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Relatos de Pessoas com Deficiência Auditiva / Deficiência Auditiva / Implante Coclear

A história da Keila: da deficiência auditiva ao IC

‘Sou Keila, tenho 28 anos sou nascida em Minas, criada no Rio de Janeiro na baixada (Cachoeiras de Macacu) até os 12 anos e interior (Bom Jardim) até os 24 anos quando decidi vir para São Paulo em Junho de 2011. Gosto de explicar esse meu lado cigana (risos).

A descoberta da minha perda auditiva foi aos nove anos de idade, não lembro por que motivo meu pai já falecido me levou à uma fonoaudióloga e fiz testes de repetir palavras apenas, na época 1990 e alguma coisa, disseram que  deveria esperar minha fase adulta para pôr aparelho porque eu iria crescer e seria caro trocar sempre o aparelho enquanto eu ia crescendo e minha orelha também. Aos 15 ou 17 anos de idade, enfim pela Prefeitura de Bom Jardim consegui fazer exames para fazer aparelho de graça lá em Natividade, uma cidade do interior do Rio de Janeiro, já ouviram falar? Chama se PROASA. Não me adaptei, era intra-canal e eu ouvia os cachorros da vizinhança, as panelas na cozinha, os caros na rua, mas minha mãe falando não entendia. Hoje vejo que talvez com perseverança iria ajudar mas na época achei que era só colocar e ouvir como todo mundo.

Como me virava bem com o pouco de audição que tenho na orelha esquerda fiquei por isso mesmo. Eu sempre quis mais da vida como todo adolescente, queria ir sempre à balada bem vestida, queria as melhores bebidas, queria viajar fim de semana e meu salário de costureira não dava e estava prejudicando mais ainda minha audição. Procurei emprego em outras áreas e por conta da deficiência auditiva as portas iam se fechando, até que consegui um vaga de auxiliar administrativo. Era muito elogiada conheci e trabalhei com vários departamentos, mas eu queria ser promovida já que ia bem e por conta da deficiência aquele era meu limite como eles diziam.  Então eu me recusei a aceitar e comecei a procurar vagas de emprego em São Paulo. Recebi uma ligação para entrevista e achava que era só isso e estava empregada. Disse que estaria em São Paulo dentro de uma semana, larguei tudo, família, emprego e fui com o dinheiro da rescisão de R$700,00 no bolso.

Fiz a entrevista passei precisava de laudo médico comprovando a deficiência, como não tinha e não sabia disso, perdi a vaga fiquei e fiquei seis meses desempregada. Quando não dava mais pra ficar e pretendia voltar entrei para um curso remunerado de R$500,00 que duraria um mês e paguei mais um mês de aluguel. Foi então que consegui um emprego numa rede de televisão aqui em São Paulo. Com o plano de saúde de lá fiz o laudo e monitorei a vaga da empresa a qual pretendia trabalhar quando mudei para São Paulo, precisaria fazer um curso de 3 meses. Passei com êxito, o plano da empresa permitiu que em setembro do ano passado eu fizesse meu implante coclear. Todo o custo foi coberto e o quarto foi particular, parte da demora era por medo de fazer a cirurgia e por conta das intermináveis  consultas e exames que tinha que marcar por telefone, mas criei coragem e fui incentivada por grandes amigos que fiz e também recebi ajuda deles – até uma vaquinha para pagar minha vacina que pedem antes da cirurgia fizeram.

Explicando melhor como foi esse processo de tomada de decisão pelo IC, aqui no trabalho uns amigos que fiz que também tinham perda auditiva incentivaram bastante. Uma amiga dizia que eu devia usar o AASI e eu teimosa não ligava para isso, pois como disse não me adaptei ao primeiro e ela dizia que a tecnologia tinha evoluído muito, mas me disseram o mesmo quando fui fazer o primeiro aparelho e então adiei. Um deles fez o implante e conversou comigo me incentivando a fazer o mesmo, me doou seu aparelho esquerdo após fazer o implante nos dois ouvidos, comecei a usá-lo e gostei muito embora tenham me rendido boas dores de cabeça, mas vale muito a pena.

Nada como ouvir música enquanto trabalho, porém as pessoas ao meu lado não me cutucavam para pedir para para abaixar porque o setor inteiro estava ouvindo pelos meus fones, rsrsrs. Ouvir um colega do meu lado me chamar sem berrar o que antes nem berrando eu me atentava que era comigo… Às vezes é gratificante, e claro, ficar menos vesga de tanto ler lábios e às vezes identificar algum som no ambiente e ouvir telefones tocando para mim é incrível. Durante o horário de almoço vez ou outra nos esbarrávamos, notei o progresso dele e fiquei bastante admirada, também não me pareceu nada complicado e foi assim que decidi pedir aos amigos para me ajudarem a voltar a marcar consultas.

Fiquei de Abril a Julho para fazer todo o processo e dei sorte, embora meu médico tivesse muitos pacientes meu processo foi mais rápido que a maioria. Vocês devem estar estranhando a falta de incentivo da família, mas vim de família humilde e ninguém tem conhecimento do IC. Até o aparelho auditivo é algo fora da realidade pra eles, mas no final do ano fui visitar a minha mãe e eu estava no meu quarto e ela na varanda da casa e eu gritei mãe o telefone está tocando, do nada ela apareceu na porta do quarto em lágrimas, ela então me disse ‘filha você ouviu o telefone?‘ Preciso dizer a carga de emoções pela qual fui tomada? E a voz da minha mãe que eu já achava linda agora é perfeita.

Hoje tenho um emprego estável, ganho 3 vezes mais do que ganhava quando saí do Rio, sou estudante de Ciências Econômicas, trabalho como Analista de Sistemas (profissão nada a ver né, pois é sou Libriana rsrsrs). Enfim, eu gostaria de dizer que a deficiência não impedirá de você fazer nada que queira; haverá uma porta aberta e um caminho mesmo que tenha que ir longe, mesmo que tenha que sacrificar algumas coisas, ficar longe da família. Não conhecia ninguém em São Paulo, contatei a pensão onde morei pelo Facebook, expliquei que não ouvia e consegui reservar minha vaga.

Vá atrás dos seus objetivos, não será fácil ou talvez seja, mas sem arriscar não temos como saber. Particularmente acho cruel não saber o que poderia ser, odeio ter dúvidas de como seria se tivesse tentado. Pra finalizar, amo música sempre amei, o implante está me ajudando a começar a ter coragem de falar palavras em inglês, arrisco um refrão ou outro de músicas do The Verve, Oasis, “ And so Sally can wait, she knows it`s too late, as we`re walking on by ”… ops voltando rs, Metalica “Nothing else Matters”. Português sempre foi tranquilo, me atrapalho com poucas palavras, ouvir tem sido um desafio, falar para as pessoas me ouvirem já que me ouço berrando é outro desafio. Meu diagnóstico é perda auditiva bilateral neurossensorial progressiva, AASI na orelha esquerda e implante coclear orelha direita.

E como tem sido? Delicioso!!

Cada dia uma descoberta nova no mundo dos sons! Quando ouço uma palavra ser dita seja na TV ou por alguém no mesmo ambiente ou até em outro eu tenho vontade de sair pulando de alegria, de cantar, de dançar, o peito explode. Minha vida está menos em risco por que essa pessoa não aprendeu a olhar e atravessar a rua (rs), então sempre ouço um veículo se aproximando ou até uma buzininha quando falha nesse quesito de ouvir a aproximação. Dependendo da distância uma conversa ou outra quando está escuro eu consigo me virar, e a voz de todas as pessoas que conheço agora parece combinar melhor com elas, certos instrumentos nas músicas passaram a deixa-las ainda mais bonitas, outras passei a gostar menos.

Eu faria tudo de novo, de novo e de novo só que mais rápido por que tenho fome de descobertas novas de ouvir e aprender mais coisas. Minha atenção e meu gosto por estudar melhoraram bastante por conta de não estar em um mundinho tão silencioso de dar sono caso eu foque em algo e fique (acontece com vocês?). Tenho a impressão que durmo muito ou sinto muito sono por ouvir pouco e quase nada me acorda fácil, aliás depois de usar AASI a audição está mais sensível e reconhece fácil barulhos antes imperceptíveis e até ouço e entendo um pouco o que dizem quando estou sem o AASI e o IC, mas claro só no ouvido que utilizo o AASI por que o do IC somente com ele.

E a troca de informação com as pessoas, já que as compreendo melhor, tem feito com que eu me interesse mais e mais por aprender algo diferente. Sempre tive um pouco de medo de não entender as pessoas então sempre fiz tudo muito sozinha, ou no máximo com um ou dois colegas. Hoje não ligo mais de estar em grupos grandes, com os parelhos as pessoas já sabem que possivelmente tenho dificuldade para ouvir e se quiserem mesmo falar comigo vão dar um jeito, e as que eu quero mesmo falar eu falo sem medo.

Beijos e obrigada para quem chegou até o fim do texto, eu falo muito pessoalmente é até pior.’

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

21 Comments

  • Janaina Alves
    03/03/2016 at 22:20

    Sua história é belíssima Keila, de arrepiar. Também sou de família humilde e a empresa onde trabalho sempre me deu assessoria e tiveram muita paciência comigo. Acredito muito que coisas boas acontecem quando somos pessoas do bem. Obrigada por compartilhar um pedacinho da sua vida com a gente. Beijocas Jana

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  • elaine cristina
    03/03/2016 at 20:58

    Isso mesmo vizinha vc é guerreira,não desista nunca.

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  • Daniela Francescutti
    03/03/2016 at 07:43

    Isto aí Keila a palavra desistir não existe para nós, pessoas com deficiência auditiva! Congratulations!

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  • Fabiola
    03/03/2016 at 00:01

    Oi Keila linda sua história. . Parabéns pela determinação de sempre vencer seus obstáculos e ir além. .
    Se puder me add no Facebook?
    Está Fabíola Polydoro no facebook. .
    Bjs

    Reply
  • Tiago Marra
    02/03/2016 at 15:10

    Keila, minha amiga, minha irmã, minha guerreira… Tenho muito orgulho de você, agradeço a Deus pela oportunidade de ter te conhecido, convivido com você e ver você se transformar na mulher que é hoje. Meus parabéns… Um grande bojo e abraço

    Reply
    • Tiago Marra
      02/03/2016 at 15:14

      Kkk… maldito correto automático #beijo

      Reply
      • Keila Almeida
        02/03/2016 at 19:12

        kkk TI, meu querido eu que me orgulho de lhe tr na minha vida. Pelo apoio que sempre me deu :* e crescemos juntos nessa de largar tudo e vir para SP, você veio um ano depois, mas foi uma luta e ainda está sendo né! Grande beijo meu amigo!

        Reply
  • Daniele Fragoso Cintra
    02/03/2016 at 11:18

    Linda história! Parabéns por ter chegado até aqui com toda essa luta, e se fazer vencedora!

    Reply
  • Gi
    02/03/2016 at 10:56

    Keila, bom dia!
    Parabéns por sua vitoriosa história de vida! Vindo de família humilde ou não, todos enfrentamos desafios. Já ouvi a frase “Deus não dá problema de primário para quem está tem nível universitário.” Concluo que, se tenho algum problema, deve ser porque tenho capacidade de sair dessa. De imediato, pode ser que a solução não surja, mas as coisas vão se arranjando…
    Sei que sua família mora longe e você se adaptou bem a São Paulo. Que bom que seus amigos são parceiros em seus projetos pessoais. Acho que a vida coloca anjos em sua vida.
    Parabéns! Acho que mais sucesso e projetos bem sucedidos estão a caminho! Felicidades!

    Reply
    • Keila Almeida
      02/03/2016 at 11:21

      Gi, bom dia. A luta é diária, porém gratificante. E realmente eu tenho muita sorte de encontrar grandes amigos que , fiéis, leais e companheiros, na verdade como dizem no filme Velozes e Furiosos, não tenho amigos tenho família, pois é assim que eles são. Grande abraço , sucesso e que seus objetivos sejam alcançados. 😀

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  • CINTHIA GABRIELE EUFROSINA MEIRA
    02/03/2016 at 09:30

    Você é determinada Keila, admiro e respeito isso. Sou, ou, pelo menos, tento ser assim, sei que passamos por uns perrengues para conseguir o que queremos, mas no fim, chegamos lá! Enquanto arranjarmos desculpas em vez de dar um jeito, nunca alcançaremos nossos objetivos.

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    • Keila Almeida
      02/03/2016 at 11:15

      Cinthia, é complicado viu mas o importante é que cada um encontre sua forma de vencer as dificuldades que encontram. Obrigada pelo Carinho sucesso em suas conquistas.

      Reply
  • Rayane
    02/03/2016 at 01:47

    Amei sua história :D, Parabéns muitos Sucessos.

    Reply
    • Keila Almeida
      02/03/2016 at 11:08

      Bom dia, Rayane obrigada, parabéns a todos nós.

      Reply
  • Renee Rassasse
    01/03/2016 at 20:30

    Ahhhh Keila, seu depoimento deveria ter vindo com um aviso para pegar a caixa de lencinhos!!!
    Coisa linda de se ler!! Parabéns pela garra e auto-confiança.

    Reply
    • Keila Almeida
      02/03/2016 at 19:16

      Renee, sua linda rsrs! Fiquei tímida! Não vamos chorar vamos sorrir e agradecer por vencer as lutas diárias! Bjs!

      Reply
  • Andressa Barboza
    01/03/2016 at 18:48

    Keilinha, sua guerreira. Te amo demais, cigana preta da minha vida. Agora, vem me ouvir a (tentar) tocar violão kkkk. Beijos no coração.

    Reply
    • Keila Almeida
      02/03/2016 at 19:17

      Dessa, rsrs é mesmo você vai me ensinar a tocar violão. Linda um grande beijo minha amiga linda!

      Reply
  • Mariah
    01/03/2016 at 18:29

    Lindo texto!
    Conheço Keila pessoalmente, e estive bem próxima no momento que ela decidiu e passou a usar o IC.
    Sem duvida, uma grande mulher, corajosa, forte, inteligente. Nutro por essa moça uma admiração que nem dá pra descrever.

    Quanto ao Blog, Paula, parabéns! Sempre passo por aqui, e sempre admiro a qualidade e o carinho desse espaço.

    Beijos e sucesso sempre.

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    • Keila Almeida
      02/03/2016 at 19:23

      Mariah sem palavras pra agradecer, quando uniu meus amigos no meu aniversario antes da cirurgia embora meu aniversário fosse dois dias depois, obrigada por estar lá, dormir mal e ter que ir trabalhar dia seguinte. E ainda faltou trabalho mesmo com os riscos com as crises de demissões, mas quis estar lá e estava quando fui e quando voltei da cirurgia obrigada pelas broncas para eu ficar quieta e parada rs, e quando depois de uma semana a cirurgia mostrou seu efeito sobre o corpo rsrs super normal mas ela achou que eu ia morrer! SQN apenas umas tonturas e enjoo. Obrigada, obrigada e obrigada pela grande parceira de vida que você é. Muito Carinho , amor e gratidão por você. e por todos vocês Tiago, Dessa! Amo de mais alguns não estão aqui talvez venham depois, amo de mais.

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