Meu nome é Paula. Tenho 46 anos, moro em Franca SP e quero compartilhar com vocês a minha história com a surdez. Sou mãe de uma surda que ouve. Não. Eu não sou surda. Até meus 38 anos meu único contato com a surdez era por conta da minha avozinha de 96 anos e também por uma grande amiga, a Helô, que é mestra e doutora em educação de surdos e Libras e que eu considerava super guerreira por trabalhar com algo tão ‘exótico’. Meu interesse pelo assunto terminava abruptamente aí.
Eu sou advogada, professora e principalmente, essencialmente, eu sou uma cantora. Venho de uma família de artistas, cantores, músicos, atores tanto do lado do meu pai quanto da minha mãe. Canto profissionalmente desde meus 19 anos, já participei de corais premiados no exterior, já cantei com grandes Orquestras, já participei de centenas de casamentos e eventos levando o meu canto pelo mundo. Até 2016, entretanto, eu não sabia o que é o som. Não tinha a mais mínima ideia do que é a música, do valor que tem o mais insignificante ruído.
Minha filha é surda
Ao completar 38 anos em fevereiro de 2016 eu decidi engravidar. Já passava da hora e eu havia, finalmente, encontrado o par perfeito, o meu Sergio. Marcamos o casamento e eu interrompi os contraceptivos.
– Ah! Com essa idade você vai demorar pelo menos 1 ano para engravidar, se é que isso vai acontecer naturalmente!
Pois, para surpresa de todos e mesmo minha, em março eu estava grávida! Casamos em maio com o vestido apertado pelas 10 semanas de gestação, felizes e realizados.
Como toda mãe de primeira viagem comecei a pesquisar tudo sobre gestação, parto, amamentação. Ah! Na 18ª semana de gravidez o bebê começa a ouvir! Viva! Comprei CDs de música para bebês e colocava um fone de ouvido na minha barriga. Todos os dias eu cantava “A noite do meu bem” para meu bebê… “Hoje, eu quero paz de criança dormindo, quero o abandono de flores se abrindo para enfeitar a noite do meu bem...”
As histórias que eu lia sobre os bebês gostarem das músicas e se mexerem e pularem com os sons dentro da barriga, entretanto, não aconteciam com a minha bebê… Eu cantava alto. Nada. Cantava no palco com uma Orquestra sinfônica inteirinha. Nada. Exame de cardiotocografia, a enfermeira toca uma buzina bem alta para assustar e disparar o coração do bebê (crueldade máxima!!). Nadica de nada… Nesse momento meu coração de mãe teve certeza: a Clarice não escutava. (Meses depois, em retorno à obstetra, ao contar sobre o diagnóstico de surdez da Clarice, a médica me questionou o porquê de não ter relatado meus temores a ela. Eu respondi que uma grávida que sugerisse que a filha não escuta porque não se mexe quando ela canta seria, no mínimo, rotulada de paranoica. Ela teve que concordar comigo).
Cheia de dúvidas e sem poder compartilhar minha agonia com ninguém, fui pesquisar sobre surdez e tratamentos na internet. Foi nesse ponto da minha vida que descobri que existia o implante coclear. Isso me deixa pasma até hoje. Se eu, uma mulher com estudo, curiosa, leitora voraz, já com quase 40 anos, até esse dia nunca tinha ouvido falar – Meu Deus! – do bendito implante coclear, imagina só a sociedade em geral, pessoas com menos acesso que eu a informação de qualidade, jovens… (mais tarde fui descobrir, com assombro, que muitos médicos mesmo otorrinos, não conhecem minimamente o mecanismo do IC).
Finalmente chegou o esperado dia 12 de dezembro de 2016! Maternidade e cesariana marcadas, minha médica querida nos acompanhando, tudo correu perfeitamente. Clarice nasceu saudável e todos estávamos bem. Exame do olhinho: ok! Exame do coraçãozinho: ok! Exame do pezinho: ok! Exame da orelhinha: ops… “Deu negativo, mãe. Voltem daqui a uma semana para refazer que deve ser líquido amniótico no canal auditivo.”
Pensei comigo: “Aham, líquido amniótico nada. Clarice não escuta…”
A descoberta da surdez
Refizemos uma, duas vezes o teste e nada. Fomos encaminhados para uma clínica em Ribeirão Preto para fazer um exame mais complexo, um Bera. Ali tivemos o duro mas não inesperado diagnóstico. Clarice é surda profunda bilateral. Não escuta nada. O médico foi muito atencioso e nos explicou tudo sobre o implante coclear que ele faria na Clarice quando ela completasse 1 ano de vida. “E o que eu faço agora, doutor?” “Vá para casa e cuide dela. Quando ela fizer 1 ano você volta.”
Um choque. Um baque imenso. Fui para casa com aquele bebezinho lindo nos braços imaginando o que seria da vida dela, das nossas vidas dali para a frente. Escolas para surdos? Aprender libras? Voltar para São Paulo onde há mais recursos? Chorei uma noite e um dia inteirinhos. Chorei até secarem todas as lágrimas.
Na manhã seguinte enxuguei os olhos e decidi que não ia de maneira alguma esperar um ano inteiro para começar a cuidar verdadeiramente da minha filha. Liguei para Roberta Alves, minha amiga fonoaudióloga e contei tudo a ela pedindo ajuda. Ela correu até minha casa e ficamos uma tarde inteira conversando. Ela me explicando tudo que sabia sobre implante, aparelhos auditivos, reabilitação auditiva. Orientou-me a olhar os blogs dos Irmãos Cocleares, Surdos Que Ouvem e Crônicas da Surdez da Paula Pfeifer e marcou consulta urgente com a fonoaudióloga especialista em implantados aqui na minha cidade, Dra Mônica Pires.
Passei o resto da semana anterior à consulta com a fono na internet. Entrei em contato com a mãe dos irmãos Cocleares, a querida Fernanda Prandini que me incluiu no grupo do Facebook dos SQO, me apresentou várias pessoas, inclusive a Paula Pfeifer. Lá fui muito bem recebida por todos. Foi um oásis em meio ao meu caos. Ouvi histórias, recebi apoio, incentivo, abraços e carinho virtuais. Há uma luz no fim do túnel! Existe solução! Tem gente boa e solidária no mundo!
Fomos então, Clarice, Sergio e eu, à consulta com a Dra. Monica, fonoaudióloga. Eu não conseguia parar de chorar contando toda a história que nos levou até ali. Pela primeira vez confessei a alguém meu ‘luto’ pela criança idealizada que não veio, pela dor que eu sentia em pensar que cantei todos os dias da minha gravidez e a Clarice nunca me ouviu… Nesse momento a profissional disse algo que me modificou e tocou profundamente: Paula, a música não é somente som. É muito mais que isso. Música é pulsação, é ritmo, é sentimento, é força, é acalanto, é AMOR e, tenha certeza, Clarice sentiu tudo isso enquanto você cantava para ela.
A partir desse momento tive restaurada a minha vontade de viver e viver bem, de ver minha filha crescer e se desenvolver como a criança saudável que é, e eu voltei a cantar para Clarice todos os dias. Hoje, passados 8 anos, ela canta para mim e me pede ajuda para acertar a nota perfeita, para mudar o tom da canção, para ajustar o ritmo das suas músicas preferidas… Mas antes voltemos à jornada da Clarice…
Para além da acolhida, da minha inserção no universo dos surdos que ouvem, além de me mandar áudios de seus filhos surdos implantados, Pedro e João (de 6 e 2 anos na época) me dizendo em voz clara e dicção perfeita: “Paula, calma, um dia você vai até esquecer que a Clarice é surda!”, Fernanda Prandini, a mãe dos irmãos cocleares me passou o contato do médico e cirurgião que tinha implantado os dois filhos dela, o Dr. Arthur.
Mandei uma despretensiosa, mas um tanto desesperada mensagem no whatsapp do médico contando a história da Clarice, imaginando que ele jamais responderia. Qual não foi a minha surpresa quando ele retornou, por ligação, a minha mensagem!? O Universo conspira a nosso favor, Claricinha! Vai dar tudo certo! Fiquei quase 3 horas com ele ao telefone, ele me explicando que o implante, para ter maior sucesso, deveria ser feito o mais rapidamente possível, pois com 1 ano de idade a criança já teria algumas janelas neurológicas fechadas. Marcou uma consulta para dia 09 de fevereiro de 2017 e lá fomos nós para São Paulo. Clarice nem havia completado 2 meses!
Os profissionais já nos encaminharam para os exames e procedimentos pré-operatórios como o uso de AASIs emprestados da Mayte, que apesar de muito pesados e desajeitados, eram importantes para o estímulo do nervo auditivo enquanto o implante coclear não vinha.
Aos 8 meses de idade, no dia 17 de agosto de 2017, Clarice foi implantada bilateralmente com um modelo novo à época, o Profile Cl532 da Cochlear. Clarice foi a primeira pessoa implantada com esse modelo na América Latina, então havia pessoas importantes na cirurgia, inclusive o Dr. Luciano Moreira, marido da Paula Pfeifer que escreveu um artigo sobre isso no Portal Otorrino. Tem a foto da cabecinha da Clarice no artigo. Guardei no seu caderno de recordações…
A ativação do implante coclear
Um mês após a cirurgia fomos ativar os Nucleus 6 da Clarice lá no consultório da Mayte. Eu tinha assistido a vídeos bacanas de pessoas chorando de emoção na sua ativação, mas Clarice, como até hoje é seu costume, nem ligou para os barulhos novos. Fiquei um pouco apreensiva… Será que isso vai funcionar?
Pois funcionou e muito bem! Após a ativação dos implantes, Clarice, que já fazia uma sessão semanal com a fono Monica desde seus 20 dias de vida, já falava mamã, vovó e fazia leitura labial desde antes da cirurgia, teve seu desenvolvimento e processo de oralização intensificados. Juntamente com a Monica que nos orientou sempre, estimulamos ao máximo a fala e escuta da Clarice, sempre conversando, descrevendo com palavras e sons cada aspecto da vida, lendo e cantando para ela. “Precisamos ensiná-la a ouvir. O implante não é cura da surdez.”
Na noite do Reveillon de 2017 para 2018, portanto pouco mais de 3 meses após a ativação, Clarice, com 1 ano recém completo, apontou encantada para o céu e exclamou: LUA!!!!
Naquele momento eu e o meu marido nos entreolhamos em lágrimas e tivemos certeza de que toda a jornada tinha valido a pena, que tudo ficaria bem e que tínhamos tomado a melhor decisão ao escolher o implante coclear.
Clarice teve alta da fonoaudióloga aos 5 anos, pois, em meio à pandemia e à dificuldade dos atendimentos presenciais e até on line, em decisão conjunta dos profissionais envolvidos, professoras e da família, ela estava plenamente oralizada.
Hoje Clarice está com 8 anos. Vai para o 3º ano do fundamental, alfabetizada, oralizada, bailarina dedicada indo para o 5º ano da escola de ballet, 3º ano de yoga, amante de dança e música, cheia de amigos, extrovertida, mandona, carinhosa, empática, cuidadosa, esperta, sarcástica, irônica, engraçada, piadista, aventureira, patinadora, menina maluquinha, tagarela, cantora, atriz, ginasta, acrobata, nadadora… Linda, sabe? Muito mais linda e maravilhosa do que qualquer criança idealizada que eu, muito equivocadamente, achei que tinha perdido! Ela é muito mais que isso. É perfeita.
E gratidão é meu sentimento maior. À ciência e às tecnologias às quais tivemos o privilégio de acessar, aos médicos em especial ao Dr. Arthur, ao meu marido Sergio e às nossas famílias que em todo momento estiveram nos apoiando e ajudando, à minha amiga Roberta que me apresentou primeiramente a esse mundo dos Surdos Que Ouvem, às fonos maravilhosas Monica e Mayte, à Fernanda e a todas as mães, pais e pessoas queridas e especiais da comunidade e gratidão à Paula Pfeifer que é a catalisadora desse movimento, que nos une, nos motiva e nos agrega. Sem essas pessoas eu não estaria contando essa história com um final (ou começo) tão feliz.
“…Ah como esse bem demorou a chegar… Eu já nem sei se terei no olhar toda ternura que eu quero lhe dar…”
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