“Oi, Paula! Estou precisando muito desabafar com alguém que entende as dificuldades que a surdez impõe na vida; a tristeza e o medo. E você é a única pessoa que eu conheço que já passou por essa situação e para quem posso escrever. Pelo seu blog me sinto um pouco sua amiga e me sinto à vontade pra falar de alguns pensamentos que estão em mim há um tempo…
Um resumo rápido da minha situação: levei meus aparelhos antigos para a fono regular, mas 1 mês depois eles acabaram pifando e recebi aparelhos novos pelo SUS. Mas a situação da minha audição só foi piorando ainda mais, e agora estou com perda severa no ouvido esquerdo, e profunda no direito. Estou passando pelo processo de conseguir fazer o Implante Coclear pelo SUS. Tô fazendo tudo que posso pra sair da prisão do silêncio, mas ao mesmo tempo estou tão desanimada.
E isso se deve ao fato de que algumas semanas atrás eu conheci, no instituto onde me consulto, um homem implantado que era ouvinte e perdeu a audição subitamente. Eu pensava que principalmente num caso assim a chance de o IC “dar certo” fosse a certeza, mas percebi que me enganei legal. Ele já tem quase 1 ano de implantado e percebi que ele continua muito dependente da leitura labial e falando muito “hãn”; que mesmo implantado ele age exatamente igual a mim, que nem implantada sou.
Eu sei que há muitos casos de sucesso, vejo isso muito em você e no seu blog, com as histórias que você posta de outras pessoas. Mas sei que cada caso é um caso, e é exatamente esse o meu medo e é de onde vem minha tristeza. Tenho um medo muito grande de que o IC não “dê certo” pra mim também. Meu sonho é voltar a ouvir sem ser tão dependente da leitura labial, e me comunicar com fluidez com as pessoas. Tenho passado por tantas dificuldades por conta da surdez.Até afetivamente ela tem me atrapalhado. Ontem mesmo conheci um rapaz, mas o encontro foi bem mais ou menos. Durante o encontro, várias vezes tive que pedir para ele repetir o que me dizia, e ele até repetiu as frases pacientemente. Mas eu sei que ninguém gosta de ficar repetindo as coisas que fala. Isso é muito chato e faz a conversa ser bem menos do que poderia. Sinto que nunca mais vou ver esse rapaz de novo.
Mas não é só por isso que eu fico triste. Fico triste e com medo pela incerteza do meu futuro. Sem saber se vou poder estar na profissão que quero. Com medo de ter que continuar tão limitada a essa condição. Geralmente, sou muito positiva; mas ultimamente, ao pensar na incerteza do meu futuro, só sei chorar e chorar. Enfim… Se você quiser dizer algo sobre o que estou te contando, vou gostar muito; só de você ler já me sinto um pouco mais leve, por estar contando pra alguém que de fato me entende. Obrigada!”
Expectativa X Realidade
Uma coisa que as pessoas só entendem DEPOIS de fazer a cirurgia do implante coclear é a importância da questão psicológica nesse processo. Porque é um processo longo, cansativo, difícil e que nos enche de medo. A maioria dos pacientes quer garantias. Garantia de que a cirurgia vai dar certo. Garantia de que a ativação vai ser um sucesso. Garantia de que em “x” meses estará ouvindo e entendendo tudo. Só que…isso não existe!
Se um médico lhe der ‘garantia’ de como será o seu resultado com o seu implante coclear, meu conselho é um só: dê um desconto. No máximo dos máximos se consegue fazer uma previsão, após uma análise criteriosa do caso, e, ainda assim, correndo o risco de errar feio. Conheço pessoas cujos médicos deram ‘garantias’ de sucesso, e o resultado foi decepcionante (para os critérios delas, o que não significa que tenham sido ruins); conheço pessoas (e me incluo nessa lista) cujos médicos disseram que a chance de dar certo era de 50% e o resultado foi muito além disso. Esse precisa ser o seu mantra:
Cada caso é um caso
Se o vizinho/amigo/conhecido entendeu o rádio do carro três meses depois da ativação, isso não quer dizer que com você será assim. Se o vizinho/amigo/conhecido começou a falar no telefone seis meses depois, isso não quer dizer que com você será assim. Bem como, se o resultado de alguém que tinha tudo para dar certo for ruim, isso não quer dizer também que será assim com você. E digo mais: às vezes o que você considera um resultado ruim tem uma conotação 100% diferente para a pessoa que convive com aquele resultado. Isso de ouvir e entender ‘tudo’ e ‘sem ajuda de leitura labial’ é uma expectativa 100% irreal. O que você prefere: não ouvir nada ou ouvir e entender várias coisas? Como poderia ser ruim sair do silêncio e passar a ouvir? Perfeição não existe!
Quando comecei a ouvir com o primeiro IC, qualquer som que entrava era comemoradíssimo. Manter as expectativas bem baixas e comemorar cada conquista sonora é o primeiro segredo para ser feliz pós-IC. E entender que o processo requer tempo-paciência-treinamento-esforço é o segundo segredo – mas aí o ser humano erra por querer tudo para ontem, com esforço zero e comparações mil com a grama do vizinho.
Quando somos surdos, temos a mania irreal de achar que os ouvintes escutam e entendem tudo, que os ouvintes não fazem esforço algum. Não é nada disso! Em inúmeras situações os ouvintes escutam e não entendem, pedem para repetir, dizem “hãn”. E eles têm audição perfeita! Por que é que achamos que um aparelho auditivo ou um implante coclear nos darão perfeição se ela não existe sequer para aqueles que foram abençoados com uma audição incrível pela genética e pela natureza?
Garantias…
Na surdez profunda, a única garantia que temos é que nossa vida só ficará mais difícil, mais solitária, mais cheia de perrengues e mais cansativa e estressante. E essa garantia foi o que bastou para que eu tomasse a decisão de tentar, até porque eu não conseguiria colocar mais a cabeça no travesseiro à noite sabendo que poderia ter tentado. Quem não arrisca não petisca. E quem quer garantias para arriscar, desculpe a sinceridade, mas está jogando o jogo errado. Surdez profunda é garantia de silêncio eterno – quer garantia mais assustadora do que essa?? Pois é! Para nós que queremos ouvir, resta apenas uma alternativa: tentar tudo o que a tecnologia pode nos oferecer. 🙂
Por uma dessas coincidências bonitas da vida, enquanto escrevo esse post recebi uma visita inesperada aqui na Sonora. Uma paciente adolescente que acompanhei desde o início. Ela fez o primeiro IC, o resultado não foi tão incrível quanto esperava. Tempinho depois, decidiu arriscar e operou o segundo ouvido. Um ano depois da segunda cirurgia, está maravilhada com o resultado desta, feliz da vida, parece outra pessoa. Desabrochou, a voz melhorou horrores, o semblante mudou, a autoconfiança apareceu. Batemos um papo e eu disse a ela e à mãe: “Acho que a maior lição que o implante coclear nos ensina é que não há garantia de nada nessa vida!“. Não é verdade?
Querida “X”: o futuro é incerto para surdos e ouvintes. Não temos controle sobre nada, mas temos livre arbítrio. Sobre o encontro com o rapaz, bola para a frente. Você não pode e nem deve se sentir constrangida quando precisar pedir para que alguém repita algo. Relaxe e seja menos dura consigo mesma. Estou aqui na torcida para que dê tudo certo com o seu implante coclear. E prepare-se: recomeços e renascimentos, no início, são cansativos! Mas prometo que com o tempo tudo se ajeita e melhora!
3 Comments
José Armando Nogueira
04/12/2017 at 14:56Olá, Paula Pfeifer Moreira.
Em primeiro lugar, minha gratidão por sua disponibilidade em escrever, sugerir e indicar caminhos para o alívio de quem, como eu, tenho uma perda auditiva significativa. Mais que isso. Perdi a confiança na empresa que me vendeu um aparelho caríssimo, há dois anos, um representante da Beltone, em Salvador. Foi tão caro que fico envergonhado com essa compra e esse valor, pois fui “empurrado” a comprar esse aparelho, na época, por R$ 9.000,00 !!! Como se eu fosse um milionário. Agora, praticamente dois anos depois desse desatino, o aparelho não funciona. E querem me cobrar 400 e tantos reais para apenas rever o que ele tem. Fora 340,00 reais para “afiná-lo” segundo os exames mais recenes de audiometria, Paula: como deparei com vários e vagos anúncios pela internet. Eu pergunto: você acha confiável o que alguns anunciam como sendo Amplificador de voz, pelo que entendi agem apenas em um ouvido. Meu caso é de perda significativa em ambos. O que faço? Por gentileza, me dê uma luz para eu sair dessa escuridão que é deixar de ouvir um regato a correr, um passarinho, e, ficar isolado e distante de conversas, por receio de nada entender. Desculpe alongar tanto. Mas preciso reencontrar a paz da audição clara e de forma simples e econômica. Não posso e não tenho condições de cair na armadilha de que fui vítima ao ser ludibriado por algumas pessoas que tiveram mais ouvidos para o dinheiro do que para o meu bem-estar.
Obrigado,
José Armando Nogueira
Paula Pfeifer Moreira
11/12/2017 at 07:36Jose
Amplificador de voz não serve para deficiencia auditiva.
Você também pode procurar uma empresa multimarcas e verificar outro orçamento para o conserto e se realmente é necessário um aparelho novo!
Bjs
Tatiana
04/12/2017 at 09:05Minha história é um pouco parecida com a sua. Minha perda é progressiva, e meu ouvido direito tinha chegado na perda profunda, e o AASI não ajudava mais em nada. Este ano, cansei dessa situação, e resolvi que iria tentar reabilitá-lo (ainda mais porque não sei o dia de amanhã do meu ouvido esquerdo, que é quem segura bastante bem as pontas junto com o AASI). E como o direito pior do que está não fica, fui atrás de uma equipe cirúrgica e fiz a cirurgia. E, te falar, estou há um mês sem o AASI neste ouvido, e não me fez falta nenhuma, pra você ver como estava a situação.
Fiz a cirurgia no fim de outubro, e minha ativação está marcada para hoje.