Meu nome é Jackeline Oliveira, sou fonoaudióloga e vou contar a história de uma mãe e seus dois filhos surdos que ouvem! Em outubro de 2008, eu me casei em Cafarnaum, no interior da Bahia. Queríamos ser pais e antes da união chegamos a fazer teste de compatibilidade sanguínea. Fui selecionada para uma bolsa de estudos integral pelo programa de Universidades do Governo Federal e aprovada para Fonoaudiologia. Fui estudar na capital Salvador e meu marido, Demany Amorim, ficou no interior.
Já nas matérias iniciais gostei do curso de Fonoaudiologia, mas achei muito difícil a atuação no meu interior. Resolvi pedir ajuda nesta decisão de continuar a uma professora de Audiologia/ reabilitação auditiva, Melaine Luz, que me mostrou a importância e a necessidade deste profissional. Resolvi ficar! Fui me apaixonando a cada matéria! Tirei meu primeiro 10 na prova sobre próteses e implante coclear, e mal sabia eu o que o futuro me reservava…
Amava a área de linguagem e terapia e foi ai que dediquei maior parte dos meus estudos. Como já estava finalizando e poderia retornar para casa, pensava que estava na hora de ter um filho. Decidimos tentar engravidar e lembro de apresentar meu TCC com três meses de gravidez. Eu era a primeira fonoaudióloga da família e também da cidade na qual eu morava.
Meus filhos são surdos
O parto foi cesáreo, por indicação médica e tudo ocorreu dentro do esperado. Miguel Lorenzo nasceu dia 04/02/2014 era um bebê saudável e tudo estava correndo bem, com 30 dias fomos para a primeira consulta com o pediatra na cidade vizinha com mais recursos e aproveitamos para fazer o teste da orelhinha. No teste conversei com a colega fono e compartilhamos expectativas e experiências da profissão. O resultado deu falha, já era um primeiro alerta, mas sabíamos que isso poderia acontecer. Era preciso refazer o exame após 30 dias.
Após os 30 dias retornamos, fizemos consulta com pediatra, rotina de bebê recém nascido, vitaminas etc… Refizemos o teste da orelhinha com a fono, novamente deu falha e foi indicado o BERA. Mas naquele instante eu ainda achava muita coincidência. A cada 1.000 nascidos 3 são surdos, logo uma fonoaudióloga recém-formada ia descobrir que o filho era surdo? Como assim?
O tempo foi passando e a cada mês nova consulta com pediatra, tentava marcar o BERA, mas sempre era adiado (uma dia ele estava agitado, precisava estar dormindo, outro o parelho estava em manutenção, fui deixando de lado…confesso que errei). Comecei a trabalhar, meu filho se desenvolvia bem, minha mãe poderia ajudar e ficar com ele enquanto eu trabalhava. Fui contratada para prestação de serviço em um município 30 horas semanais e por uma Clínica de reabilitação auditiva. Logo também iniciei uma pós-graduação em linguagem em Salvador.
Nas aulas da pós comecei a associar o que aprendia com o atraso de fala e linguagem que meu filho com 7 meses já começava apresentar. Eu desconfiava de autismo, pois ele não dava atenção ao outro, não tinha iniciado o balbucio e era muito agitado, gritava quando contrariado. Até chegava a comentar isso nas aulas com alguns professores.
No dia das crianças de 2014 que nossos olhos começaram a se abrir. Minha mãe deu de presente ao meu filho um guarda-chuva com um apito e uma mini bateria. Era muito barulho…. e ele não esboçava reação, lembro de estar atendendo e minha mãe me ligou e disse “ele não reage, acho que ele não escuta bem”. Marquei no outro dia o exame do BERA agora na clínica que eu trabalhava, consegui um encaixe com minha colega especialista em audiologia Dr. Darly, a quem sou eternamente grata.
No outro dia fui trabalhar a agenda cheia e minha mãe estava com meu filho na sala de espera, fazendo ele dormir para iniciar o exame. Parei um intervalo e fomos para o exame, na hora da avaliação, pelo semblante da colega já via que o resultado não era bom. No final ela me disse que o resultado era compatível com surdez profunda bilateral, mas ia compartilhar o resultado com o médico e a fono para finalizar o laudo.
O chão faltou em baixo dos meus pés. Eu via e até atendia crianças com deficiência auditiva, mas nunca imaginava que meu filho fosse surdo. Foi uma mistura de sentimento de culpa com decepção. Como eu, uma fonoaudióloga, após tantas aulas, não desconfiei, como negligenciei o exame e só estava sabendo do diagnóstico aos 8 meses de idade? Eu só chorava, não tinha reação. Ali comçeva a fase de choque, negação, luto….só depois viria a reação. O otorrino Dr. Alexandre Leal, responsável pela clinica que eu trabalhava, foi um verdadeiro anjo em minha vida, junto com toda sua equipe. Me acolheu em sua sala, me explicou tudo o que poderia ser feito, me deu orientações e me ajudou no que foi possível para que os cuidados fossem agilizados. Só Deus para retribuir tudo o que fez por mim.
Continuei trabalhando por uns meses, mas como eu ia precisar de muitas viagens do interior para a capital não tinha como continuar trabalhando, com muito pesar tive que pedir para me substituírem nos atendimentos. Abri mão de um sonho.
Fui encaminhada para Otorrino especializado em Implante coclear em Salvador. O meu filho já estava com o aparelho auditivo, mas ele não dava nenhum ganho para sua audição. Fiz todos os exames necessários, corremos contra o tempo e sempre contamos com pessoas boas dispostas a ajudar. Solicitamos a cirurgia de implante bilateral pelo plano de saúde. O plano negou, não estava no seu rol de cobertura. Estávamos diante de uma difícil decisão: seguir lutando judicialmente com o plano e o tempo passando ou iniciar o processo pelo SUS do zero que nesta época só implantavam unilateral.
Fui pedir ajuda a quem saberia me falar dos prejuízos para linguagem na demora do implante. No fundo eu sabia, mas eu já não confiava na minha opinião como fono eu era agora só uma mãe em desespero como todas as outras. Fui atrás da minha professora especializada em fonoaudiologia educacional e reabilitação de surdos Melaine Luz aquela que no inicio da minha graduação me ajudou a permanecer na fonoaudiologia. Me acolheu novamente com carinho, para ela no momento um era melhor do que nenhum, para ele começar ouvir e desenvolver habilidades auditivas que até então ele estava se aproximando de um ano de idade no total silêncio.
No dia 24/03/2015 ele fez a primeira cirurgia, do lado direito com um ano e um mês de idade. 4 meses depois, fez a ativação do IC. Foi um momento de muita alegria, houve aquela reação impressionante ao som como nos vídeos que assistimos, mas sabíamos que agora se iniciava um mundo novo pra ele.
Assim começava a reabilitação auditiva do meu filho. Eu era a única fono da cidade até então, tentei leva-lo semanalmente para outra cidade, mas ele dormia, se irritava com a viagem, às vezes nem conseguimos fazer a sessão. Decidi reunir todo o conhecimento que eu tinha de estimulação auditiva e de linguagem com a supervisão das fonos especializadas e assumir essa missão eu mesma. Sei que não é o ideal, mas se o destino quis que eu fono tivesse um filho surdo, esse conhecimento era a única vantagem que eu tinha.
Ele auditivamente se desenvolvia muito bem, já reconhecia o próprio nome, detectava, discriminava e analisava sons. A fala sempre demorou um pouco mais, com dois anos já imitava os animais, imitava os sons do ling, chamou mamãe e papai pela primeira vez e surgiam novas palavras. No dia 26/05/2017 com 3 anos e 3 meses ele fez a cirurgia do lado esquerdo e um mês depois teve a ativação.
Notamos uma diferença enorme da audição bilateral, ele avançou muito na localização do som e na fala. Na escola sempre foi muito inteligente e esperto, acompanha sua turma sem dificuldades. O atraso na fala ainda é muito perceptível, mas após consulta com neuropediatra descobrimos que ele também tem apraxia de fala, que dificulta a organização na pronuncia das palavras, fora sua personalidade mais tímida mesmo.
Meu filho fez 4 anos e não sabíamos se a surdez dele era por questão genética. Na minha família havia um tio surdo, minha sogra tem perdas auditivas em algumas frequências, mas poderia ser outra causa. Eu queria ter outro filho e esta decisão surgiu na fila de espera do centro de reabilitação esperando para fazer um novo mapeamento do IC. Um jovem estava esperando sozinho e seu implante coclear estava com defeito. A recepção chamou seu nome diversas vezes e ele não ouvia. Após um tempo a recepcionista veio através de gestos chamar sua atenção. Fiquei aflita e imaginei Lorenzo nesta situação. E se eu já não tivesse mais ali, quem poderia acompanhá-lo para não deixar ele sem ouvir num ambiente todo sonoro? Falei com meu esposo na hora e ele perguntou: “e se o outro filho for surdo também?” . Respondi: “quando um estiver com o aparelho quebrado, o outro estará com um funcionando para ajudar!”.
Estava decidido: mesmo que nascesse novamente surdo eu queria outro filho. O médico até cogitou fazermos mapeamento genético, mas isso não mudaria nada. Engravidei e esperei pra ver! Nas minhas orações eu pedia muito para que o bebê nascesse ouvindo, não por preconceito, mas por saber o longo caminho que percorremos para o primeiro filho poder escutar. Não sei se eu teria forças para passar por tudo de novo.
No dia 11/06/2018 tive uma menina linda chamada Laura Jasmine, uma gravidez muito monitorada, pois não queria ter contato com agentes que pudessem ser a causa da surdez de Lorenzo nesta gestação. Minha colega de profissão, amiga e comadre Fono Joélia Silva, veio na minha casa visitar minha bebê e já pedi pra ela trazer o aparelho para fazer o teste da orelhinha. Laura tinha 5 dias apenas. Na hora do exame, aquela tensão e… falha novamente. Na hora eu já sabia o que estava por vir. Fui logo para o BERA quando ela completou 30 dias de nascida. Fui fazer em salvador, pois sabia que se houvesse algo errado, lá já iniciávamos uma nova jornada. Novamente pedi ajuda de outra professora audiologista Rafaela Rosa, que foi minha força neste novo processo. Ela me indicou a fono para realizar o exame.
Na hora dos exames estávamos eu e meu esposo paralisados, o som do aparelho até a gente escutava e Laura não esboçava reação, continuava dormindo tranquilamente. O exame BERA também deu compatível com perda sensorioneural profunda. Saímos do exame desta vez diferente do que saímos com Miguel: a gente já esperava que isso poderia acontecer, mas o resto de esperança no nosso coração se esvaziou e ficou um nada absurdo, um vazio, não nos falamos, não nos olhamos…
Resolvemos voltar para casa, inertes percorremos 450 km até chegarmos em casa, sem um olhar para o outro, sem dar uma palavra, havia uma choro engasgado. Só quando chegamos em casa cada um foi para o colo da sua mãe e choramos até findar as lágrimas. Ia começar tudo de novo.
O tempo foi passando. Quando eu brincava com ela percebia que havia algo diferente, ela respondia aos sons, ela estava iniciando o balbucio. Ficava atormentada, na dúvida, será mesmo que ela não escutava. Após um tempo de tratamento refizemos o BERA com resultado de perda auditiva sensorioneural moderada bilateral. Laura começaria a usar aparelho auditivo e este daria um ganho de verdade pra ela. Veio a pandemia e tudo atrasou, molde, teste, protetização, o tempo passava e ela, desenvolvia audição e linguagem, mas também com sinais de atraso. TV no volume máximo, muito “hãn”, “o que?”, trocas na fala. Mas foi totalmente diferente do meu primeiro filho em termos de evolução.
Neste período descobri um câncer de estômago. Eu tinha gastrite que piorava com nervoso e ansiedade, acho que nestes últimos anos foi o que eu mais passei, sem contar que perdi meu pai um ano após Lorenzo implantar, ele era a pessoa que me ajudava a não desistir. Não havia outro tratamento ao não ser retirar o estômago completamente. Fiz gastrectomia total, não precisei fazer quimioterapia, mas passei dois anos só cuidando da minha saúde e recuperação, confesso que deixei a audição das crianças em segundo plano e fui aguardando o curso normal das consultas e exames. Graças a Deus deu tudo certo, estou viva e isso que importa.
Após recuperada e Laura com 4 anos de idade, fomos atrás do aparelho auditivo. Fui ao centro auditivo que eu trabalhava e conseguimos emprestado um par de AASI para Laura se adaptar até que eu pudesse comprar um ou receber pelo SUS. Juntei tudo o que eu tinha, pedi ajuda da minha mãe e meu irmão e compramos aparelhos auditivos modernos para a Laura. Hoje ela está bem adaptada, usa e ama os seus “PaPaPas”, fez 5 aninhos recentemente, fala pelos cotovelos, está começado a ler as primeiras sílabas – com menos confusão e trocas de sons, porque agora o aparelho faz uma diferença enorme na sua vida.
Ainda estamos em processo de reabilitação, mas enxergamos já muito sucesso pela frente. Sou muito grata e feliz pelos filhos que Deus me deu e não tenho palavras para agradecer a todos os médicos, fonoaudiólogos, técnicos e profissionais de saúde que dedicam sua vida a estudar sobre audição e reabilitação para ajudar crianças e adultos a recuperar um sentido tão essencial para convivência em comunidade.
Meus filhos são surdos que ouvem! Graças a Deus, à medicina, à fonoaudiologia e à tecnologia! Eles fazem comigo curso de Libras para apreender uma segunda língua, mas amam ouvir, adoram interagir e conversar com os colegas.
Eu fui a primeira fono da cidade e Miguel o primeiro implantado nascido aqui. Hoje ele tem 9 anos e já temos novas crianças que usam implante coclear por aqui.
Tenho meu consultório na cidade, hoje já tenho uma colega conterrânea Taise Pereira que trabalha comigo e me ajuda bastante também na discussão dos casos dos meus filhos.
Agradeço pelo espaço da Paula para contar a história dos meus filhos surdos no Crônicas da Surdez, que tanto me ajudou nas horas mais difíceis, me acompanhou em toda jornada, sempre que eu tinha dúvidas e medos vinha ler aqui os conteúdos e depoimentos que me davam força para continuar e ter fé que tudo ia ficar bem.
A todos que eu citei neste resumo, e a todos que contribuíram e não pude citar os nomes, aqueles que contribuíram direta ou indiretamente, recebam meu carinho e meus aplausos. Obrigada a todos de coração!
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OS ERROS QUE EU JÁ COMETI ao comprar aparelho auditivo
Eu já passei pela saga da compra de aparelhos auditivos várias vezes. Já fui convencida a me endividar para comprar um aparelho auditivo “discreto e invisível” que sequer atendia a minha surdez. Já fui enganada ao levar um aparelho auditivo para o conserto na loja onde o comprei: a fonoaudióloga disse que ele não servia mais para mim sem sequer verificá-lo ou fazer uma nova audiometria. Já quase caí no conto do vigário de gastar uma fortuna num aparelho auditivo para surdez profunda “top de linha”, cujos recursos eu jamais poderia aproveitar devido à gravidade da minha surdez. Já fui pressionada a comprar um aparelho auditivo porque supostamente a “promoção imperdível” duraria apenas até o dia seguinte. E também quase cometi a burrada de comprar um aparelho de surdez que já estava quase saindo de linha por causa de um desconto estratosférico.
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