É com um orgulho imenso que publico uma história escrita por um PAI aqui no site. Desde que passei a publicar histórias dos leitores e amigos que convivem com a surdez, esta é a primeira vez que um pai toma a iniciativa de contar a história do seu filho. Esta é uma história especial que envolve audição e adoção. 🙂
“Papai, eu vou ter um irmão, ele vai se chamar Henrique, vai ser igual a mim, e já está chegando…”
Foi assim que Pedro, na época com 3 anos, respondeu sobre ter um irmãozinho ou uma irmãzinha. Decisão tomada. Diferente do que imaginávamos, nosso segundo filho seria outro menino, pra fazer companhia ao Pedro. A adoção tem algumas particularidades e uma delas é esta possibilidade de escolha, que não achamos muito legal no processo do Pedro, mas que desta vez viria a calhar.
Seis dias depois, sozinho em casa, recebi um telefonema da Assistente Social. Eu estava achando mesmo estranho a Aninha ter conseguido dar entrada no pedido sem a minha presença e fui logo me adiantando: “Olha, não precisava ter ligado não, pois eu não pude ir naquele dia, mas estou ciente e de acordo…” e de pronto fui interrompido: “Não, Flávio, estou ligando pra dizer que nasceu!…”
Como assim? Pois é, a gravidez do Henrique foi de 6 dias…escutei toda a situação dele, que não era nada boa, e fiquei um bom tempo em silêncio.
Neste momento o Henrique, sem saber, já me apresentava ao seu mundo, sem sons.
Henrique tinha 7 meses, estava hospitalizado, inchado de remédios, com dificuldades respiratórias, sem nenhuma vacina, sem nenhum estímulo. Parecia um recém-nascido, passava o tempo deitado, não conseguia sustentar a cabecinha, não sabia se virar.
Henrique é um pequeno guerreiro. Seus olhinhos brilhavam, seu sorriso era cativante, sua alegria contagiante. Henrique nasceu pra gente na Páscoa, e no seu primeiro dia em casa ele já havia ganhado tudo que precisava de nossos amigos. Ah! Os amigos… desde então, a vida vem provocando os encontros certos, com as pessoas certas, sempre que precisamos.
Por falar em encontro, o do Pedro com o Henrique foi mágico, puro, emocionante. Pedro encostou o braço no bracinho do Henrique e disse: “Olha Papai, ele é igualzinho a mim, ele é meu irmão. Do jeitinho que eu pedi pro Papai do Céu!”. Pedro vivenciou a adoção de uma forma que ninguém conseguirá explicar melhor. Apertamos o quarto do Pedro com as coisas do Henrique, pois acreditávamos que o convívio ajudaria a estimular o desenvolvimento dele, e de fato a recuperação foi muito rápida.
O SILÊNCIO
Mas tinha algo mais. Foi um “estalo” que tive, num momento que passei na frente dele, enquanto ele via TV, que me fez suspeitar. Ele me acompanhou com os olhos e com a cabeça, sempre sorrindo, e voltou a sua atenção pra tela. Eu continuei brincando, chamei, bati palmas, e ele me ignorou…eu gelei! Peguei duas colheres, passei por trás dele, e bati as colheres ao lado dos dois ouvidos, e ele nem piscou. Silêncio!
De novo, sem saber, Henrique me apresentava ao seu mundo, sem sons.
Testes inconclusivos, sem respostas e sem laudos. Procuramos médicos e cuidadores que tiveram contato prévio com o Henrique e todos se surpreenderam com a minha suspeita de surdez, afinal, as reações do Henrique eram sempre tão presentes, alegres. Corremos pro Dr. Luciano Moreira, que já havia cuidado de uma otite séria do Pedro, fizemos o possível pra tentar conhecer o histórico do Henrique, e soubemos de coisas que preferíamos não saber. No check-list das possíveis causas de surdez no nascimento, Henrique gabaritou.
Neste momento em que o chão começa a desaparecer, mãos amigas e firmes como as da Juliana e da Flávia, hoje madrinhas do Henrique, nos deram o otimismo e a direção. Iniciava-se ali uma verdadeira maratona de testes que nos proporcionou grandes encontros: Dr. Luciano, Dra. Daniela Capra, Dra. Marcia Cavadas…
Até que a surdez foi confirmada e o Dr. Luciano me apresentou o Implante Coclear (IC), e também me apresentou à querida Paula Pfeifer, através de seu primeiro livro. Neste dia eu estava sozinho e resolvi ir pra consulta no Rio de ônibus, e devorei o livro da Paula na volta. Eu, o livro e o silêncio.
Os relatos da Paula nos reconfortaram. Mais que isto, nos inspiraram e nos encorajaram. Resolvemos encarar de frente e correr contra o tempo. A maratona continuava, aparelhos (AASI) emprestados, exames, tomografia computadorizada, ressonância magnética.
Também nos adiantamos e corremos atrás de indicações e de pesquisas de profissionais e fonoaudiólogos na nossa cidade que tivessem experiência com a oralização de surdos, autistas e outros casos especiais, e conhecemos a maravilhosa Dra. Tatiana Land, que começou imediatamente um trabalho com o Henrique, mesmo sem termos idéia de quando o implante seria realizado.
Ao cumprir o protocolo e testar os AASIs, logo no primeiro teste o Henrique nos surpreendeu e reagiu a um som com o ouvido esquerdo. O que a princípio pareceu super legal, no fundo se mostrou um problema, pois isto retardou muito a decisão do IC bilateral, na expectativa de uma evolução com os aparelhos.
Nesta época já havíamos colocado o Henrique numa creche bem pequena, próxima a nossa casa, onde sabíamos que ele teria uma atenção especial, e a medida que passava o tempo, ficava cada vez mais claro pra gente que a audição dele, mesmo com o AASI, não alcançava quase nenhum som. De fato os exames o colocavam numa zona cinzenta de diagnóstico, que dificultava muito a tomada de decisão, e os novos exames também não mostravam nada de relevante, mantendo sempre a mesma situação de impasse.
Num certo dia suspeitei que havia algo errado com os AASIs, e busquei pela internet algum representante aqui na região que pudesse me ajudar, chegando até a carinhosa Dra. Patricia Mello. Mais uma vez, os encontros! Liguei pra ela, expliquei o caso, e ela pediu que eu levasse os aparelhos e também o Henrique. Lá chegando havia uma “junta” de amigas fonoaudiólogas, que fizeram uma festa com o Henrique, e me apresentaram o Centro de Saúde Auditiva da Santa Casa de Barra Mansa.
Impressionante o carinho, a competência e a dedicação de todos os profissionais que trabalham lá. Até hoje, o Henrique é acompanhado pela Dra. Cristina Braga, uma dedicada especialista em implantados que nos ensina sempre algo novo a cada sessão.
Nesta época, eu e Aninha já estávamos convencidos que o IC era a melhor alternativa, e cada vez mais ansiosos pela cirurgia, o mais rápido possível, por perceber que o tempo estava passando para o Henrique. Depois de mais alguns testes e muitas conversas com a equipe, concluímos que não poderíamos privar o Henrique do IC, pelo menos no ouvido direito, por conta de uma chance – remota – de recuperar a audição no esquerdo, que aparentemente não se confirmava. Decidimos então partir para o IC unilateral, que foi ativado em julho de 2015, quando o Henrique tinha 1 ano e 8 meses.
O MUNDO DOS SONS
Já na primeira semana, Henrique tirou o aparelho e jogou no chão, quando estávamos passeando…só percebemos alguns metros depois e foi um desespero voltar passo-a-passo, procurando, até encontrar. Aprendemos com a Paula a usar a fita de peruca pra colar o IC na cabecinha da criança, pra evitar estes e outros sustos, e usamos a fita até hoje.
Henrique ficou na creche até o final do ano. Nestes primeiros 6 meses, nossa angústia e ansiedade aumentavam de forma exponencial. Certamente ele estava ouvindo, mas o quê? Quanto? Com que qualidade? Porque ele não começava a falar logo? Nem balbuciava nada… e o aparelho? Porque ele não fica com este aparelho na cabeça? Será que está incomodando? Será que está alto demais? Ele grita tanto e tão alto, será que o mapeamento está certo, ou está alto, ou está baixo? Será que as professoras vão esquecer do aparelho e dar banho nele? Será que vão saber manusear sem quebrar? E quando acabar a bateria, vão saber trocar?
Tantas dúvidas, tantos medos…Neste momento, conhecemos a amiga e gentil Mariana Candal, sempre atenta, sempre on-line, sempre disponível pra nos colocar nos eixos, nos trazer de volta, nos acalmar, nos ensinar… e conhecemos também o Miguel, o Bruno…e a Joana, doce joaninha! Estes exemplos nos enchem de coragem e de esperança.
No final do ano, decidimos colocá-lo pra enfrentar o mundo, e matriculamos ele na mesma escola do Pedro, uma escola grande. Muitos receios, muitas conversas, muito apoio, uma excelente professora –Ana Claudia Mendonça, nossa encantadora de bebês, e ainda a sorte de ter só amiguinhos queridos, e pais e mães especiais que aceitaram e curtiram muito o Henrique. Foi mais uma das melhores escolhas que podíamos ter feito. O desenvolvimento do Henrique foi “puxado” pela turminha, à jato!
Um belo dia, Henrique olhou pra gente com cara de assustado, levou a mão à orelha, e fez sinal de que algo estava errado. Percebemos que tinha acabado a bateria e ele estava reclamando. Pra gente, este foi o ponto da virada! Percebemos que ele estava ouvindo -do jeito dele- e que estava sentindo falta quando ficava sem o IC. Não demorou muito para o sinal com a mão vir acompanhado de um “bo-bô!” (acabou!), e em seguida, claro, aprendeu rápido as duas palavrinhas que resolvem 99% das coisas nesta vida: Mamã e Não!
Henrique não tirava mais o IC da cabeça, pelo contrário, acordava e já pedia o pá-pá. Em seguida, aprendeu a recolocar sozinho a antena na cabeça quando ela desprendia. Começou a adquirir independência, mas a fala mesmo…esta exige muita paciência de todos nós!
Hoje o Henrique começou o seu segundo ano na escola, e está com um pouco mais de 3 anos. O implante não é um motivo de vergonha nem de afastamento, muito pelo contrário, gera curiosidade e aproximação dos amigos, que sempre perguntam se ele está ouvindo música. Já tive até que dar palestra na turma dos grandinhos sobre o implante, com a chegada do Henrique no gran finale com fila pra fotos e beijos.
Henrique é independente, metódico, organizado, come sozinho, vai no banheiro sozinho, pede comida, pede água. Canta “Parabéns pra você” e outras musiquinhas, e já começa a ensaiar algumas palavrinhas maiores. Escuta tudo –até finge que não está escutando- embora ainda não compreenda tudo com facilidade. Continua adorando TV, agora já liga o Netflix e escolhe seus programas, e usa de uma forma o tablet que nem eu sei usar. Ele está recuperando o tempo perdido, no ritmo dele, do jeitinho dele. E a gente, que achava que tinha o controle, é que está sempre correndo atrás dele.
Henrique ainda é um pequeno guerreiro, mas agora na versão 2.0, também é um pequeno cyborg.’
9 Comments
Mirian C.B.Gonzaga
22/03/2017 at 15:51Que lição de amor,aprendendo que ainda existe pessoas disposta a dar oportunidade para aquele q um dia a sociedade poderia rejeitar,parabéns,parabéns e parabéns.
Dailton
16/02/2017 at 11:29Bonito…
Gabriela Tierno
16/02/2017 at 09:06Que história linda! Quanto amor, determinação, coragem para salvar e recuperar a vida de um Serzinho tão indefeso quanto o Henrique aos 7 meses…. quanta abnegação e devoção dedicados a buscar o que havia de melhor para que se tornasse um Ser melhor! Estou impressionada e muito emocionada. Vocês dois, casal, são muito, mas muito especiais! Que admiração e que respeito eu tenho por vocês! Um beijo carinhoso.
Gustavo Fabri
14/02/2017 at 23:52Simplesmente de deixar as lágrimas caírem …
Ainda mais pela oportunidade que tive de conviver e vivenciar essa história de perto.
Valéria Costa
13/02/2017 at 20:08Linda história,fiquei emocionada e eles são lindos,nada como o amor para superar barreiras,parabéns aos pais do Pedro e do Henrique,que Deus continue abençoando a vida de vcs!
Michele
13/02/2017 at 19:27Sempre o amor mostrando o melhor caminho
Claudia Castilho
13/02/2017 at 07:38Que história emocionante… toca o coração, é sempre o amor potencializando o melhor de cada ser humano… Henrique irradia alegria, o que certamente reflete todo o amor que recebe!!!!?????
Isabela Lopes Cavalcante
12/02/2017 at 21:41Henrique guerreiro, Henrique fofo, Henrique amoroso, Henrique anjo. Eu conheço ele, um amor, já estou com saudades dele, tão carinhoso, um amorzinho. <3!
Martha
12/02/2017 at 19:50Linda história do Henrique… Há duas semelhanças entre o Henrique e a Gabi… A surdez e a adoção … ????