O jeito certo de se referir a uma pessoa com algum grau de surdez é surdo e não deficiente auditivo. Isso porque a surdez tem graus (leve, moderado, severo e profundo) e a LEI BRASILEIRA não considera todos os tipos e graus de surdez como DEFICIÊNCIA AUDITIVA. Por isso, aquele blablablá datado e equivocado de quem diz que “surdo” é quem usa Libras e se identifica com a cultura surda e todo o resto são “deficientes auditivos” não tem nem pé e nem cabeça.
Surdo com S maiúsculo, surdo com s minúsculo, deficiente auditivo ou pessoa com deficiência auditiva? Você já deve ter lido por aí as baboseiras clássicas que dizem que surdo é só quem usa Libras, tem surdez “total” e de nascença, faz parte da comunidade surda sinalizante e não vê a surdez como uma deficiência – e que o resto é “só” deficiente auditivo.
Antes, uma reflexão pertinente: essa discussão é tão bizarra quanto querer categorizar alguém entre “muito preto” e “pouco preto” ou então como “gay de verdade” e “gay de mentira”. É ridículo, ainda mais em tempos nos quais se fala tanto em diversidade e inclusão, querer subcategorizar pessoas que possuem a mesma deficiência sensorial e dizer qual delas é ‘superior’ à outra.
Os vendedores de ‘tecnologias de acessibilidade para surdos’ virão com aquele velho papo datado e chato de ‘ponto de vista clínico ouvintista’ que possui um viés e tanto; além disso, esse papo também tem o objetivo de manipular a opinião pública e negar a diversidade da surdez. É lamentável que isso continue acontecendo em pleno ano de 2024.
Portanto, muito cuidado com generalizações grosseiras que ousam falar em nome de todas as pessoas surdas. A surdez é diversa e ninguém tem competência para falar em nome ‘dos surdos’. Se você chamar um surdo oralizado e um surdo sinalizado para palestrar sobre surdez, os pontos de vista de ambos serão diametralmente diferentes – e está tudo bem, porque diversidade é isso! Não existe e nunca existirá um “jeito certo” de ser surdo. Assim como não existe um “jeito certo” de ser gay, trans, negro, etc. Ok?
DEFICIENTE AUDITIVO OU SURDO: qual é o jeito certo?
É certo chamar de surdo uma pessoa que possui algum grau de surdez (leve, moderado, severo ou profundo) mas nem todo surdo é considerado como deficiente auditivo aos olhos da LEI BRASILEIRA. A surdez tem graus: leve, moderado, severo e profundo. Apenas alguns tipos e graus de surdez são considerados pela LEI BRASILEIRA como deficiência auditiva.
Chamar uma pessoa com surdez leve, moderada, severa ou profunda de surdo está 100% correto. Entretanto, chamar qualquer pessoa que possui algum grau de surdez de DEFICIENTE AUDITIVO está errado, já que a lei não considera todas essas pessoas como pessoas com deficiência auditiva.
O termo ‘deficiente auditivo’ sequer deve ser usado. O correto é pessoa com deficiência auditiva. É mais simples do que parece. O que acontece é que meteram língua de sinais no meio dessa questão, complicaram tudo à toa e querem que a sociedade acredite que só pode ser chamado de surdo quem usa Libras e não escuta nada.
Vide essa história de querer diferenciar “surdos” de “Surdos”, como se quem usa S maiúsculo fosse “superior” na fila do pão da surdez apenas porque usa Libras. “Ah, mas é uma diferença cultural”. Beleza: você já viu alguém se denominar “Preto” com P ou “Gay” com G para se diferenciar dos outros? Eu, não. Dar palco para certas bizarrices não condiz com as práticas nem com a luta pela diversidade e inclusão.
E qual é o significado de surdez?
“Falta ou perda absoluta ou diminuição considerável do sentido da audição.” Inclui a falta, a perda absoluta ou a diminuição considerável da audição. Tudo isso é surdez – ou perda auditiva, chame como preferir.
A maioria dos surdos NÃO usa Libras
A maioria dos surdos no Brasil e do mundo NÃO usa Língua de Sinais. Dados divulgados pelo IBGE em 2021, da Pesquisa Nacional de Saúde. E todo mundo já sabia disso, só faltavam os dados oficiais corroborarem. Duvida? Abra um chamado no Portal da Transparência e descubra você mesmo quantos alunos a maior escola especial para surdos sinalizados do país possui.
O Relatório Mundial da Audição, da Organização Mundial de Saúde, mostra que 1,5 bilhão de pessoas no mundo têm algum grau de surdez, mas apenas 30 milhões de pessoas são prováveis usuários de língua de sinais.
Para mais detalhes leia QUANTOS SURDOS HÁ NO BRASIL EM 2024.
Os DADOS nos mostram uma realidade bem diferente do que aquela que os ouvintes que querem falar pelos surdos e os vendedores de tecnologias de acessibilidade ‘para surdos’ querem que você acredite.
O que diz a Lei Brasileira de Inclusão?
Nas leis mais recentes, por exemplo, a Lei 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão, alinhada com os conceitos internacionais), usa-se pessoa com deficiência auditiva, para TODOS OS SURDOS. Usar língua de sinais não muda nada.
Segundo o Ministério da Saúde (2017), surdez é a impossibilidade ou dificuldade de ouvir. Notou que OFICIALMENTE, não encontramos nada que justifique diferença entre os termos?
“Ah, mas os gringos e a comunidade surda sinalizada diferenciam surdos de deficientes auditivos!”. Enquanto cidadãos de um país, estamos submetidos às suas leis. E ficar criando caso por causa de nomenclaturas que dizem, no final das contas, a mesma coisa, é de uma perda de tempo sem precedentes.
Além do mais, fazer diferenciação entre “surdos” e “deficientes auditivos” é uma forma de beneficiar apenas as pessoas que são consideradas pessoas com deficiência auditiva pela lei, deixando de fora todos os outros que têm algum grau de surdez. E qualquer grau de surdez impacta negativamente a vida de uma pessoa.
Essa balela toda tem origem antiga. Em 2024, ela serve apenas a um propósito: reforçar o capacitismo e confundir a opinião pública, puxando a sardinha para o lado dos surdos sinalizados (já que muitos produtos-serviços de acessibilidade são direcionados a eles, além da maioria absoluta das verbas públicas relacionadas à população com deficiência auditiva).
Na vida prática, na hora do vamos ver, para quem tem algum grau de surdez, nada muda. Por último, para a medicina, deficiência significa insuficiência ou ausência de funcionamento de um órgão.
Vamos ser racionais?
Para quem insiste no aspecto cultural: a cultura varia muito com o tempo, lugar e pessoas. Além disso, como a surdez era uma deficiência que dificultava ainda mais a comunicação quando não havia tecnologias para ouvir e oralização difundida, as pessoas que desenvolviam alguma língua gestual criavam laços entre si, tendo menos contato com ouvintes. Por consequência, em uma comunidade fechada, com pouca ou nenhuma troca de informações com a maioria mundo afora, conceitos se fortaleceram e se enraizaram mais facilmente através dos anos.
Além disso…
Estamos vivenciando uma maior aproximação entre surdos sinalizados e surdos oralizados, o que nos dá mais força na luta por acessibilidade para TODOS. Mas ainda há muito a evoluir, e essas briguinhas patéticas “surdo X deficiente auditivo” em nada ajudam. Enquanto a comunidade surda sinalizada e seus simpatizantes insistirem nessa divisão, todos nós perdemos. No fim das contas, somos todos SURDOS, independente da lei nos considerar pessoas com deficiência auditiva.
Capacitismo e surdez
Há quem rejeite ser chamado de “surdo” e prefira “deficiente auditivo” porque acha que isso suaviza sua deficiência aos olhos dos outros. Isso é capacitismo: não querer ser visto como uma pessoa que usa língua de sinais por causa do modo como você enxerga essas pessoas. Reflita!
A surdez é diversa. Usar libras, aparelho auditivo ou implante coclear não te torna “menos” ou “mais” surdo do que ninguém. Desça do pedestal do julgamento.
E quem só aceita ser chamado de “Surdo” e rejeita dizer que é uma pessoa com deficiência auditiva também deveria refletir, uma vez que faz uso de direitos e benefícios que são destinados…a pessoas com deficiência auditiva!
Respeito, sempre!
É claro que não vamos esquecer do respeito às escolhas individuais de cada um. Você prefere ser chamado de surdo, porque não se sente bem com a palavra deficiente? Prefere deficiente auditivo? Curte dizer que é “Surdo”? Sem problemas. Mas em termos de leis, direitos e vida prática, a lei brasileira é soberana.
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13 Comments
isaias
27/07/2023 at 11:29Excelente artigo!! |Sempre bom ver iniciativas de todas as formas para melhorar o entendimento sobre o tema
Valquiria Lucia
25/07/2023 at 21:34Sou deficiente unilateral total surda de um ouvido sou considerado PCD
Caio
21/05/2023 at 00:25Excelente artigo e boas reflexões.
Vitória
09/02/2023 at 21:55Tenho uma dúvida. Eu tenho perda auditiva sensorioneural de grau severo na orelha direita e profundo na esquerda com irregular bilateral. Me encaixo como ou deficiente auditiva?, já que escuto só um pouco
Dirceu Carneiro de Faria
25/01/2023 at 00:38Uma pessoa surda desde o nascimento de possível origem genética (vários familiares portadores de surdez desde o nascimento) pode ser considerada como uma pessoa portadora de doença crônica.
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Polyana Andrade
30/11/2019 at 12:05Eh um desespero muito grande q sinto, após descobri a existência de aparelhos auditivos com qualidade, até então, usei o da rede SUS.
Isso aconteceu pq o meu está com defeito, e atualmente está tendo cota para aquisição ou manutenção dos aparelhos. Procurei uma fono, a que fui a 20 anos atrás quando descobri meu problema, e ela me emprestou uma prótese pra eu não ficar sem ouvir. Eh mágico ! Quando tiro o aparelho, alem do som muito baixo, sinto a vós das pessoas rouca. A ANS não obrigada planos a custear aparelho fora de procedimentos cirúrgico. Ou seja, tenho que entrar com ação judicial! Ebora seja bacharel em Direito, tenha conhecimento das vias jurídica, não eh simples encarar essa briga. Dói! Dói muito… Ter que devolver o aparelho e ficar sem ouvir até essa liminar sair, escrever a ação, contar toda história (vc revive) agendar na rede SUS pra pegar os documentos que provam que sem o aparelho não existe convívio social . O pior ou o mais normal de todos eh n ter recurso pra custear e enfrentar a briga. Pra terceiro esse desafio eh muito leve. Mas juro que pra mim tah sendo um pesadelo. Escrevendo isso com lágrimas, pois hoje eh sábado e segunda entrego meu aparelho.
Mentiras sobre surdos e surdez: você acredita nelas e nem sabe...
24/10/2019 at 15:12[…] em só dois grupos. Mas já explicamos aqui no Crônicas da Surdez que não há oficialmente diferença entre surdos e deficientes auditivos, as pessoas podem utilizar o termo com o qual se sentem mais confortáveis. Não faz sentido algum […]
Tricia
15/10/2019 at 10:54Gosto muito da sua autenticidade, Paula. Grata por você “escrever das suas entranhas” e fazer diferença no universo da surdez.
Pryscilla Cricio
13/08/2020 at 17:44Olá Tricia,
Tudo bem?
Venha para o nosso grupo fechado no Facebook com mais de 15.300 pessoas com deficiência auditiva que usam aparelhos ou implantes. Para se tornar membro, é OBRIGATÓRIO responder às 3 perguntas de entrada.
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E para receber avisos sobre nossos eventos e cursos, por favor, clique e responda 4 perguntas (leva 30 segundos):
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Estamos te esperando!
Abraços,
Equipe Surdos Que Ouvem
Nhana
14/10/2019 at 22:34Excelente artigo!! Quando me perguntam, sempre cito o dicionário para esclarecer que surdo e deficiente auditivo é a mesma coisa… E que mesmo usando aparelho auditivo ou implante coclear, a pessoa jamais deixará de ser surda – ou deficiente auditivo.
clarissa
14/10/2019 at 09:39Verdade! Atualmente me intituto Surda que ouve, mas teve um tempo que usava deficiente auditivo, mas a nomenclatura não muda o fato de eu não ouvir bem, de depender de aparelhos auditivos, etc.
Sendo assim, o que deve predominar é o respeito! Essa briga de nomenclaturas nada altera nossa vida.