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Meu nome é Ester. Comecei a perder minha audição por volta dos 11 anos. Na escola, as pessoas me chamavam e eu não respondia. Comecei a sentir dificuldades para ouvir minha própria voz e também para ouvir música. Um dia, observando um passarinho cantando, percebi que não o escutava ele. Repeti o meu nome naquele instante em voz alta, e não escutei minha voz de maneira clara.

O DIAGNÓSTICO DE PERDA AUDITIVA PROGRESSIVA

Nesse momento percebi que precisava procurar ajuda.

Com muito custo e mesmo já trabalhando na época como babá, juntei dinheiro e paguei uma consulta com uma fonoaudióloga particular. Após o primeiro exame, ela me deu o diagnóstico de surdez: disse que eu tinha perda auditiva bilateral severa, e que possivelmente eu iria perder ainda mais a minha audição.

Os aparelhos auditivos eram caros: me assustei com os preços e sabia que seria impossível comprar naquele momento, pois sou de origem humilde.

Naquele dia, saí do consultório chorando como nunca e sentindo como se a minha vida tivesse acabado. Pensei que estava entrando em processo de me desconectar do mundo. Ouvir era tão essencial pra mim! Quando estava triste, o que me animava era a música, eu amava ouvir Racionais, amava música como ninguém.

O BAQUE DA PERDA AUDITIVA PROGRESSIVA NA VIDA REAL

Na escola, perdi amigos, alguns alunos riam, caçoavam, e tive até a cabeça enfiada em um vaso sanitário.

Eu era a ‘’estranha’’, era alvo de piadinhas e de agressões físicas – ou seja, de bullying. Me vi completamente sozinha: era difícil me comunicar, eu não entendia nada que os professores falavam, pensei em desistir dos estudos e largar a escola.

Eu tentei suicídio: cheguei a ter uma overdose de medicação e quase morri.

Eu não sabia Libras, e estava aprendendo a fazer leitura labial.

ADAPTAÇÕES À PERDA AUDITIVA PROGRESSIVA

Mudei de escola diversas vezes até conseguir ir para uma escola na qual me sentisse ‘’incluída’’.

Aonde eu fosse, uma amiga de infância ia comigo: ela se sentava do meu lado e repetia palavra por palavra dos professores. Estudei nas madrugadas, nos finais de semana, a qualquer momento, pois eu não queria perder nenhuma informação. Eu queria estudar.

Foquei toda a minha dor nos estudos, mesmo que sozinha, mesmo na solidão, mesmo em total silêncio.

A PERDA AUDITIVA PROGRESSIVA E A DEPRESSÃO

Junto com o diagnóstico de surdez, veio a depressão.

Aos 16 anos, procurando um trabalho, fiz uma entrevista para trabalhar em um projeto que tinha como objetivo incluir jovens com deficiência no mercado de trabalho. Lá, conheci minha educadora social, Cristiane, que me ensinou tudo que sei hoje sobre inclusão.

Ela me incentivou a aprender Libras, ela me incentivou a não desistir, ela me incentivou a sair do armário da surdez, ela enxergou capacidade em mim.

Com muito foco e dedicação, aprendi Libras, trabalhei durante 5 anos nesse projeto, ensinei, aprendi, conheci outros surdos, conheci a comunidade surda, e passei a me olhar com mais amor.

Me aceitei. Antes, dizer ‘’ EU SOU SURDA’’ era tão difícil. Eu tinha preconceito comigo mesma e não sabia.

ACESSIBILIDADE

E somente no último ano do ensino médio, estudando minha vida toda em escolas públicas, eu consegui uma intérprete.

No dia que vi a intérprete entrando pela sala de aula, entendi que aquele não era nem o começo da minha jornada. Eu tinha muito ainda pela frente.

Trabalhava 8 horas por dia, estudava longe, cuidava de um pai alcoólatra e com demência, e mesmo assim me dedicava ao meu sonho: cursar direito.

Meu pensamento era: ‘’Sou pobre, venho da periferia, tenho deficiência. Ou consigo uma bolsa 100%, ou não estudo!‘’

Nunca fiz cursinho porque não tinha como pagar. Estudei no ônibus, no horário de almoço, nas madrugadas, finais de semana. Fiz tudo para me preparar para o Enem: chegava a dormir 4 horas por dia e mantive constância no meu sonho.

ESTUDANTE DE DIREITO NA UFMG

Fiz o ENEM, e quando vi meu nome na lista de aprovados do curso de Direito da da UFMG, eu chorei de felicidade. Há muito tempo eu não sorria.

Fui para a faculdade de Direito e  não foi fácil lidar com tanta desigualdade.

Tive medo, mas não desisti. Encontrei professores maravilhosos, encontrei professores apavorados por ter uma aluna surda em sala de aula, mas desistir não era uma opção.

SURDEZ PROGRESSIVA E IMPLANTE COCLEAR

Durante todo esse trajeto,  perdi minha audição COMPLETAMENTE.

Minha surdez, que era severa, evoluiu para profunda. Perdi minha audição e perdi meu pai: ele faleceu e foi um momento de grandes perdas.

Veio a pandemia e, com ela, as aulas remotas. Fiquei desempregada mas uma luz no fim do túnel apareceu pra mim: a oportunidade de estagiar em um escritório que possui um diferencial enorme. Conheci o Rafael Lacerda, sócio e fundador do escritório, que não se importou em ter uma estagiária surda. Ele não pediu laudos, não falou sobre minha surdez e apenas acreditou em mim.

Durante esse percurso, de ser uma mulher com deficiência, eu entendi que a vida era muito mais difícil para o PCD.

Passei por momentos de agressões físicas, verbais, preconceito, exclusão, solidão e foi através dessas infelizes experiencias, que entendi que precisava levantar a minha voz para ajudar aqueles que passavam pelo mesmo.

No escritório que trabalhava, com auxílio de um dos advogados, Raphael Becker, e do meu chefe, Rafael Lacerda, comecei a travar a luta para conseguir fazer o implante coclear.

Nunca quis fazer o implante para ‘’ consertar ‘’ algo em mim. Não me importo em ser surda, amo Libras, amo a comunidade surda, Não há problema nenhum em ser surdo.

Decidi fazer o implante pois sabia que a sociedade é capacitista. Escutando novamente, eu poderia ter mais forças e acesso à inclusão para lutar contra a sociedade capacitista e preconceituosa.

Vejo diariamente a luta e a dor dos meus amigos que também são PCDs, e eu queria me comunicar melhor com meus colegas de trabalho, professores e amigos. Eles se esforçavam muito para falar comigo, não sabem Libras, então pensei: “Vou fazer o implante coclear e encarar o mundo sonoro”

Foi um ato de amor comigo mesma e com as pessoas que amo.

Foram dias de ansiedade, de espera, de dor, até que o momento do implante chegou. Recebi apoio daqueles que estiveram comigo desde o começo: o escritório e a Cristiane. No dia 11/01/2022 fiz a cirurgia, e no dia 17/02/2022 fiz a ativação do implante coclear.

ATIVAÇÃO DO IMPLANTE COCLEAR DA ESTER

UMA SURDA QUE OUVE

No momento em que ouvi o primeiro som, tive a certeza de que nada e nem ninguém era capaz de me parar.

Chorei de felicidade. Chorei pois sabia que assim eu poderia ajudar mais na luta contra o capacitismo.

Hoje eu escuto minha voz depois de 7 anos em completo silencio. Escutar a minha própria voz outra vez me fez querer escutar a voz de cada um que passa ou passou pelo mesmo que eu.

Quero lutar por um mundo com menos preconceito, por um mundo mais inclusivo. Minha luta começou aos 11 anos, e não terminou agora aos 22. Ainda tenho muito o que lutar e muita informação para compartilhar.

Sou grata por todo esse processo, mesmo que dolorido. Sou grata à Cristiane, ao Rafael Lacerda. Sou grata por não ter desistido.

Assim como tive pessoas ao meu redor que não faziam ideia de como era um mundo para  as PCDss e mesmo assim ajudaram, espero que mais pessoas possam fazer isso.

Informem-se, ajudem e lutem conosco pois não é fácil. A luta é de TODOS. A diversidade na surdez é enorme, e eu decidi ser uma SURDA QUE OUVE, que fala, que sabe Libras, que é implantada E FELIZ!

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About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

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