Conviver com uma deficiência invisível como a surdez envolve enfrentar uma série de desafios. Quem nunca ouviu “Você nem tem cara de surdo!”, “Nem parece que é surdo, não usa Libras” ou “É muito bonito para ser surdo!”, como se a surdez tivesse que ter uma característica externa que pudesse ser vista e reconhecida por qualquer um. Aliás, a surdez é invisível, mas também é a deficiência mais heterogênea que existe.
A diversidade da surdez é gigante – e, se você é novato no assunto, tenho dois dados importantes para te passar. Primeiro, há 1,5 bilhão de pessoas com algum grau de surdez no mundo. Segundo, a maioria absoluta das pessoas com algum grau de surdez no Brasil e no mundo NÃO usa língua de sinais. O capacitismo é tão enraizado no senso comum que as pessoas esperam que o surdo seja um coitadinho. Isso é deprimente.
Clube dos SURDOS QUE OUVEM
Você se sente sozinho? Solitário? Não tem com quem conversar sobre a sua surdez? Gostaria de tirar mil dúvidas sobre os seus aparelhos auditivos? Gostaria de conversar com pessoas que já usam implante coclear há bastante tempo? Precisa de indicação de otorrino especializado em surdez e fonoaudiólogo de confiança? Filie-se ao Clube dos Surdos Que Ouvem.
Surez, a deficiência invisível
Um dos maiores desafios da surdez é ser uma deficiência invisível. Nem sempre os aparelhos auditivos ou implantes cocleares conseguem denunciar a nossa deficiência. As pessoas custam a acreditar que somos surdos porque falamos! Acham que surdo é só quem não ouve nada, que surdo não fala, que só usa LIBRAS para se comunicar. ‘Surdo que fala? Só pode ser golpe!’
Alguns até duvidam da surdez e querem provas de que realmente somos surdos. “Ah, usa aparelho auditivo? E com ele, você escuta até aquele mínimo som? Não é possível, só pode estar me enganando!”.
Leia o post As Injustiças Sofridas por quem tem Deficiência Auditiva.
A deficiência invisível
A surdez, por ser uma deficiência invisível, não é compreendida pela sociedade pelo desconhecimento geral da população sobre surdez. O governo, os vendedores de tecnologias de acessibilidade “para surdos” e as frentes radicais da comunidade surda sinalizante fazem questão de perpetuar o capacitismo com mentiras do tipo: todo surdo usa Libras, todo surdo é mudo, a maioria dos surdos é analfabeta e por aí vai. Eles ignoram os dados oficiais do IBGE e da OMS sobre a surdez no Brasil e no mundo em benefício próprio. E, assim, prejudicam milhões de pessoas, sem a menor dor na consciência.
As pessoas não conseguem imaginar ou mensurar os tipos e níveis de dificuldades pelas quais passamos em nossa comunicação no dia-a-dia. Falar ao telefone, entender a fala humana em ambientes ruidosos, todas as bocas cobertas por máscaras, entender uma simples conversa com várias pessoas, participar de reuniões do trabalho, falta de acesso ao mercado de trabalho e falta de legendas são apenas algumas delas.
Os outros não fazem a mínima ideia da forma como ouvimos com os aparelhos auditivos. Pensam que um aparelho auditivo “cura” a surdez e resolve todos os nossos problemas, o que não poderia estar mais longe da verdade. Não podemos culpar ninguém pela desinformação em relação à surdez, afinal ninguém nasce sabendo e pouco se fala sobre deficiências em 2022.
Precisamos assumir o nosso papel de informar e educar as pessoas. Expor a nossa deficiência invisível e os nossos problemas. Se não sairmos do armário da surdez, como as pessoas aprenderão sobre nós e nossas necesidades de acessibilidade?
Como resolver?
Se você tem deficiência auditiva, precisa começar a se posicionar, fiscalizar e ser um cidadão atuante em tudo o que diz respeito à sua deficiência invisível. Sem fazer isso, nada vai mudar. Esbravejar em redes sociais não adianta nada. Aproveite que o Portal da Transparência hoje é uma realidade e o Gov.Br nos permite entrar em contato com qualquer órgão público brasileiro com direito a número de protocolo. Exerça a sua cidadania. Por exemplo: para reclamar da fila do SUS para receber um aparelho auditivo faça uma denúncia na Ouvidoria do Ministério da Saúde.
Exponha as suas dificuldades quando for preciso e apresente as soluções para cada problema. Se você for mal atendido em algum estabelecimento, tenha paciência com a ignorância da pessoa que lhe atender. Diga calmamente que não entendeu a fala por conta da dificuldade para ouvir, explique como deve falar com você, de frente e sem tapar os lábios, sem falar depressa ou nem devagar demais. Ensine! Não perca as oportunidades de mudar o mundo para as pessoas com deficiência auditiva. Pratique a autoadvocacia.
Por conta da invisibilidade da nossa deficiência, precisamos nos expor para sermos vistos! Precisamos falar de nós para que o mundo nos conheça, contar as nossas histórias, glamourizar e mostrar as nossas próteses auditivas ao invés de escondê-las! Precisamos ter paciência com a ignorância das pessoas e ensiná-las sobre a surdez.
E por último
Sua deficiência invisível será sua eterna companheira durante a vida. Abrace-a e assuma a sua responsabilidade na construção das mudanças, na luta anti-capacitista, na modificação de leis velhas e inúteis, na luta por acessibilidade e no compartilhamento de informações sobre a diversidade da surdez. O que não é visto nunca é lembrado. Portanto, mãos à obra, porque ninguém fará isso por nós além de nós mesmos!
CURSOS SURDOS QUE OUVEM
3 Comments
Alexandre
03/11/2021 at 15:30Com deficiência auditiva hereditária, fui aprendendo a olhar de frente para quem estou conversando e ler seus lábios. Desde que as máscaras foram inseridas por conta da pandemia, acabei ficando mais surdo ainda…kkkk…….Bom, quem tem a perda auditiva sabe do que estou falando. Muitas vezes quero fugir de tudo e de todos, quero ficar isolado, sem falar com ninguém, já que a audição não ajuda para o diálogo com as pessoas, porém, é difícil escapar. Em casa ou no trabalho, principalmente, acontece de ser chamado por algum colega de trabalho. Enfim, por esses dias, acabei me chateando na empresa. Um colega, em tom meio irritado, disse que era impossível falar comigo, que eu balanço a cabeça como quem está entendo a conversa. Não tiro a razão dele, muitas vezes é isso que acontece mesmo, por conta da falta de paciência das pessoas para entenderem essa deficiência invisível que nos acomete, sinalizo que entendi. Mas, no fim das contas, até gerou um atrito, acabei me enfezando e dizendo que deficiente é o preconceito dele (uma frase pronta da internet), mas que cabe a muitos.
Balada e surdez: impressões de quem passa perrengue
03/01/2020 at 18:10[…] o ‘certo alguém’ nem imaginará que você não escuta ou escuta mal. Nessas horas, a deficiência invisível nos coloca em maus […]
Andrea
08/04/2019 at 11:48Dia desses encontrei no meu ambiente de trabalho, um cara que perdeu a audição de um dos ouvidos por conta do trabalho. Quando vi ele de AASI, fiquei empolgada, pois onde trabalho, até então, só eu uso AASIs. Toquei o ombro dele e comentei: – Você também uso aparelho?! Eu também! – Ele falou: – Eu estava trabalhando, mas vou fazer uma cirurgia para melhorar. – Ele falou num tom de que ele era surdo por um motivo melhor que o meu…risos… eu sou surda por hereditariedade. Sei que fiquei sem palavras, afinal, o motivo da surdez pra ele, torna alguém um surdo melhor ou pior. Surdo é surdo, como ouvinte é ouvinte. Mas o mundo tá cheio de pessoas ignorantes. Detalhe, eu e ele temos a mesma profissão.