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Deficiência Auditiva

Meu filho NÃO ESCUTA: como a SURDEZ afeta o CÉREBRO da criança

Muitas pessoas chegam ao Crônicas da Surdez fazendo a seguinte busca na internet: meu filho não escuta. Se o seu filho recebeu um diagnóstico de surdez, você veio ao lugar certo. Se você desconfia de que o seu filho não escuta ou se o seu filho tem sinais de atraso na fala, CORRA já para um médico otorrino especialista em surdez para checar se está tudo certo com a audição dele. A perda auditiva é considerada uma URGÊNCIA MÉDICA em bebês e crianças porque ela afeta, de inúmeras maneiras, o cérebro, que se vê privado de acesso aos sons e tem o seu pleno desenvolvimento comprometido.

Ontem mesmo eu conversei com uma mãe que me disse que optou por esperar que o filho (que nasceu com surdez severa-profunda) fizesse 18 anos para decidir se ele queria fazer um implante coclear. Esse tipo de conversa corta o meu coração, porque a mãe que toma uma decisão dessas NÃO TEVE acesso à informação correta. Ninguém contou a ela sobre a janela de neuroplasticidade para aquisição da linguagem oral e muito menos sobre os prejuízos que a perda auditiva não tratada traz ao cérebro. As únicas informações que chegaram para essa mãe foram enviesadas: “ser surdo é uma bênção”, “ser surdo é uma diferença cultural e nada mais do que isso”, “respeite a surdez do seu filho”, “os médicos querem normalizar a sua criança”, “seu filho deve escolher sozinho quando for adulto”. Quem passa essas informações sabe muito bem o que está fazendo: garantindo que, ao assustar os pais a respeito da reabilitação auditiva, eles não optem por ela. Dessa forma, fica garantido que essa criança surda jamais terá a possibilidade de ouvir. Isso é muito triste e, em pleno ano de 2023, acontece com frequência. O público-alvo predileto dessas pessoas mal intencionadas (que não estão pensando no bem estar da criança e nem em como não ouvir e não desenvolver plenamente o seu cérebro e habilidades linguísticas vai afetar o seu futuro) costuma ser as famílias de baixa renda e os pais com nível de escolaridade inferior.

As mães e pais de crianças com algum grau de surdez têm uma responsabilidade enorme, pois são os empreiteiros da grande obra de construção do cérebro do seu filho. Afinal, o cérebro que não tem acesso natural a todos os sons precisa de ajuda da medicina, da tecnologia, da fonoaudiologia e, principalmente, das famílias envolvidas no processo. Os bebês se tornam aprendizes desde o seu primeiro dia de vida, por isso, os pais precisam entender que o que está em jogo para o seu filho é o desenvolvimento cerebral. Desenvolver os cérebros das crianças com deficiência auditiva para que elas possam atingir seu potencial máximo é um trabalho que começa no dia do diagnóstico de surdez e precisa ser levado a sério pelos pais. Os profissionais de saúde e as próteses auditivas, sozinhos, não fazem milagre. A família precisa de informação de qualidade para se envolver nesse trabalho constante da forma mais otimizada e divertida possível.

Como descobrir se meu filho não escuta?

Se você desconfia que o seu filho não ouve bem, a primeira coisa a ser feita é levá-lo para consultar o melhor médico otorrino que puder (de preferência, um que seja especialista em surdez). O médico irá avaliar o seu filho e encaminhá-lo para que ele faça os exames necessários para descobrir se ele tem ou não uma perda auditiva.

Meu filho não escuta: o que eu devo fazer?

Se você já sabe que o seu filho não escuta – seja ele bebê ou criança – aqui está o que você deve fazer no início da jornada da surdez:

  1. Ser acompanhado por um médico otorrino especialista em surdez
  2. Ser acompanhado por um fonoaudiólogo especialista em seleção e adaptação de próteses auditivas pediátricas
  3. Tornar-se membro do Clube dos Surdos Que Ouvem e conecte-se com outras famílias (temos um grupo de mães com 200 famílias de todo o Brasil)
  4. Busque, se achar que precisa, suporte emocional junto a um profissional da Psicologia para cuidar da sua saúde mental

Se o meu filho é surdo, a língua natural dele é a língua de sinais?

95% das crianças com algum grau de surdez nasce em famílias ouvintes (são filhos de pais que ouvem normalmente), ou seja, sua língua materna é a língua oral usada pela família (no caso do Brasil, o português).

A língua de sinais será a língua natural de uma criança que nasce com surdez severa-profunda APENAS se ela estiver inserida numa família em que a língua de sinais é a primeira língua, ou seja, quando seus pais são surdos sinalizados e usam essa língua para se comunicar 100% do tempo.

A desinformação geral da nação sobre surdez e a militância anti-reabilitação auditiva (sim, isso existe e é muito forte) são os principais fatores disseminadores dessa fake news de que “a língua de sinais é a língua natural dos surdos”. Eles só não colocam na frase, propositalmente, o anexo mais importante: “a língua de sinais é a língua natural dos surdos que nascem em famílias nas quais a língua de sinais é usada por todos 100% do tempo”. Veja o gráfico do IBGE, de 2021, que mostra que, no Brasil, apenas 34% das pessoas com surdez de grau profundo afirmam ser usuárias de Libras:

IBGE surdez surdos libras

O meu filho que não escuta: e agora?

Depois de buscar informações de qualidade sobre os caminhos possíveis no caso do seu filho (seja reabilitação auditiva, cirurgias da audição ou até mesmo a opção exclusiva pela língua de sinais) você terá que tomar uma decisão. E, a partir do momento em que você tomar a sua decisão, deverá conhecer as melhores estratégias e ferramentas para estimular da melhor forma o desenvolvimento do cérebro e da linguagem do seu filho que não escuta. Aqui no Crônicas da Surdez, nossas orientações são voltadas às famílias que optam pela reabilitação auditiva. Junte-se a centenas de famílias que optaram por esse caminho no Clube dos Surdos Que Ouvem.

Qual é o aparelho auditivo certo para um bebê ou uma criança?

A fonoaudióloga reabilitadora Sandra Giorgi Santanna (que participou do nosso Curso de Pais de Surdos Que Ouvem e é uma profissional da minha mais extrema confiança) explicou tudo o que você deve saber sobre aparelho auditivo para bebê e criança neste post. Leia sobre o mapeamento da fala.

Como posso estimular o meu filho que não escuta?

Uma das melhores maneiras para o seu bebê aprender a ouvir e a falar é encher o mundo dele com palavras. Isso significa falar, falar, falar e falar mais um pouco. Pesquisas nos dizem que crianças que ouvem 40 milhões de palavras nos primeiros quatro anos de vida se tornam melhores leitores e se saem melhor na escola. Quanto maior a quantidade de palavras às quais seu filho for exposto desde cedo, melhor será a construção do cérebro dele. Lembre-se sempre de que um cérebro privado de estímulos auditivos precisa ser estimulado constantemente! Uma ótima estratégia para atingir esse objetivo é narrar com riqueza de detalhes o que acontece na sua casa.

Por exemplo: quando seu filho está com fome, em vez de simplesmente pegar um lanche e dizer: “Aqui está sua fruta”, envolva muitas palavras nisso. Descreva cada etapa do que está acontecendo “Você deve estar com fome. Vamos pegar um lanche. Vamos abrir a geladeira. O que temos aqui? Maçã, uva, melancia, pêra, melão, morango, banana. O que devemos comer?  Você quer banana? Vamos pegar a banana.  Vamos descascar a banana”.  Depois de entregar a banana ao seu filho, continue: ‘Você está comendo essa banana sozinho. A banana é deliciosa, né? Você estava com fome e agora está com a barriga cheia. Terminou? Vamos voltar para o seu quarto e brincar. Do que você quer brincar? Vamos nos sentar no chão e escolher juntos.”

Viu a diferença da quantidade de palavras usadas ao descrever a ação em comparação com apenas dizer: ‘O que você quer?”.  Imagine a chuva de palavras às quais seu filho será exposto se você tornar essa descrição rica e intensa um hábito! Treine os cuidadores da criança (avós, babá, irmãos, primos, tios) para que façam a mesma coisa. Usem palavras simples.

À medida que a criança cresce, comece a sofisticar o vocabulário, introduzindo sentimentos e adjetivos. Essa é uma ótima estratégia de construção de linguagem através da exposição intensa às mais diferentes palavras. Lembre-se: você está treinando um cérebro em formação. Vá adicionando palavras mais complexas conforme seu filho cresce. O grande estimulador do seu filho surdo é você, pai-mãe! É com você que ele passa a maior parte do tempo.

A precocidade é fundamental para o SUCESSO da reabilitação auditiva da criança que não escuta

Identificar a perda auditiva cedo é essencial, mas agir com urgência e rapidez quando seu bebê não passa no Teste da Orelhinha ou quando vocês começam a desconfiar que ele não escuta direito é igualmente importante. Vou falar mais uma vez: estamos falando de um cérebro em formação que não tem acesso aos estímulos sonoros que precisa.

Vencida a fase do diagnóstico, buscar imediatamente a reabilitação auditiva indicada pelo médico otorrino especialista em surdez é o próximo passo. Depois, você vai buscar um fonoaudiólogo expert em reabilitação de fala e linguagem para iniciar a intervenção precoce. E o que é intervenção precoce? São as sessões de reabilitação semanais nas quais você será capacitado e orientado sobre o que fazer com seu bebê-criança para que você possa maximizar cada interação com ele. Você aprenderá estratégias e brincadeiras para estimular o desenvolvimento cerebral da criança e se tornará o principal professor do seu filho.

Envolva todos os membros da sua família no processo de reabilitação auditiva. Envolva seus avós, tios, tias, irmãos, primos e cuidadores, para que eles também possam fazer uma diferença significativa na vida de seu filho. As próteses auditivas, aliadas à estimulação constante e eficaz da família e dos profissionais de saúde envolvidos, darão à criança infinitas possibilidades.

Preste atenção ao seu filho que não escuta

À medida que seu filho com perda auditiva cresce e se desenvolve, você testemunha o seu progresso nas habilidades de audição e de fala. Mesmo assim, fique sempre atento às alterações! Se você perceber que a criança não está mais respondendo aos sons como costumava fazer ou se o progresso diminui de repente, leve o seu filho imediatamente ao otorrino e à fonoaudióloga que o acompanham para que seja feito um checkup. É importante aprender a checar, em casa, se as próteses auditivas estão funcionando adequadamente. Baterias e próteses podem falhar e precisar de conserto.

A importância do exame de audiometria anual em crianças

Fala-se pouco sobre a importância do exame de audiometria de rotina em crianças. Eu mesma fui uma criança que começou a perder a audição progressivamente aos 6 anos de idade, e ninguém notou! Só aos 16 recebi meu diagnóstico correto: surdez neurosensorial severa e progressiva. Para saber se a surdez do seu filho é progressiva, ele deve ser submetido a uma audiometria a cada 6 ou 12 meses. Converse com os profissionais que te acompanham. No Rio de Janeiro, você pode fazer audiometria em crianças e adultos na Clínica Sonora, que fica no Copacabana Medical Center e conta com uma equipe de otorrinos e fonos especialistas em surdez.

Como posso ajudar meu filho a ouvir melhor e a aprender a falar?

O que os pais de crianças surdas que ouvem com a ajuda da tecnologia mais querem saber é como fazer para estimular o filho surdo em casa. As crianças com perda auditiva precisam aprender e entender todos os sons ao seu redor para que o cérebro possa começar a dar sentido a eles.

Aqui estão algumas estratégias conhecidas e difundidas pelos reabilitadores que darão ao seu filho a oportunidade de detectar e prestar atenção aos sons, à fala e à linguagem ao seu redor e aprender quais são importantes:

  1. Seu filho ainda não sabe o que é som ou o quais sons são importantes. Direcione intencionalmente seu filho para ouvir!
  2. Aponte os sons e os nomeie. Após direcionar seu filho para ouvir, você vai nomear o som, imitá-lo, fazer uma pausa e observar como seu bebê reage. Em seguida, rotule o som e fale mais sobre ele. Você está conectando o som a um nome e à linguagem que o descreve.
  3. Deixe seu filho ouvir um som, uma palavra, uma direção simples ou uma música antes de mostrar o objeto ou a página ou iniciar os movimentos da música. Fornecer contato auditivo antes do contato visual é fundamental para o crescimento das habilidades auditivas
  4. Ajude seu filho a aprender a ouvir minimizando o ruído de fundo do ambiente. Quando você controla o ambiente de escuta e enfatiza os sons, as palavras e a linguagem falada que seu filho ouve, você facilita a escuta. Você já verificou o quão barulhenta é a sua casa e como fazer para melhorar isso?
  5. Faça sempre uma narração detalhada de tudo o que está acontecendo enquanto estiver se comunicando com o seu filho
  6. Converse com seu filho e espere uma resposta dele. O objetivo é incentivar a criança a usar suas próprias palavras e desenvolver suas habilidades de escuta e linguagem. Isso também ajuda seu filho a aprimorar suas habilidades de fala e de pensamento, que são importantes para expressar o que se passa na sua cabeça.
  7. Inicie uma surpresa dentro de uma rotina diária para que seu filho possa praticar vocabulário, perguntas, solução de problemas e uso da linguagem falada. Espere que seu filho perceba o inesperado e veja como a conversa se desenrola.
  8. Expanda o vocabulário da criança, usando palavras diferentes que signifiquem a mesma coisa. Conectar aquilo que é familiar a algo menos familiar ajuda seu filho a aprender sobre o mundo.
  9. A melhor maneira de aprender é fazendo, por isso, dê ao seu filho dicas para ajudá-lo a pensar – assim ele vai resolver problemas e descobrir respostas por conta própria.  O objetivo é promover as habilidades de escuta e pensamento de seu filho para que ele conecte as informações, e isso expande e aprimora seu conhecimento do mundo e da linguagem.
  10. Quando a criança falar “Hãn?”, em vez de prontamente repetir o que foi dito, pergunte o que é que ela ouviu. Na maioria das vezes, seu filho ouviu uma parte da mensagem. Ao perguntar o que a criança ouviu, você vai descobrir qual parte da mensagem precisa ser repetida e , dessa forma, ajudá-la a compreender por conta própria. O uso dessa estratégia incentiva seu filho a assumir a responsabilidade por sua própria audição, concentrando-se na primeira vez que algo é dito ou perguntado.

 

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grupo de surdos que ouvem deficiência auditiva surdez

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About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

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