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Crônicas da Surdez

Cancelamento de pessoas com deficiência: o caso das pessoas surdas

O que acontece na deficiência surdez não acontece em nenhuma outra deficiência – pelo menos, eu nunca soube de nada parecido. Pessoas com deficiência auditiva se sentem no direito de cancelar…outras pessoas com deficiência auditiva. Bizarro? Pois é!

Vamos começar esse artigo com uma citação impecável da filósofa Ayn Rand:

A menor minoria da Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias

 

Todo indivíduo na face da Terra tem direito a fazer suas próprias escolhas – e arcar com as consequências das mesmas. Existem surdos (e famílias responsáveis por crianças surdas) que fazem a opção pela língua de sinais. Existem surdos (e famílias responsáveis por crianças surdas) que fazem a opção pela reabilitação auditiva. Existem surdos (e famílias responsáveis por crianças surdas) que fazem a opção pelas duas coisas.

Entretanto…

Algumas pessoas se sentem donas e proprietárias da palavra surdez. Já perdi as contas de quantas vezes tive que ler ou ouvir de uma pessoa surda que eu não sou surda, que eu sou ‘só deficiente auditiva’, que tecnologias auditivas são coisa de gente que não se aceita, que implante coclear é uma imposição da sociedade ouvinte e que não posso falar sobre esse assunto. É muita, mas MUITA baboseira sem fundamento.

Eu tenho surdez profunda bilateral, e o implante coclear, apesar de me permitir ouvir tudo, não cura a minha surdez. Quando a pilha acaba, ela continua ali, do mesmo jeito. A surdez tem graus: leve, moderado, severo e profundo. A surdez tem tratamento na maioria dos casos, para quem assim desejar. Qual é o problema de se falar sobre isso e por que isso ofenderia alguém?

Por que querem nos calar?

Por que tanto ódio é dirigido às pessoas que se dedicam a escancarar a diversidade da surdez? Quem foi que ‘decidiu’ que existe um único ‘tipo’ de surdo e que ele deve seguir uma cartilha pré-determinada (por quem, mesmo?) da surdez? Por que aterrorizar famílias que acabam de receber o diagnóstico de surdez com mentiras do tipo “implante coclear explode a cabeça” quando a única coisa que ele faz é permitir que uma criança que não ouve possa ouvir?

Vivemos um tempo de conquistas e visibilidade para o movimento das pessoas com deficiência como um todo, mas até mesmo as pessoas que têm outras deficiências sentem MEDO de tocar no assunto surdez.

Já ouviu falar sobre Capacitismo?

Capacitismo, de forma simples, é o preconceito sofrido por pessoas com deficiência. O movimento global das PCDs se dedica a falar sobre isso com o intuito de quebrar comportamentos errados da sociedade que prejudicam demais a vida de quem tem alguma deficiência. Inúmeros criadores de conteúdo brasileiros que são PCDs vêm se dedicando a fazer um belíssimo trabalho nesse sentido.

A surdez é a ÚNICA deficiência na qual algumas pessoas que a possuem sub-categorizam pessoas que também a possuem. Reza a ‘cartilha da surdez’ que, se você usa Libras, você é Surdo, com S de superioridade. Se não usa e ainda comete o pecado de usar aparelhos auditivos, aí, meu bem, você desce dez degraus e se torna ‘só deficiente auditivo‘.

Aliás, não consigo parar de pensar sobre isso: existe algo mais vergonhosamente capacitista do que um surdo dizer que outro surdo é ‘só deficiente auditivo‘? Isso vai contra TUDO o que o movimento das pessoas com deficiência prega e luta contra.

Parece inocente, briguinha boba de criancinha em idade escolar, não é mesmo? Só que isso tem consequências seríssimas na vida das pessoas surdas que NÃO usam Libras. Quais?

Não existe acessibilidade NENHUMA nas escolas e faculdades, públicas ou privadas, para estudantes surdos que não usam Libras. Professores de escolas públicas doutrinados na ‘cartilha da surdez’ se recusam a usar tecnologias fornecidas pelo SUS como o Sistema FM (que auxilia no entendimento de fala em ambientes de ruído quando a criança usa aparelhos auditivos/implante coclear). A opinião pública acredita e divulga a mentira de que TODO surdo usa Libras, prejudicando o avanço das informações sobre tecnologias e tratamentos disponíveis. Há inúmeras tentativas de aprovação de projetos de lei que querem obrigar TODOS os estudantes surdos a terem Libras como sua primeira língua (violando o poder pátrio dos pais e a vontade das crianças) e todos os estudantes ouvintes a aprenderem Libras, quer queiram ou não. Entidades e detentores de cargos públicos, pagos com o dinheiro do contribuinte, fazem lobby escancarado para um aparelhamento estatal pró Libras.

Qual o problema da Libras?

NENHUM! NÃO SOMOS CONTRA LIBRAS. A língua de sinais é uma língua extremamente necessária para muitas pessoas e isso é indiscutível. Mas ela não é mandatória e nem ‘natural’ para TODOS os surdos.

O problema é um só: o silenciamento e a invisibilização das pessoas com deficiência auditiva que OPTARAM por não usar língua de sinais. Ela não é, nunca foi e jamais será o ÚNICO caminho possível para uma pessoa surda. Ele não é um caminho OBRIGATÓRIO da vida das pessoas surdas, como tantas lideranças e lobistas querem que todos acreditem.

Pessoas surdas que NÃO usam Libras existem aos milhões, no Brasil e no mundo. Também são cidadãos pagadores de impostos. Também existem e têm direito à acessibilidade. Fala sério, não é tão difícil assim de entender, né?

E as verbas públicas?

Lendo este post, você descobre que UMA ÚNICA escola para surdos usuários de Libras possui orçamento anual equivalente a 64% do valor gasto em saúde auditiva em TODO o país, durante o período de 1 ano. Isso sem considerar todas as outras escolas custeadas com dinheiro público que têm foco em Libras.

Por que ninguém fala sobre o CUSTO-BENEFÍCIO da reabilitação auditiva? Ah, pois é! 😉

Números globais da surdez

Atualmente, segundo a OMS, existe 466 milhões de pessoas com surdez de grau severo e profundo no mundo, fora todos os outros graus. Quase 1 milhão de pessoas já são usuárias de implante coclear no mundo. Centenas de milhões de pessoas são usuárias de aparelhos auditivos. A própria Organização Mundial de Saúde reconhece os prejuízos de bilhões de dólares da perda auditiva não tratada, além de considerar a surdez um grave problema de saúde pública – a previsão é de que em poucos anos mais de 900 milhões de pessoas terão desenvolvido algum grau de surdez.

Diversidade da surdez

Se você acha que surdo é só quem não ouve NADA, que TODO surdo usa Libras, que a Libras é a língua natural de TODO surdo e o ÚNICO recurso de acessibilidade que as pessoas surdas usam, um conselho: estude e se informe, porque generalizações deste tipo são irresponsáveis e perigosas.

Afirmar categoricamente essas coisas é tão inaceitável quanto abrir a boca para dizer que “mulher que é mulher faz isso”, “negro que é negro faz aquilo”, “gay que é gay age assim assado”. Patético, inadmissível e desrespeitoso. Apenas PAREM.

E por último…

Se você acha normal que pessoas surdas cancelem pessoas surdas, faça algumas reflexões!

  • Você acha que um cadeirante deve renunciar à cadeira de rodas porque isso significa que ele quer se moldar aos padrões impostos pela sociedade?
  • Se o seu filho nascesse cego e houvesse uma tecnologia que lhe permitisse voltar a enxergar, você a recusaria com o argumento de que o braille não pode desaparecer?
  • Você consegue imaginar uma pessoa que usa cadeira de rodas ridicularizando uma pessoa que usa bengala?
  • Você usa óculos? Pois é, a função do aparelho auditivo é exatamente a mesma!
  • Se o seu filho nascer com surdez profunda e tiver a chance de voltar a ouvir através de um implante coclear, você vai negar a ele o direito de ouvir todos os sons do mundo?
  • Você consegue imaginar uma pessoa com deficiência visual apontando o dedão para outra pessoa com a mesma deficiência porque ela decidiu fazer uma cirurgia para tentar enxergar melhor?

Assista ao vídeo

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Eu já passei pela saga da compra de aparelhos auditivos várias vezes. Já fui convencida a me endividar para comprar um aparelho auditivo “discreto e invisível” que sequer atendia a minha surdez. Já fui enganada ao levar um aparelho auditivo para o conserto na loja onde o comprei: a fonoaudióloga disse que ele não servia mais para mim sem sequer verificá-lo ou fazer uma nova audiometria. Já quase caí no conto do vigário de gastar uma fortuna num aparelho auditivo para surdez profunda “top de linha”, cujos recursos eu jamais poderia aproveitar devido à gravidade da minha surdez. Já fui pressionada a comprar um aparelho auditivo porque supostamente a “promoção imperdível” duraria apenas até o dia seguinte. E também quase cometi a burrada de comprar um aparelho de surdez que já estava quase saindo de linha por causa de um desconto estratosférico.

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About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

4 Comments

  • Marcel Mozart
    26/10/2020 at 19:43

    Eu perdi a audição aos 18 anos devido a medicamento usado para um tratamento de problemas decorrentes de insuficiência renal que tenho desde os 14 anos.
    Não sei LIBRAS além de uns poucos sinais e o alfabeto que fui aprendendo com a convivência com outros surdos em ambiente de trabalho.
    Não vejo necessidade no meu caso de aprender LIBRAS pois ao meu redor, as pessoas com quem mais mantenho contato não sabem LIBRAS.
    Inclusive a maior parte dos surdos que conheço não sabem.
    Mas sempre tem aquelas pessoas, surdas ou não, que falam “porque você não aprende LIBRAS”…eu não vejo esta necessidade em minha vida.

    Reply
  • Daniella Santos
    26/09/2020 at 14:11

    Olá, no texto você cita que: “Professores de escolas públicas doutrinados na ‘cartilha da surdez’ se recusam a usar tecnologias fornecidas pelo SUS como o Sistema FM”. Tenho uma filha deficiente auditiva com 7 anos apenas, implantada unilateralmente e usa aparelho auditivo no outro ouvido. No entanto é imensamente desgastante termos que fazer valer o direito de vcs, mas é a única opção.
    O professor não pode se negar a usar algo do gênero… existem legislações que amparam o deficiente auditivo, inclusive através do uso de tecnologias assistivas como o FM e outras, e mais. E ainda tem o art. 5° do ECA que fala que: ” nenhuma criança e adolescente será objeto de qq forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da Lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
    Com isso, caso a escola não se manifestar sobre o não cumprimento das legislações, cabe à nós não ficarmos calados e formalizar uma reclamação junto à Escola sobre esse não cumprimento, inclusive por escrito. Pois caso não dêem posicionamento sobre o fato, respondendo o documento que foi formalizado pedindo esclarecimentos, podemos formalizar denúncia no Ministério Público e ao Conselho de Educação Estadual, para que instrua processo de reorientação ou uma ação contra o Estado/Município (se escola pública) e pode até levar ao descredenciamento (caso escola privada).

    Reply
  • Davi V. Galúcio
    21/09/2020 at 11:12

    Bom dia! Li o artigo muito bom! Precisamos lutar por essas mudanças consideravelmente necessárias na sociedade. Valeu! Obrigado!

    Reply
  • Keile Pereira de Azevedo
    17/09/2020 at 09:30

    Bom dia, Paula
    Belo texto é bem exemplificado. Aliás, imagina alguém que nasceu ouvinte e no decorrer da vida aconteceu de perder a audição, então essa pessoa que não sabe libras seria obrigado a aprender por alguma medida aprovada seja lá por quem?

    Seria um assunto a complementar aqui.

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