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Crônicas da Surdez / Deficiência Auditiva

A surdez e os idosos: não é normal não ouvir na velhice

A surdez é considerada “normal” quando se fala em idosos até hoje. Isso é um verdadeiro absurdo, afinal, ninguém deixa de precisar da audição em nenhuma fase da vida.

As pessoas costumam achar que ‘tudo bem’ deixar o pai, a mãe ou os avós isolados num canto, assistindo à TV o dia inteiro, com pouquíssima interação social – justo quando SABEM que eles estão ouvindo mal. Isso perpetua a ideia equivocada de que a velhice é sinônimo natural de surdez.

É fato que à medida em que envelhecemos nossa audição e nossa visão dão uma boa piorada. Mas, da mesma maneira que seu pai/avó/bisavó começa a usar óculos para poder continuar enxergando, os aparelhos auditivos estão aí para que eles possam continuar ouvindo.

Amo este post sobre surdez  em idosos e o risco de demência, escrito pelo Dr. Luciano Moreira. Especialmente a parte que fala sobre o crescente o número de estudos que relacionam a presença de perda auditiva a um maior risco de problemas cognitivos, maior atrofia cerebral e risco aumentado de demência ou depressão.

A surdez em idosos é problema seu, sim!

Não é normal não ouvir – seja na idade que for!

Todo mundo tem alguém na família que ouve mal: um avô, uma tia, uma prima distante. Lembro, quando criança, de uma tia-bisavó que falava “hein” para toda e qualquer pergunta, e ninguém por perto dava a mínima, como se fosse a coisa mais normal do mundo não ouvir. Aquilo me intrigava, tipo: “Ninguém vai se dispor a ajudar não?”

Um dia um amigo me disse que notou uma mudança fenomenal de comportamento no avô dele depois que o mesmo trocou de aparelhos auditivos – foi como se ele tivesse voltado a fazer parte da família. O semblante mudou, o humor voltou ao que sempre foi, a convivência melhorou e todos notaram o quanto ele voltou a parecer feliz.

Idosos não são e nem deveriam ser um ‘problema a resolver’. Mas é o que acontece em muitas famílias. Negligência, eu diria. Achar que não tem problema condenar uma pessoa mais velha a ficar presa no silêncio ou, pior, não incentivá-la a tratar a perda auditiva é, a meu ver (e peço até desculpas pela sinceridade), um crime.

Tudo bem um idoso não enxergar mais?

Não, né? Então por que tudo bem se ele ficar surdo e a família não fizer nada a respeito disso?

Deixar isso pra lá não é e nem deveria ser uma opção. E já ouvi de muita gente que era besteira gastar dinheiro com aparelho auditivo porque nada mais normal do que ‘um velho não ouvir’. Que horror!

Fiz uma lista de motivos pelos quais acredito na importância de se levar a sério o tratamento da perda auditiva nos idosos.

Motivo 1: Segurança

Os idosos estão sujeitos a uma enormidade de riscos que os jovens não estão. Eles são mais frágeis e mais suscetíveis a inúmeras situações perigosas. Muitos idosos moram sozinhos, ou então passam boa parte do tempo sozinhos. Como pode ser ‘normal’ não ouvir assim?

Você já parou para pensar que seu avô/pai/mãe/tio pode não ouvir alguém batendo na porta para avisar de um incêndio? Que pode colocar uma chaleira no fogo e não ouvi-la apitando, esquecer e correr o risco de pôr fogo na casa?

Que pode cair, se machucar e ser incapaz de fazer uma ligação telefônica pedindo socorro por não ouvir ao telefone? Que pode se tornar presa fácil quando algum mau elemento fica sabendo que há um ‘velhinho que não escuta no apartamento X‘? Que você pode ligar para avisar que alguma coisa importante aconteceu ou que alguém faleceu e ele não ouvir o telefone tocar? Não?

Então pare e pense nessas e em todas as outras possibilidades ainda mais perigosas aos quais eles estão expostos. Todos os dias!

Motivo 2: Convívio familiar

Atualmente as pessoas parecem abduzidas pelos seus celulares. Toda família moderna tem no currículo episódios de brigas homéricas por causa disso: as pessoas não conversam mais mesmo estando todas sentadas à mesa, porque acompanhar as redes sociais é mais interessante.

Imaginem o idoso com deficiência auditiva que não é capaz de entender as conversas; tentem por um minuto imaginar o que ele sente. Envergonhado, ele se isola. E fica ainda mais triste quando percebe que a família não tem paciência para repetir as coisas quando solicita, e que estão pouco interessados em integrá-lo nas conversas de alguma forma.

A perda auditiva não tratada na velhice destrói o convívio familiar, porque a pessoa que não ouve/ouve mal não vai sequer sentir vontade de tentar acompanhar as conversas.

Motivo 3: Lazer

A grande diversão da maioria dos idosos é assistir à TV, mexer no celular/computador e conversar.

Durante a pandemia, eles precisaram aprender a fazer chamadas de vídeo e passaram a consumir muito mais conteúdo de vídeo de redes sociais e serviços de streaming.

A perda auditiva não tratada os impede de conseguir fazer isso. Hoje em dia a maioria dos aparelhos auditivos possui conectividade bluetooth e recursos tecnológicos que permitem um maior entendimento de fala.

Motivo 4: Autoestima

Nada detona mais a autoestima de uma pessoa que não ouve/ouve mal do que virar a piadinha da família.

Conheço muita gente que acha legal chamar o idoso de ‘Velha da Praça da Alegria’, que dá risada alta quando ele não entende algo que foi dito e, pior, que berra feito louco para tentar se comunicar com ele.

Basta tratar a perda auditiva. A tecnologia está aí para isso, é muito mais simples do que parece.

Motivo 5: Gratidão

Não sei vocês, mas minha avó tem um papel fundamental na minha vida desde que nasci. Não quero vê-la com declínio cognitivo que pode ser evitado.

Tenho uma gratidão absurda por tudo o que ela fez por mim e continua fazendo até hoje, por isso vou pentelhá-la (inclusive ela deve estar lendo este post neste momento, haha) SEMPRE para que use seus aparelhos auditivos e encha seu cérebro de estímulos sonoros.

Só se vive uma vez, e não há motivo para nos privarmos de OUVIR quando temos a opção de ouvir.

E por último

A surdez em idosos deve ser tratatada com a seriedade que merece. Não ouvir não é ‘natural da idade’ nem ‘normal.

Tome uma atitude. Leve o seu idoso amado a um otorrinolaringologista especializado em surdez, depois, a um fonoaudiólogo. 😉

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About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

2 Comments

  • SIMONE BAMBA
    14/08/2017 at 12:03

    Amei o post, Paula! Minha mãe está ouvindo muito mal, e depois que o otorrino disse que o único tratamento pra ela é usar o aparelho auditivo parece que a família deu o caso por encerrado (mas sem providenciar o aparelho!) e não se falou mais no assunto. E é nítido o encolhimento social que ela apresenta… Foi muito bom ler seu texto, me deu um super empurrão pra agendar agora as consultas dela e escolher o melhor aparelho. E olha que eu também sou deficiente auditiva (otosclerose bilateral), e mesmo assim tem coisas que passam batido! Um super beijo, obrigada!

    Reply
    • Paula Pfeifer Moreira
      15/08/2017 at 09:22

      Ajuda ela, Simone!
      Não tem motivo pra ficar no silêncio quando temos a opção de ouvir!
      E a perda auditiva em quem sempre ouviu tem consequências muito ruins, como depressão, isolamento e até aumento da chance de desenvolver Alzheimer!
      beijos

      Reply

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