Como a Surdez Não Tratada PREJUDICA o Cérebro Humano

Você já deve ter ouvido a frase: quem ouve é o cérebro — e ela é completamente verdadeira. Embora o som entre pelos ouvidos, é o cérebro quem interpreta, compreende e dá significado ao que escutamos. Quando uma pessoa perde a audição e não trata a surdez, o impacto vai muito além do silêncio: o cérebro também muda, e essas transformações podem afetar memória, linguagem, atenção e até aumentar significativamente o risco de doenças neurodegenerativas.

Neste artigo, você vai entender como a surdez não tratada afeta o cérebro humano, o que é a plasticidade cerebral, e por que estimular o sistema auditivo precocemente é fundamental para preservar a saúde mental e cognitiva.

? Como a surdez não tratada prejudica o cérebro

O sistema auditivo funciona como uma estrada que liga o ouvido ao cérebro. Essa via auditiva começa na orelha externa, passa pelo ouvido médio e interno, e termina no córtex auditivo, localizado nos lobos temporais do cérebro. É lá que os impulsos elétricos enviados pelos ouvidos são traduzidos em sons compreensíveis — a voz de alguém querido, o canto de um pássaro, o barulho da chuva. Quando ocorre uma falha em qualquer ponto dessa estrada, o sinal chega enfraquecido ou distorcido ao cérebro. E, sem estímulo adequado, as áreas auditivas cerebrais começam a se reorganizar.

? O que é plasticidade cerebral e como ela se relaciona à surdez

A plasticidade cerebral é a capacidade do cérebro de se adaptar e reorganizar suas conexões ao longo da vida.
Essa flexibilidade é incrível — é o que nos permite aprender, nos recuperar de lesões e até reprogramar funções perdidas.

Mas essa mesma plasticidade pode ter dois lados:

  • Positivo, quando o cérebro recebe estímulos e forma novas conexões;
  • Negativo, quando há privação sensorial, como ocorre na surdez não tratada.

Sem estímulos sonoros, as áreas do cérebro responsáveis pela audição perdem função, e outras regiões (como as visuais ou táteis) passam a ocupar esse espaço.
Esse processo é conhecido como reorganização cortical — o cérebro “recicla” áreas ociosas para outras funções.

O resultado? Mesmo que a audição seja restabelecida no futuro com aparelhos auditivos ou implantes cocleares, o cérebro pode ter dificuldade em reaprender a ouvir. Por isso, quanto mais tempo a surdez fica sem tratamento, maior o esforço cerebral e menor o desempenho auditivo posterior.

? A surdez e as funções cognitivas do cérebro

O impacto da surdez não tratada vai além da audição. Pesquisas mostram que a privação sonora altera as chamadas funções executivas do cérebro, localizadas no córtex pré-frontal — a “diretoria” responsável por:

  • Planejamento e tomada de decisão;
  • Controle emocional e atenção;
  • Flexibilidade mental e memória de trabalho.

Essas habilidades são fundamentais para o aprendizado, o convívio social e o desempenho profissional. Estudos realizados em crianças surdas demonstraram que, mesmo após o uso de implantes cocleares, algumas funções executivas podem permanecer prejudicadas, especialmente quando o tratamento é iniciado tardiamente.

Já em adultos e idosos, a perda auditiva não tratada está associada a maior risco de declínio cognitivo e demência, incluindo Alzheimer. O cérebro “economiza energia” ao não processar sons, mas paga um preço alto: perde eficiência em outras tarefas mentais.

? O cérebro que “desaprende” a ouvir

Quando o córtex auditivo deixa de receber estímulos por tempo prolongado, ele literalmente atrofia. As sinapses — conexões entre neurônios — diminuem, e parte da estrutura cerebral se encolhe. Essa redução é observada em exames de imagem e se manifesta em dificuldades de:

  • Entender a fala, especialmente em ambientes com ruído;
  • Diferenciar sons semelhantes;
  • Manter a atenção durante conversas;
  • Compreender a linguagem oral.

Ou seja: o ouvido pode até voltar a captar sons com o uso de aparelhos auditivos, mas o cérebro demora para reaprender a interpretá-los. É por isso que a adaptação com AASI (Aparelho de Amplificação Sonora Individual) ou implante coclear exige paciência, treino auditivo e acompanhamento fonoaudiológico.

? A reabilitação auditiva e a plasticidade positiva

A boa notícia é que o cérebro também pode se regenerar. Quando o estímulo sonoro é restabelecido — seja por meio de aparelhos auditivos ou implantes cocleares —, as áreas auditivas voltam a ser ativadas, e o processo de plasticidade atua de forma positiva. Nos primeiros meses de reabilitação, o cérebro passa por uma verdadeira “reconstrução neural”:

  • Produz novos fatores de crescimento nervoso;
  • Reativa sinapses adormecidas;
  • Cria novas conexões entre neurônios.

Esse processo é gradual, e pode durar meses ou anos, dependendo de três fatores principais:

  1. Ajuste preciso dos aparelhos auditivos ou implantes;
  2. Motivação e envolvimento do paciente em terapias auditivas e fonoaudiologia;
  3. Tempo e consistência no uso dos dispositivos.

Com o estímulo contínuo, o cérebro recupera a capacidade de discriminar sons, compreender palavras e até restabelecer funções cognitivas prejudicadas.

? A importância da comunidade e do apoio emocional

Tratar a surdez não é apenas colocar um aparelho, mas sim é reconstruir a conexão entre o som e o seu significado. E essa jornada é muito mais leve quando é feita em comunidade.

O Clube dos Surdos Que Ouvem, criado pela escritora surda que ouve Paula Pfeifer, é um espaço criado para acolher, educar e orientar pessoas com perda auditiva. Ali, os membros compartilham experiências reais, aprendem sobre cuidados com os aparelhos e recebem apoio emocional e prático para enfrentar os desafios da reabilitação.

A sensação de pertencimento e o aprendizado coletivo ajudam o cérebro a se manter motivado e estimulado — um fator essencial para o sucesso da reabilitação auditiva.

?? Cuidar da audição é cuidar do cérebro

A ciência é clara: a surdez não tratada acelera o envelhecimento cerebral. Mas também é verdade que a reabilitação auditiva pode reverter parte desses efeitos, restaurando conexões e preservando a mente ativa. Tratar a surdez é um ato de autocuidado profundo — não apenas para ouvir, mas para pensar melhor, lembrar mais, viver com mais autonomia, conexão e independência. Saúde auditiva é saúde cerebral.

Então, se você ou alguém que ama enfrenta perda auditiva, não adie o tratamento. Procure um otorrino especialista em surdez, participe do Clube dos Surdos Que Ouvem, e descubra como ouvir bem é uma das formas mais poderosas e eficientes de manter o cérebro sempre saudável, ativo e operante.

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