Perguntas sobre surdez e depressão chegam na minha caixa de entrada todos os dias. Essa é uma discussão muito importante e válida entre as pessoas que têm deficiência auditiva e zumbido pois nem todos possuem as ferramentas necessárias para enfrentar estes desafios. A boa notícia é que, com ajuda profissional, nos fortalecemos e construímos os nossos meios de passar por isso da melhor forma possível.
Afinal, é algo que nos acompanhará até o fim dos nossos dias. Convidei a psicóloga Mariana Lauria, especializada no atendimento psicológico a surdos oralizados e sinalizados no Rio de Janeiro, para escrever sobre isso.
Surdez e depressão
‘Somente quem passa por uma determinada experiência pode mensurar os efeitos que ela provoca. Por este motivo, é tão difícil para os ouvintes compreenderem como é estar no lugar de alguém que não escuta. O silêncio em relação ao mundo externo não deveria fazer isso, mas muitas vezes acaba por calar a vontade de existir, de produzir, de ter objetivos na vida, provocando um silêncio também interior, ou um murmúrio de tristeza que não é, nem de longe, correspondente ao potencial que aquele indivíduo tem para as suas realizações e conquistas.
Para falar de surdez e depressão, partimos do pressuposto crucial de que a surdez não é por si só um pré-requisito para a depressão, sendo uma construção sintomática de cada sujeito, ou seja, ninguém tem depressão porque é surdo, mas por vivenciar os estímulos externos e internos através do sofrimento ou paralisação do engajamento na própria vida.
Portanto, não é a surdez que leva à depressão, mas o isolamento social, que pode ser provocado por um sentimento de inadequação, como se o indivíduo não se sentisse parte de nenhum grupo de pessoas com as quais pudesse se identificar. Mas nem mesmo o grupo familiar?
A família
A socialização é uma etapa importante do desenvolvimento humano, pois é através dela que se pode colocar em prática o conjunto de crenças e valores transmitidos e herdados pelo sujeito. E a família é fundamental neste processo, uma vez que é por meio das primeiras relações que a criança começa a constituir sua estrutura psíquica. Os primeiros anos da infância são extremamente importantes e podem deixar marcas tanto positivas quanto negativas na memória afetiva da criança.
É no grupo familiar que a criança inaugura o seu potencial afetivo, vivenciando cada emoção e aprendendo a nomeá-la. Para tal, é preciso que sinta-se amparada por aqueles que desempenham as funções parentais (paterna/materna), para que, sentindo-se emocionalmente segura, possa “ganhar o mundo”. Ainda que não exista um vínculo de natureza biológica, é o amor, o cuidado, a doação e a responsabilidade pela criança que definem a função paterna e materna.
A comunicação tem um papel primordial no estabelecimento desses vínculos, pois é uma experiência de contribuição e retribuição mútua Tanto os pais dão amor aos filhos quanto os filhos aos pais, e assim, diante das dificuldades inerentes à vida humana, todos podem encontrar apoio uns nos outros para continuar lutando por seus objetivos. Sem um canal de comunicação direto e aberto, não se pode dizer que dois indivíduos consigam alcançar um grau de intimidade em que ambos se sintam amparados. Grau de parentesco não é sinônimo de grau de intimidade. O parentesco é dado, a intimidade é conquistada.
A deficiência auditiva, congênita ou adquirida, afeta diretamente a qualidade das relações interpessoais, uma vez que elas são baseadas na comunicação. Mas para que o ser humano precisa de outro ser humano? Ele não pode ser feliz sozinho?
A própria constituição de sujeito é realizada a partir do outro. Quando um bebê nasce, ele não sobrevive sozinho, ele precisa de alguém que o nomeie como “bebê, neném, Marcos, Paulo, Renata”, etc… e até o final da primeira infância, todas as etapas de seu desenvolvimento dependem de um adulto oferecendo estímulos, alimento, ensinamentos.
Então o que fazer quando estamos rodeados de pessoas e ainda assim nos sentimos sozinhos? Esta situação pode sim ser caracterizada como isolamento social, pois não é uma condição física, mas psíquica.
E como diferenciar se o que sentimos é tristeza ou depressão?
É muito comum que se confunda tristeza com depressão. A tristeza é um sentimento, assim como a alegria, a raiva e o medo, muitas vezes necessário para a assimilação de novos aprendizados no percurso da nossa vida. O que deve ser observado é o grau de intensidade e a prevalência sobre os demais, por um longo período. O sentimento de tristeza é inerente à condição humana e importante para o desenvolvimento emocional de todo indivíduo. Somente é possível lidar com as emoções quando são experimentadas, pois precisamos aprender a identificar nossas sensações para que possamos reagir a elas.
Num número cada vez mais crescente, nos deparamos com surdos que não são ouvidos, que isolam-se afetivamente, e, muitas vezes, como resposta à situações de desqualificação, humilhação e perseguição pelo fato de serem surdos. No entanto, quanto mais o sujeito responsabiliza o outro pela sua dor, mais distante se coloca de uma resolução do quadro depressivo. E se está exposto a uma situação continuadamente desgastante, para manter-se emocionalmente saudável é preciso que não coloque o outro como principal foco de sua atenção, mas que entre em sintonia com seu amor próprio, pois a forma como se vê é mais importante e o define, e não a visão destrutiva do outro.
Vivemos num mundo onde sentir tristeza é mal visto, mas, na verdade, em muitos momentos é até saudável que um indivíduo possa se permitir sentir tristeza, como nas situações de perda (perda de um ente querido, de um emprego, de um casamento, da saúde, da audição…) No entanto, o sujeito não permanece paralisado neste estado de tristeza, ele reage, porque consegue encontrar outras razões pelas quais sua vida vale a pena, pelas quais vale a pena lutar.
Por outro lado, existe a banalização da Depressão, que pode ser vista como descaso, preguiça, negligência. Ou até mesmo como “nada”, como por exemplo quando dizem “ela não tem nada, está só desanimada”, quando não dorme bem, alimenta-se muito mal, deixou o emprego ou não consegue buscar um, não tem amigos e não sai de casa.
Diante disso, é preciso saber que existem critérios para que um sujeito seja diagnosticado com depressão. E ao serem identificados na vida de alguém próximo ou mesmo na sua, é importante saber que existe tratamento!
Critérios da OMS
Segundo a definição da OMS, os critérios para a depressão incluem uma tristeza permanente e a perda de interesse por atividades costumeiramente motivadoras; e ainda a incapacidade de realizar tarefas diárias por um período superior a duas semanas. No entanto, embora a tristeza seja o sintoma mais associado à Depressão, um grande número de pacientes relata a perda da sensação de prazer e o desinvestimento no ambiente ao seu redor, a fadiga e falta de energia como o que mais caracteriza o quadro por eles vivenciados.
O tratamento para depressão, a meu ver, deve incluir sempre a possibilidade de abordagem das questões subjetivas, através do atendimento psicológico (psicoterapia ou Psicanálise) e, nos casos mais graves, é necessário que o indivíduo procure assistência psiquiátrica (médica) para avaliar o uso de medicamentos controlados.
O preconceito contra este tipo de abordagem ainda existe, as pessoas se sentem constrangidas e muitas vezes não aceitam que estão nesta situação. Mas na realidade, a luta contra o preconceito no mundo começa dentro de cada um de nós, compreendendo a dor de quem, por algum motivo, não dispõe de recursos subjetivos, num dado momento, para lidar com as dificuldades da vida.’
- Mariana Lauria
- CRP 05/23633
- Especialização em Terapia Familiar Sistêmica pela UFRJ, formação psicanalítica lacaniana pelo ICP da EBP-Rio, e mais de quinze anos de experiência no atendimento a pessoas surdas (oralizadas e sinalizadas)
- Clínica SONORA, Rio de Janeiro, RJ
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4 Comments
Mariana Lauria
25/02/2019 at 19:46José, peço muitas desculpas pela demora em responder.
É preciso em primeiro lugar saber se o seu filho já faz tratamento psiquiátrico ou psicológico.
É importante que ele consiga expressar seu sofrimento, e seja avaliado para saber se é o caso de ser medicado por um psiquiatra.
Se ele já faz tratamento, perceba se seu filho consegue conversar com os familiares, se são observadas as especificidades da comunicação com o surdo, no caso de usar LIBRAS, se as pessoas da família sabem usar LIBRAS, no caso da comunicação oral, com Leitura labial, é preciso falar de frente para ele numa altura próxima do rosto e se certificando que ele está compreendendo, para que seja estabelecido o diálogo. Falo isso, pois muitas vezes a irritação e agressividade é proveniente da frustração por não se sentir “ouvido”, compreendido.
Somente na escuta particular de cada caso é possível avaliar o grau de agressividade e a origem desse comportamento, mas o tratamento psicológico e/ou psiquiátrico e medicamentoso tendem a trazer uma melhora.
No caso da Psicologia, minha especialidade, observo que o filho é, muitas vezes, porta voz de um conflito familiar, e nesse caso, toda a família precisa ser ouvida, acolhida e acompanhada.
O comportamento agressivo gera raiva em todos à sua volta, é importante não somente reagir, mas tentar quebrar este ciclo de hostilidade, tentar usar a palavra (ou os sinais), mesmo que seja para expressar o que está sentindo.
Valeska
25/06/2018 at 15:13Boa tarde! Como faço pra conseguir um contato, indicação de um profissional especializado pra esse atendimento psicólogia/ psiquiatria ?
Mariana Lauria
25/02/2019 at 19:24Olá Valeska, peço desculpas por não ter respondido quando do envio da mensagem. Deixo meu contato aqui, caso ainda precise. Mariana Lauria Tel: (21) 99480-0263. Caso não seja do RJ, tentarei indicar um local para atedimento.
Josefavilanova
17/05/2018 at 16:58Tenho um filho que vai fazer 18 anos e surdo estar com depressao que eu faco como lidar com isso ele fica muito agressivo