Você não pode deduzir a despesa com aparelho auditivo do imposto de renda. Como esse assunto surge todos os dias aqui decidimos elucidar a questão de uma vez por todas e acabar com as dúvidas. O texto foi escrito por um membro do Clube dos Surdos Que Ouvem que trabalha há muitos anos na área fiscal para explicar porque NÃO é possível deduzir aparelhos auditivos do imposto de renda.
Quais os impostos que incidem sobre aparelhos auditivos?
A grande maioria das pessoas acredita que os preços dos aparelhos auditivos são altos por causa dos impostos embutidos na compra, mas estão enganadas. A explicação técnica é bem simples, legislação tributária básica.
- As alíquotas do II e IPI são zero.
- As alíquotas de PIS e COFINS na importação são 2,1% e 10,65%. Não existe isenção para esse item, infelizmente a isenção de PIS e COFINS em casos parecidos é para material hospitalar vendido para hospitais.
- O PIS e COFINS pagos na importação podem ser compensados na apuração mensal se a empresa optar pelo lucro real no IRPJ, senão esses valores se incorporam no custo do item e a empresa acaba pagando mais 0,65% e 3% destas contribuições quando vender o item.
Como exemplo isso significa que um aparelho importado por 100 reais e vendido por 200 reais estará sujeito a tributação de R$12,75 (lucro real) ou R$20,05 (lucro presumido).
Aparelho Auditivo e Imposto de Renda: fundamentos
Segundo nossa Constituição Federal[1], qualquer subsídio, isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, relativos a impostos, taxas ou contribuições, somente poderá ser concedido mediante Lei específica.
Ou seja, não é permitido que um órgão integrante da Administração Pública (como a Receita Federal, por exemplo), conceda um benefício fiscal por meio de “simples” norma administrativa. Exige-se aprovação de lei pelos representantes eleitos pelo povo (na esfera federal, deputados e senadores).
O Direito é baseado em uma hierarquia das normas jurídicas: a norma inferior não pode contrariar a norma superior. Ato normativo da Receita Federal não pode contrariar, tampouco ir além do que dispõem a Constituição e as leis.
Se a Receita Federal tivesse liberdade para modificar, sem previsão legal, a base de cálculo do Imposto de Renda, nada impediria que mais tarde pudesse aumentar este e outros tributos por meio de norma administrativa.
Portanto, esse princípio da reserva legal é, também, uma garantia para o contribuinte, de modo geral.
Além disso, é importante destacar outra questão: o Código Tributário Nacional[2] estabelece que se interpreta LITERALMENTE (essa é a palavrinha que faz toda a diferença) a legislação tributária que disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário, bem como sobre outorga de isenção.
Despesas médicas dedutíveis do imposto de renda
Pois bem… Em se tratando de despesas médicas dedutíveis na declaração de ajuste anual do Imposto de Renda (IR), o regramento encontra-se na Lei n° 9.250/1995. No seu art. 8°, foi estabelecido que podem ser deduzidos da base de cálculo do IR
“os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias”.
Aí está a pegadinha! A aquisição de uma cadeira de rodas, desde que comprovada com receituário médico e nota fiscal em nome do beneficiário, é dedutível porque se enquadra como “aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas”.</p<
Porém, como a lei tributária deve ser interpretada literalmente, exclui-se a possibilidade de deduzir outras próteses, como óculos e aparelhos auditivos!
É que, ao usar as expressões “ortopédicos/ortopédicas” e “dentárias”, o legislador restringiu o benefício a esses casos (deduz-se que, se a vontade do legislador fosse estender a qualquer aparelho ou prótese, não teria inserido essas palavras no texto).
Já as despesas com fonoaudiólogos, desde que comprovadas por documentação idônea (nota fiscal de serviços ou recibo, se pessoa física), são perfeitamente dedutíveis.
Quais gastos médicos posso deduzir do imposto de renda?
Em respeito à legalidade, as normas relacionadas à dedutibilidade de despesas médicas devem ser elaboradas observando-se rigorosamente, o texto da Lei n° 9.250/1995.
O órgão está “engessado” pela lei. Analisa-se, caso a caso, o que tem amparo legal ou não para ser dedutível. Na prática, isso acarreta tratamentos que podem parecer bastante injustos a quem enfrenta os desafios diários da deficiência auditiva. Dois exemplos:
- São dedutíveis as despesas relativas à realização de cirurgia plástica, reparadora ou não, com a finalidade de prevenir, manter ou recuperar a saúde, física ou mental, do paciente.
- Despesas com prótese de silicone, por si só, são indedutíveis (se você mesmo comprar); porém, se o valor das próteses integrar a conta emitida pelo estabelecimento hospitalar, podem ser dedutíveis.
Como assim?
Tudo decorre da tal obrigatoriedade da interpretação literal. O texto legal prescreve que as despesas médicas com pagamentos a médicos e hospitais podem ser deduzidas, sem fazer restrição às que não tenham finalidade estética.
Se a Receita quisesse entender, por exemplo, que a colocação das próteses de silicone não pudesse ser deduzida, o Judiciário, quando acionado, acabaria, cedo ou tarde, assegurando esse direito ao/à contribuinte.
Tudo isso parece muito estranho para você, leigo em Direito? Isso é perfeitamente compreensível! No fim das contas, você vai pensar, é absurdo deduzir despesas com cirurgias estéticas, e não poder deduzir um aparelho auditivo!
Porém, para bem ou mal, é assim que funciona, no mundo jurídico: qualquer palavrinha faz diferença, é altamente determinante. Existe um princípio importante que diz que “a lei não contém palavras inúteis”, ou “não se presumem na lei palavras inúteis”.
E até existem outros métodos de interpretação, que não a literal, mas não são autorizados quando se trata de afastar a incidência de tributo, como visto no início deste post.
Por que não posso deduzir aparelho auditivo do imposto de renda?
A dedutibilidade do valor pago na aquisição de aparelhos auditivos nada tem a ver com o fato de o produto ser tributado ou não. As legislações dos tributos sobre a produção e dos tributos sobre a renda são autônomas.
Se os representantes eleitos pelo povo decidirem pela alteração da Lei n° 9.250/1995 nesse ponto, independentemente de quanto os aparelhos auditivos sejam tributados, o valor pago por eles será excluído da renda tributável na declaração de ajuste anual.
Esse assunto já foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, no julgamento do Mandado de Injunção 168, rejeitou pedido do Ministério Público Federal para que fosse notificação do Secretário da Receita Federal para que o órgão incluísse entre as despesas dedutíveis do Imposto de Renda, na área de saúde, aquelas relacionadas à aquisição de medicamentos, aparelhos auditivos e lentes corretivas.
Eis a ementa da decisão:
PROCESSO CIVIL. MANDADO DE INJUNÇÃO. Na via do mandado de injunção, a Administração não pode ser compelida a reduzir, sem previsão legal, a base de cálculo do imposto de renda; só a lei, no nosso ordenamento jurídico, pode definir a base de cálculo do tributo (CTN, art. 97, IV).
(MI 168/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2001, DJ 01/10/2001, p. 156)
Deduzir o aparelho auditivo do imposto de renda: só se a lei for alterada
Conclui-se que o caminho para incluir o valor pago na aquisição de aparelhos auditivos no rol de despesas médicas dedutíveis da declaração é a alteração da lei.
Observa-se que já houve propostas nesse sentido, mas nenhuma prosperou, até o momento. Se você tem acesso a algum parlamentar, pode ser o caso de falar sobre essa necessidade e pedir-lhe empenho nesta causa.
Para encerrar, aí vão alguns links (além dos inseridos ao longo do texto) que podem ser úteis a quem deseje obter mais informações técnicas sobre a matéria:
[1] CF, art. 150, § 6º.
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Os erros que você NÃO PODE cometer ao comprar APARELHO AUDITIVO
Eu já passei pela saga da compra de aparelhos auditivos várias vezes. Já fui convencida a me endividar para comprar um aparelho auditivo “discreto e invisível” que sequer atendia a minha surdez. Já fui enganada ao levar um aparelho auditivo para o conserto na loja onde o comprei: a fonoaudióloga disse que ele não servia mais para mim sem sequer verificá-lo ou fazer uma nova audiometria. Já quase caí no conto do vigário de gastar uma fortuna num aparelho auditivo para surdez profunda “top de linha”, cujos recursos eu jamais poderia aproveitar devido à gravidade da minha surdez. Já fui pressionada a comprar um aparelho auditivo porque supostamente a “promoção imperdível” duraria apenas até o dia seguinte. E também quase cometi a burrada de comprar um aparelho de surdez que já estava quase saindo de linha por causa de um desconto estratosférico que ‘acabava amanhã’.
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CURSOS SURDOS QUE OUVEM
10 Comments
Mário Sérgio
27/03/2023 at 10:38Informações de qualidade, proporcionado orientações e tirando dúvidas, esse blog é muito bom, parabéns
José Silva Machado
17/03/2023 at 18:44Tenho perda auditiva moderada, quero fazer parte do Grupo
Jaime Tadeu França
19/04/2019 at 13:00cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.), propondo a inclusão de aparelhos auditivos na área de dedução do Imposto de Renda. Para tanto, devemos elaborar um projeto consistente, claro e bem objetivo fundamentado em boas justificativas. Devemos deixar claro que aparelhos auditivos são na verdade próteses e, em muitos casos, são fundamentais para a qualidade de vida do necessitado, incluindo-o no meio social e no cotidiano, inclusive nas atividades de trabalho, entre outras. As perdas auditivas severas profundas, sem o uso de próteses, podem isolar a pessoa da sociedade por falta da capacidade de se comunicar adequadamente.
Jaime Tadeu França
19/04/2019 at 12:59Nossa saída será elaborarmos um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, (2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.), propondo a inclusão de aparelhos auditivos na área de dedução do Imposto de Renda. Para tanto, devemos elaborar um projeto consistente, claro e bem objetivo fundamentado em boas justificativas. Devemos deixar claro que aparelhos auditivos são na verdade próteses e, em muitos casos, são fundamentais para a qualidade de vida do necessitado, incluindo-o no meio social e no cotidiano, inclusive nas atividades de trabalho, entre outras. As perdas auditivas severas profundas, sem o uso de próteses, podem isolar a pessoa da sociedade por falta da capacidade de se comunicar adequadamente.
Ana Lucia Santiago
03/01/2019 at 22:13Bem complexo, mas é possível sim
Raphael Sanches
13/04/2019 at 22:16É ? como ?
Carlos Wagner Lopez Ramos
02/01/2019 at 16:34Quem sabe a Michelle Bolsonaro que vem demonstrando apoio a comunidade surda não apoie este causa e o projeto ande?
LUCIO SOLEY LOMONACO
31/12/2018 at 05:57Como a coluna VISTO, LIDO E OUVIDO no Correio Brasiliense de sábado, 29 de dezembro de 2018, fls. 9 publica sob o titulo A FRASE QUE NÃO FOI PRONUNCIADA e subtítulo ‘LEMBRETE” > já é possivel deduzir do Imposto de Renda gastos com cuidadores, casas de repouso, aparelhos auditivos, remédios,óculos e próteses auditivas?
mozart lisboa
26/11/2018 at 03:03Conclusão. Somos e continuaremos sendo um país predador. Fica difícil para o pobre ouvir; com os custos estratosféricos dos aparelhos torna-se impeditivo qualquer possibilidade.
Pryscilla Cricio
25/08/2020 at 15:38Olá Mozart,
Tudo bem?
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