Pequenas epifanias da surdez me ocorrem o tempo todo – e cada uma delas grava ainda mais fundo na minha alma a impressão de ter feito a escolha certa quando optei por tentar voltar a ouvir.
Estendi minha canga na areia da Praia das Conchas, em Cabo Frio, e comecei a ler um livro. Imediatamente pensei: “que louco!“. O mar está bem atrás de mim, estou ouvindo o quebrar das ondas.
Antes, eu precisava olhar para elas e imaginar o som que faziam, ou melhor, precisava puxar esse som da memória. O vento bate nos microfones dos meus implantes cocleares e me irrita, mas não tenho esse direito. Desejei tanto ser capaz de escutar o som do vento outra vez que preciso sorrir mesmo se estiver no meio de um furacão.
Escuto as conversas das pessoas, os berros dos vendedores ambulantes, os gritos das crianças. Escuto o som da minha respiração e converso com o meu marido de costas, sem sequer precisar olhar para ele.
A tecnologia é poderosa:
Graças a ela, pude me reconectar com a natureza, comigo mesma e com outros seres humanos.
Graças a ela pude me dar ao luxo de parar de imaginar sons e de tentar resgatá-los do fundo de um baú que não existia mais.
Graças à tecnologia, o único sentimento que tenho o prazer de desconhecer hoje, no tocante ao sons, é a saudade. Os sons me emocionam, me irritam, me deixam feliz, cansada e eufórica, mas não sinto mais saudade deles.
Estão todos aqui!
Estão todos tocando no meu cérebro. Descrever o que significa ter voltado a ser a pessoa que um dia eu fui é algo que ainda não sou capaz de fazer. Posso tentar: me sinto inteira e muitas vezes me sinto com o coração na mão.
Gosto desse exercício de contemplação e gratidão. A realidade dos fatos – sou e continuarei sendo surda – me dá um suave tabefe ao tilintar do ‘pi pi pi‘ que me avisa que as baterias estão acabando. Não quero que acabem.
Só quero silêncio para dormir, me concentrar ao escrever algo importante e para ouvir meus próprios pensamentos, coisa que, vezenquando, preciso. 🙂
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4 Comments
Michelle Alves
27/01/2017 at 4:49 pmUau… !!! Muito lindo!!!
Não sou surda, mas meu irmão ficou surdo (surdez bilateral profunda) há quase um ano, e tem sido um período muito tenso e difícil para ele, e para nós como família. Ele está na fila para o IC pelo SUS (pelo menos um lado para começar). E tenho me emocionado muito quando o assunto é surdez, principalmente, aqui em sua página que é maravilhosa, e que ele também acompanha sempre. Tenho que dizer, não imagino o sofrimento dele, nessa fase de adaptação, mas nós como família sofremos porque não sabemos (ainda) como lidar, como ter paciência, como ajudar, como nos comunicar… mas sempre tenho que me lembrar de ter empatia por ele e me colocar à disposição (sem mimar muito rs).
Você, em sua página, tem ajudado muito!
Bjs
Paula Pfeifer Moreira
30/01/2017 at 9:42 amMichelle, seja bem-vinda!
Se tiveres chance, diga a ele para ler meus livros!
Um beijo,
Dayse
23/01/2017 at 8:48 pmAaaa que lindo…..Eu chorei Quando ouvi o mar pela primeira vez. É tão lindo….
Luciano
23/01/2017 at 8:33 ame como é para música? Consegue distinguri os intrumentos? Ou parece um monte de sons misturados?