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Relatos de Pessoas com Deficiência Auditiva / Deficiência Auditiva

A história da Daiane: surda oralizada e estudante de Direito

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Perdi a audição com 5 anos de idade quando tive meningite, tive perda auditiva sensorioneural, mas sou surda oralizada, não tive problemas com a voz, nem me adaptei à Libras, aprendi só o básico. Perceberam minha deficiência assim que passei a usar os famosos “hã” e não respondia quando era chamada ou nunca entendia a TV (até hoje tenho dificuldades com a TV, vejo TUDO legendado, se não tem legenda eu não olho.) ou alguém falando comigo. Minha perda não foi muito profunda, eu ainda ouvia barulhos, dependendo do quão alto, ouvia a voz das pessoas que estavam perto de mim, mas tinham que estar literalmente no meu lado. Mas mesmo assim, não entendia NADA, só os barulhinhos mesmo. Isso era um problema de fato pois eu não entendia NADA mesmo. Passei a ir na fonoaudióloga  onde comecei a fazer leitura labial, fui me adaptando com isso aos poucos e não foi fácil, ainda mais para meus pais, que não podiam pagar o aparelho auditivo e fiquei um bom tempo somente com a leitura labial, não foi um problema pois eu me saia muito bem com isso.

Não tive problemas na escola por MUUUITA sorte, passei a ter mais atenção, passei a fazer aulas particulares, eu lidei tanto bem com isso no começo, me esforcei e me puxei o máximo que pude, eu era somente uma criança, muitas vezes de fato crianças são mais fortes do que adolescentes e adultos quando se trata de obstáculos, foi um tanto quanto uma conquista eu ter conseguido completar o fundamental e o médio em 2013. Claro que tive algumas dificuldades com o passar do tempo, mas eu corri o quanto pude atrás do que queria.  Por um tempo eu ia somente com a ajuda da leitura labial, até a 3° série, quando ganhei os aparelhos auditivos que meus pais tanto estavam lutando pra me dar, pois não tinham dinheiro para conseguir tão rápido.

Mas não pensem que não sofri na escola, eu sofri, piadinhas, preconceito, bullying, gente que não sabe o que fala, até alguns professores eram ruins comigo, eu tive depressão em certa fase, parei de usar o aparelho por vergonha, não queria mais ir à escola, as pessoas de fato começaram a ser ridículas comigo, eu ignorava o máximo que podia por mais que era difícil, me isolava, chorava, ficava muito atenta em volta das pessoas com medo de soltarem algum argumento ofensivo. Mas meus pais nunca me deixaram perder o foco, sempre foram muito parceiros, me ajudaram em tudo o que precisei, tive tratamentos, fonoaudiologia, ajuda de conselheira na escola, sempre que precisava falava com ela.

Eu me formei no ensino fundamental o que foi uma surpresa e tanto eu ter chegado até ali – eu tinha parado de usar os aparelhos auditivos, não queria usa-los pois tinha muuita vergonha. Mas me puxava pra me comunicar sem eles, não era difícil com leitura labial, única coisa que me faz entender, sem isso eu não entendo absolutamente NADA, as pessoas ficavam constrangidas comigo olhando fixamente pra boca delas, era um mico quando era com meninos, até soltavam uns comentários tipo “Tu ta querendo me beijar Daiane?” Nooooosssa, eu morria de vergonha disso também, ai explicava pra pessoa o motivo disso.

Muita gente até hoje me pergunta da experiência com isso, eu não tenho vergonha de falar, explico, cutuco a pessoa quando não fala olhando pra mim e falo, ”por favor, pode falar de novo mas olhando pra mim?” com amigos na maioria das vezes porque ‘esqueciam’ que eu não ouvia. Ou então falavam algo do tipo “tu ouviu isso, OPA ESQUECI QUE TU É SURDA”. Isso deixa a pessoa com uma cara de tacho. Não era legal.

Com o tempo na escola e com a ajuda, com o amor que eu recebia em casa os preconceitos e ofensas passaram a não me atingir muito, só às vezes, sempre tem uma recaída. Assim que fui para o ensino médio eu mudei de escola, pois mudei de cidade também, ai tive que passar por todo aquele processo de explicação de como lidar com meu problema para a turma e professores de novo. O ensino fundamental e o médio foram concluídos em escola pública, coisa que ninguém achou que eu seria capaz, nem mesmo meus pais, passou a confiar assim que eu entrei no médio. Na outra escola também tive problemas com piadinhas, mas MUUUITO pior, mas pelas costas, como eu não estava usando o aparelho eu nem ouvia, minha colega me contava depois e no fim eu nem dava muita bola.

Sabia que eu estava ali pela minha conquista, por quem tava comigo, não pra aturar desaforo, eu tenho um pensamento forte, um conceito de amor próprio, e é do que todos deficientes precisam, a confiança em si é muito maior do que as pessoas que tentam te derrubar, mas pensem comigo, se elas fossem tão felizes com a vida delas porque iriam encher o saco dos outros? E quando eu pegava as piadinhas sem querer olhando pra pessoa na hora que ela falou, eu só encarava a pessoa bem séria, não falava nada e virava a cara. No fundamental eu me deprimia, chorava,  me abalava, mas aprendi que isso não te faz mal algum se você por na sua cabeça que fala quem quer, mas agora se pergunta “o que essa pessoa ta falando? Ela nem me conhece, as pessoas que me conhecem me tratam como uma pessoa normal, tem paciência pra lidar comigo”.

Eu não usava o aparelho, pois tinha vergonha, mesmo que eu era muito “bola pra frente” eu tinha muita vergonha dele, não sei por que exatamente, não gostava daquela coisa grande, feia e barulhenta no meu ouvido coçando, na maioria das vezes quando conhecia uma pessoa nova não falava pra ela da deficiência, só falava depois, mas beeeem depois. Voltei a usa-lo no 2° ano do médio de vez em quando, levei broncas da minha fonoaudióloga por não usar diariamente, mas não adiantava, eu não queria. Minha mãe não insistia mais pra que eu usasse o aparelho, de certa forma eu ia bem com ou sem ele. Passei a ser considerada uma pessoa normal em casa, mas na escola nem tanto.

De tempo em tempo as piadinhas nunca paravam, rolavam até boatos idiotas que eu “me fazia de surda” como se fosse possível, porque alguém iria falsificar uma deficiência auditiva? E outra hora me chamava de surda essas coisas, foi ai que minha amiga me falou “não te abala Dai, tu sabe que não deve mesmo, eles só estão tentando chamar tua atenção”, não tive problemas quanto a relação amorosa, comecei a namorar no 1° ano e ele nunca teve problemas com minha deficiência, pra ele “nem parecia que eu tinha perda auditiva”, pois quando se acostuma comigo, tudo fica muuuito normal. Meus médicos falaram que eu não preciso do IC, eu me adapto muito bem com o aparelho auditivo.

E foi tudo isso, me transformou no que eu sou hoje, me formei no médio, nuuuunca repeti de ano, tive muita ajuda, muito carinho, muita atenção e admiração, o que me fez forte pra continuar seguindo. Hoje tenho 18 anos de idade, sou assistente operacional na Stemac, uma grande empresa de grupos geradores, estudante de Direito na Universidade Uniritter, cheguei até aqui pra olhar pra trás e ver que as ofensas e os julgamentos que eram jogados pra tentar me atingir só me deixaram mais fortes, hoje uso o aparelho sem vergonha, sem problema, o que ta melhorando MUITO as coisas, quase não uso mais a leitura labial. Só um pouquinho porque ela sempre foi minha melhor amiga, aprendi que o aparelho só iria me ajudar cada vez mais, que se eu não usasse minha audição poderia piorar então voltei a usa-lo.

A deficiência auditiva hoje em dia é um orgulho que me trouxe até aqui com muito esforço. E venho aqui  falar pra vocês que não vale a pena desistir de objetivos por opinião alheia, cabe a você querer uma coisa, correndo atrás você consegue ser e ter o que quiser.

Beijos com muito amor, Daiane.

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

8 Comments

  • Jacyra
    16/03/2016 at 14:27

    Adorei sua história! O meu caso foi mais ou menos assim, também tive meningite aos 5 anos q ocasionou a perda auditiva Bilateral, uso aparelho nos 2 ouvidos o que foi tambem muito dificil, por ter vergonha e tambem pela adaptação, maa graças a Deus e ao apoio da minha família hj tenho realizado meu sonho profissional! Sou nutricionista , passei em 3 concursos na minha área e a perda auditiva so tem me tornado mais forte e uma pessoa melhor a cada dia! Abraços

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    • Antonio Osmilton Lopes da Costa
      06/07/2016 at 16:49

      Jacyra, sou presidente de uma associação de profissionais e estamos selecionando nutricionista surda para atender comunidades de pessoas surdas, tendo interesse segue nosso contato:

      email: associappluto@yahoo.com

      Desde ja agradeço e fico aquardando seu contato, Antonio.

      Reply
  • Nazle
    04/01/2015 at 02:40

    Daiane, tudo bem?
    Gostei muito da sua história, sou da também e tenho até um depoimento aqui no blog que chama “o que eu aprendi com a surdez”. Gostaria de manter contato para trocarmos experiência, gostei da parte da sua leitura labial foda, também me viro com a minha hahah
    enfim esta aqui meu email se quiser (nazle_leite@hotmail.com)
    PArabéns pela sua determinação!

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  • Zenaide de Faveri Vicente
    25/12/2014 at 15:03

    Parabéns e Sucesso, Daiane!

    Reply
  • Gi
    23/12/2014 at 22:44

    Daiane

    Parabéns pelas vitórias que você já conquistou. Com certeza, outras estão por vir.
    Você está certa: é necessário ter autoconfiança, coisa que nem todos têm. O fato é que algumas pessoas podem se sentir bem em encontrar aspectos que nos deixem preocupados, deprimidos. Isto os torna “superiores”. Mera impressão. Superior é você, que com suas características individuais, compete de igual para igual, sem dever nada a ninguém.
    Continue firme e forte!
    Felicidades! Tenha um excelente fim de ano e um 2015 digno de vencedora que você é!
    Um abraço

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  • Janise
    23/12/2014 at 17:43

    Parabéns, Dayane. Lute mesmo pelo que quer e seja feliz!!! Infelizmente, nós iremos encontrar preconceitos por termos esta deficiência, mas podemos ultrapassar um monte de barreiras, se quisermos, claro! Vá em frente, você tem tudo para vencer sempre! Um abraço.

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  • Anita Gonçalves
    23/12/2014 at 09:02

    Daiane,

    Parabéns!

    Você é um exemplo para todos nós.
    Tenho deficiência auditiva neurossensorial severa a profunda, identifiquei-me muito com a sua história, é impressionante a sua força, coragem e determinação.
    Sucesso para você.
    Felicidades!
    Um beijo.

    Anita

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  • sonia
    22/12/2014 at 12:09

    Nossa!!!! Tiro o meu chapéu pra elaaa!!!!!!!! Vencedora!!! Voce merece o melhor de tudooo!!!!!! Te admiroo pra caramba!!! Bjs e Siga sempre nem frente, lutando pelo seu ideal sem nunca jamais desistir!!!! A mei! Parabéns!!!

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