A surdez chegou na minha vida quanto eu tinha uns 15 anos, quando comecei a ouvir um zumbido no ouvido direito. Minha mãe me levou numa médica otorrino, uma que tinha tratado minhas adenoides na infância. Fiz vários testes e ela diagnosticou que eu tinha perda auditiva neurossensorial bilateral leve, um pouco mais acentuada no ouvido direito. Ela não era uma otorrino especialista em surdeze não indicou nenhuma reabilitação auditiva, apenas disse que eu estava começando a perder a audição e que isso continuaria acontecendo gradativamente ao longo da vida.
Receber esse diagnóstico poderia ter sido um impacto muito grande na vida de uma adolescente, mas para mim não foi. Eu ainda estava lidando com a recuperação de uma cerebelite viral que havia me deixado 19 dias numa cama de hospital, sem coordenação e equilíbrio, no ano anterior, que me obrigou a reaprender a andar, falar, escrever e me ceifou o equilíbrio e coordenação mais “fina”, tirando da minha vida os esportes que sempre foram a minha paixão. Apesar de ter tido uma recuperação surpreendente e rápida, eu estava muito revoltada com a nova realidade de não mais praticar esportes, não mais com a habilidade e excelência que eu praticava antes, que eu sequer dei importância no que significava estar perdendo a audição, meu foco total era lamentar por não ter mais os esportes na minha vida como antes e aprender a conviver com os desequilíbrios e falta de coordenação no dia a dia.
Segui a vida, sem reabilitação auditiva, me adaptando inconscientemente as dificuldades que a surdez ia trazendo. Terminei a escola, fiz faculdade e prestei concurso público e vim morar no Rio de Janeiro, como havia planejado desde muito nova. A vida social nunca foi muito fácil para mim, sempre tive um pouco de dificuldade em me sentir a vontade com as pessoas, em me sentir aceita, muito antes da surdez, mas eu tinha uma vida social digamos que “normal” para os padrões do início dos anos 2000. Eu saia para festas muito esporadicamente e nunca foi um ambiente agradável para mim, som alto, lugares escuros, fumaça e gente gritando para tentar se fazer entender, definitivamente não era o que eu gostava de fazer. Com a surdez ficou ainda mais desagradável estar nesses lugares, eu não conseguia interagir com ninguém e o zumbido ficava muito alto, então não fazia muito sentido estar nesses lugares.
Na escola e na faculdade eu passei a sentar só na frente e do lado direito da sala, estrategicamente posicionada para fazer leitura labial dos professores e ouvir o que a turma falava, e aos poucos deixei de atender ao telefone na minha casa, que antes era uma tarefa que eu me auto atribui, eu adorava atender o telefone e ser a primeira pessoa a saber quem estava ligando, as vezes passar horas conversando. Não me recordo de ter dificuldades em falar que eu tinha perda auditiva e que por isso eu poderia não entender o que estava sendo falado numa conversa em grupo ou poderia não responder caso alguém me chamasse de longe e fora do meu campo visual, mas apesar disso, não lembro da minha família conversar comigo sobre surdez e encarar essa condição com seriedade. Diálogo não é o forte da minha família, muito menos sobre algo que poderia ser considerado vergonhoso ou digno de piedade, como ter uma deficiência.
Após alguns anos morando no Rio com meus tios, o meu tio achou que eu deveria tentar usar aparelho auditivo e me levou diretamente numa loja que vende aparelhos. Não tínhamos conhecimento de que o ideal era consultar antes com um(a) otorrino especialista em surdez e ter o acompanhamento deste no processo de reabilitação auditiva. Isso devia ser por 2009, 2010. Eu testei um aparelho somente na orelha esquerda, pois devido ao zumbidona orelha direita e a surdez mais acentuada, a vendedora (não sei se era fono) considerou que não adiantava o aparelho na orelha direita. Foram os piores 15 dias da minha vida, foi enlouquecedor, obviamente eu disse que não adiantava para nada e não compramos o aparelho, e eu ainda fiquei uns 10 anos sem consultar com um(a) otorrino ou fazer uma audiometria, tamanha experiência negativa que eu havia tido na tentativa de usar um AASI.
Nesses 10 anos eu segui me adaptando conforme as dificuldades apareciam, trabalhava normalmente na parte interna de um banco, avisava todas as pessoas que eu conhecia que eu tinha perda auditiva e qual era a melhor forma de eu entender, tinha enorme dificuldade de estar com um grupo grande de pessoas em bares, só ouvia as músicas que já conhecia e sabia de cor, tanto a letra quanto a melodia, ir a shows era sinônimo de ouvir só o barulho dos instrumentos e raramente eu conseguia entender o que os atores falavam em peças de teatro. Mas eu era feliz e nunca me ressenti pela surdez estar me obrigando a fazer adaptações na minha vida, entendia que fazia parte.
Em 2019 eu fui chamada em outro concurso e mudei de empresa, nessa nova empresa havia um curso de formação em sala de aula, logo que entrava. Foi só nesse momento eu percebi o quão surda eu estava e que do jeito que estava eu não poderia mais continuar. Eu não estava conseguindo acompanhar as aulas.
Fiz uso do único direito de pessoa com deficiência auditiva que eu conhecia: fazer uso das cotas para PcD em concursos públicos. Mesmo sem ter consciência do que isso realmente significa, mas eu sabia que a empresa tinha que além de cumprir a cota de PcD no seu efetivo, proporcionar toda a acessibilidade e equidade para que as PcD desempenhem suas atividades em igualdade de condições das pessoas sem deficiência. O fato é que a empresa que me contratou como PcD não fornecia nenhuma acessibilidade para pessoas surdas. Nesse momento começou a minha luta por melhores condições para PcD dentro da empresa, o contato com outras pessoas com deficiência auditiva e uma delas me apresentou o Crônicas da Surdez. Foi quando eu mergulhei no mundo da surdez e definitivamente comecei a entender tudo o que acontecia comigo desde os 15 anos de idade, que nunca havia dado a devida atenção.
A Paula não só abriu um portal na minha vida, como também indicou o melhor otorrino de todos, que me trouxe de volta ao mundo dos sons. Serei eternamente grata a Dani Kraus, a Paula, ao Dr. Luciano e a toda Equipe Sonora!!!
Passei mais de 20 anos completamente alheia a minha surdez e em 2 anos, após ter acesso a informação de qualidade, consultar um otorrino especialista em surdez, eu consegui adaptar AASI no ouvido que ainda tenho audição e fiz implante coclearno outro. Fazendo uso dos recursos tecnológicos eu considero que não tenho grandes desafios no meu dia a dia.
Hoje em dia sinto que tenho poucas dificuldades devido a surdez, a tecnologia me ajuda bastante e em geral sinto falta de legendas em todos os espaços (cinema, teatros, shows, avisos de transporte público, etc). Depois do IC minha vida melhorou demais, faço menos esforço para conversar e entender, isso faz com que me sinta mais calma e bem menos estressada. Costumo dizer que o IC me devolveu os detalhes que a surdez havia me tirado ao longo dos anos, graças a ele e seus recursos hoje eu consigo novamente curtir show e perceber quase todos os detalhes, entender o que os cantores falam, ir a teatros e entender 95% das falas, ouvir músicas novas, conversar em ambientes ruidosos e com muitas pessoas falando, entre tantas outras coisas, e também “desligar” um pouco dos sons quando canso.
Como já foi possível perceber, eu gosto muito de cultura: shows, teatro, cinema, museu, livros… Por isso também amo viajar, conhecer outros lugares e culturas. Também sou cervejeira e aprecio bons vinhos, sendo assim, minhas viagens geralmente são para cidades, onde consigo desfrutar dessas paixões todas, mas também gosto de um sossego na serra ou na praia.
Hoje, olhando para trás, consigo perceber como as coisas acontecem quando tem que acontecer e por que acontecem de determinada forma. Ser apresentada ao Crônicas da Surdez não só me fez entender a minha surdez como também me colocou no caminho de encontrar um propósito no trabalho.Ter tido consciência sobre a surdez como deficiência me levou a outras deficiências e a aprofundar nas questões de todas as pessoas com deficiência, e aliando a minha personalidade de se indignar e buscar melhorias e soluções, acabei me tornando uma liderança das pessoas com deficiência e pais de pessoas com deficiência na empresa.
E apesar de não ser minha atividade principal, atuo em várias frentes para melhorar as condições de trabalhos desses grupos e já conseguimos avançar em algumas pautas. Me orgulho muito do que construí em conjunto com outras pessoas, também engajadas nessa temática, em poucos anos. Entrar nesse mundo me tornou uma pessoa melhor, mais empática, com um olhar atendo as pessoas e as suas diversidades e me trouxe clareza em tantas outras questões.
A surdez não precisa ser um caminho solitário nem assustador! Faça parte do Clube dos Surdos Que Ouveme transforme sua experiência com apoio, informação e uma rede de amigos dos quatro cantos do Brasil. Junte-se a milhares de pessoas que compartilham sua jornada e descubra como viver com mais qualidade, autonomia e segurança.
Ao se tornar SÓCIO DO CLUBE, você terá acesso a Grupos exclusivos (grupos no Facebook eWhatsApp), descontos e conteúdos práticos sobre tudo o que você precisa saber
Com mais de 21.700 membros que são usuários de aparelhos auditivos e implantes cocleares participando, você poderá trocar experiências, tirar dúvidas e aprender com quem entende os desafios da perda auditiva. Encontre informações essenciais sobre direitos, aparelhos, médicos, fonoaudiólogos, implantes, concursos públicos e muito mais.
Por que se tornar SÓCIO DO CLUBE?
Economize milhares de reais na compra dos seus aparelhos auditivos com as dicas e recomendações de quem já passou por isso.
Descubra como conseguir aparelhos de audição gratuitos pelo SUS e evite cair em golpes de produtos falsos
Tenha acesso direto a especialistas e indicações de médicos e fonoaudiólogos de confiança
Faça amigos, converse com pessoas que têm surdez, otosclerose, síndromes auditivas e que utilizam aparelhos para ouvir melhor
Se você é pai ou mãe de uma criança com perda auditiva, conecte-se com centenas de famílias que se apoiam todos os dias em nossos grupos de WhatsApp e Facebook.
Como comprar APARELHO AUDITIVO com SEGURANÇA no Brasil
Aprenda como evitar os maiores erros na hora de comprar seu aparelho auditivo! Com mais de 43 anos convivendo com a surdez, eu criei uma série de aulas rápidas que vão te ajudar a economizar dinheiro e escolher o melhor aparelho auditivo. Descubra os segredos e piores práticas da indústria e esteja preparado para fazer as perguntas certas ao seu profissional de saúde.
Torne-se aluno agorae aprenda tudo o que você precisa para NÃO ERRAR na compra do seu aparelho de audição.
Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.
Usamos cookies em nosso site para fornecer a experiência mais relevante, lembrando suas preferências e para próximas visitas. Ao clicar em “Aceitar todos”, você concorda com o uso de TODOS os cookies. No entanto, você pode visitar "Configurações de cookie" para fornecer um consentimento controlado.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
No Comments