Na festa de formatura aproveitei o ambiente feliz do grupo e economias pra não fazer festa particular o pedido de casamento e foi aceito prontamente por ela e seus pais.
    Entrei no serviço militar(exército) e sabia q não podia devido à minha deficiência mas queria mesmo assim conhecer esta carreira e sendo assim omitir as audiometrias dando um resultado excelente e adentrei nesta aventura.Foi muito difícil pois minha futura esposa passou na residência em São Paulo e tive q cumprir 1 ano de serviço militar .
    Durante dois meses , sem aparelhos auditivos e com potente leitura orolabial , fui eleito o segundo melhor “soldado” da área de saúde e isso fez com que acreditasse q tudo na vida seria capaz de quebrar paredes de adversidades.Infelizmente ou felizmente, durante a boina na tarefa tiro ao alvo em q fica entre duas paredes e abafador de ruído, fui traído por um pedido de cessar fogo em que não ouvi , fazendo com que continuasse a atirar levando perigo ao examinador de alvo,levando o tenente furioso de obrigar a ficar preso por dois dias no quarteirão militar e isso fez que somado com a saudade insuportável da minha patroa de declarar ao tenente que era surdo . Abriram procedimento disciplinar me dando excesso de contigencia e punição ao militar q fez a audiometria e ao tenente.Que estrago.
    Assim corri atrás da minha amada em São Paulo e até então vivia no braços da proteção do meus pais.Comecei a aprender a se virar sozinho fazendo comida,passando roupa,varrendo e limpando louças entre outras coisas . Comecei a dar plantão em alguns hospitais mas sempre com ela no meu lado por insegurança normal e previsto da deficiência.
    Tive que estudar pra residência de otorrinolaringologia que também sempre foi meu sonho poder ajudar e entender o sofrimento dos surdos.Assim decorei o livro inteiro e não é que consegui passar em primeiro lugar no Brasil inteiro e isso levo com muito orgulho até o dia de hoje.
    Só reforçando que durante toda minha vida vinha sempre atualizando os aparelhos auditivos.
    Ainda tem muitas histórias pra relatar e mais muitas mesmo.Caso gostaram da minha verdadeira história, vocês pedem no comentário q continue a escrever pois por hoje e já meia noite é só.
    Beijos a todos e espero até breve.

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  • Isabela Jordão
    08/04/2016 at 00:00

    Oi Gabi! Parabéns pela sua trajetória! Me identifiquei com você em alguns momentos… especialmente o da “língua presa” (as pessoas costumam achar q estou usando aparelho dentário, kkk! Além disso elas sempre me perguntam se eu sou de outra cidade, devido ao meu “sotaque”! kkk! )
    Um grande beijo pra você!

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  • Juarez oliveira
    07/04/2016 at 21:49

    Gabi Mendes, antes de mais nada, adorei sua história, pois ela é a pura verdade.
    Também sou deficiente auditivo e convivo bem, aliás, nos adaptamos ao nosso jeito e percebemos a indiferença de alguns indivíduos mas vamos tocar nossas vidas,
    Abraço

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  • Gerson Amaral
    07/04/2016 at 11:32

    Gabi Mendes, sua história é bacana e você é persistente-Parabéns, também sou deficiente auditivo e minha esposa também, temos vida normal, tenho um artigo aqui no blog da Paula PFeifer contando minha história. Siu muito grato a Paula Pfeifer.

    Abs,
    Gerson Silva do Amaral.

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  • Gisele
    07/04/2016 at 10:30

    Bom dia, Gabi!
    Parabéns por sua história vencedora! Sou advogada, ouvinte e meu noivo é surdo. Leio histórias como a sua para aprender com pessoas como você. Estou consciente que preciso me adaptar ao meu noivo (não ouve nada sem os IC).
    Continue dedicada a sua carreira, lute pelos direitos!
    Se você gosta de Just Dance e é passista de frevo, acho que vai curtir Zumba, muito comum em academias. Os professores costumam ser atenciosos, com uma alegria inesgotável que contagia a turma. Depois de alguma atividade divertida, você sai mais animada, leve, de bem com a vida, grata por tudo que funciona…
    Que ótimo que você reconhece a vida feliz que tem!
    Felicidades! Sucesso!
    Abraços

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