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Meu nome é Maria Cecilia Couri. Brasileira, carioca da gema. Eu nasci filha única e ouvinte. Infância feliz, de  família grande e libanesa. Até corda de relógio eu escutava. Lembro que aos quinze anos tive hepatite e comecei a ouvir uns zumbidos  que pareciam uma cigarra cantando. Com o tempo, os zumbidos se foram  e continuei ouvindo todos os sons normalmente.

Fiz faculdade de comunicação social, depois me tornei bacharel em direito, me casei, tive duas filhas e me separei.

Aos trinta anos, período da transição entre o casamento e a separação,  comecei a perceber que não ouvia mais a música ambiente e isso me levou a consultar o Dr. Martinho da Rocha que, diante dos  exames realizados aqui e no  exterior,  confirmou o diagnóstico de  otosclerose coclear bilateral idiopática. Inoperável e progressiva.

Eu engoli aquilo, como se fosse um homem e prossegui. Comecei a usar AASI bilateral.  Não tive tempo de viver a fase de negação. Aceitei e segui a vida. Ninguém na família era surdo, salvo meu pai e uma tia que perderam um pouco de audição já na terceira idade. Mas eu tinha que encontrar o meu caminho. Duas filhas nas costas, um casamento desfeito e o enorme desejo de não depender de ninguém.

Decidi estudar para concurso  público. Persistência e força de vontade nunca me faltaram.

Nessa época, Deus foi muito meu amigo  e colocou de volta na minha vida um ex namorado que foi e é até hoje, meu verdadeiro anjo da guarda. Cuidou das minhas filhas junto com minha mãe, por todo o tempo em que eu estudava. Se sou o que sou hoje, devo isso a ele e minha gratidão será eterna.

Para atingir meus objetivos, estudei religiosamente por dois anos. Sem final de semana, sem festa, só livros e cursos. Deu certo.  Acabei passando, com louvor, em três  concursos da área jurídica: procurador do estado, defensor público  e promotor de justiça.

Eu acredito, piamente, que a otosclerose nasceu comigo mas estava quietinha e o estopim para detoná-la foi a conjunção do stress do casamento com a obssessão de passar no concurso.

Nas últimas provas orais, eu já sentia  dificuldade de compreender tudo que meus examinadores falavam mas ninguém, exceto eu, percebia isso. Escolhi ser Procuradora do Estado do Rio de Janeiro e valeu a pena me dedicar.

O tempo foi passando e eu fui crescendo na profissão. Fiz  pós graduação, MBA, entrei de sócia em um grande escritorio, encarei, enfim, um por um, todos os meus desafios. Cheguei  a chefiar  um tribunal administrativo por 12 anos. Minha função era defender o Estado, e para isso eu tinha que sustentar oralmente e rebater, ato contínuo, o que os advogados argumentavam  da tribuna.

Ouvi e resisti a todo tipo de microfonia, troquei de aparelho auditivo tantas vezes quanto foi possível, passei por todo o stress que quem não escuta passa quando não tem tempo de decodificar o que ouve. Eu me esforcei ao máximo para corresponder ao que todos esperavam de mim. Mas paguei por isso um preço muito alto.

De uma hora para a outra, comecei a perder o fio da meada, a suar frio e a depender da ajuda dos outros, de ter que conversar com os advogados antes da sessão começar para saber o que iam sustentar e o prolongamento dessa situação fez com que a minha perda auditiva aumentasse exponencialmente.

Naquela época, eu não tinha tempo nem de respirar. Eram julgamentos exaustivos diários, mas que no final traziam resultados profissionais  gratificantes. Com o tempo eu me cansei de todo aquele esforço e consegui ir para a perícia médica que me recomendou uma licença e posterior aposentadoria.

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Eu relutei, voltei da licença  e continuei trabalhando mas em um serviço sem contato com o público, onde, por essa razão, a audição não me fazia falta. Eu só vim a finalmente me aposentar quando minha primeira neta nasceu, em 2014. A partir daí, eu já usava só um aparelho auditivo porque o outro não adiantava mais nada.

A neta cresceu, começou a falar, a me fazer perguntas e eu não entendia quase nada e fiquei imaginando que triste seria ela crescer e eu não poder conversar com ela. Aquilo me motivou a buscar uma solução melhor do que só ouvir quando as pessoas repetiam muito mais alto e olhando pra mim, de modo que me facilitasse a leitura labial.

Eu passei a prestar mais atenção nas minhas necessidades. A cuidar melhor de mim. Foi quando outro anjo chamado Paula Pfeifer apareceu na minha vida, também  para ficar. Li a matéria sobre a vida dela no jornal O Globo, senti um fio arrepiante de  esperança e entrei em contato no dia seguinte. Ela me motivou, me fez ler o Cronicas da Surdez, me mostrou, enfim, o caminho das pedras.

Então, em 2016, depois de idas e vindas a vários otorrinos, fui considerada apta ao implante coclear. Optei pelo Naída Q90 da Advanced Bionics. Confesso que foi tudo muito mais tranquilo do que imaginei. Não tive dor, nem nenhuma intercorrência, gracas a Deus. Em um mês estava malhando e voltando a escutar um pouco com o ouvido que “ressuscitou”.

Implantei o ouvido pior e continuo com aparelho no outro, aguardando a chegada do Naída Link para harmonizar melhor ainda os dois ouvidos.

Minha recuperação tem sido muito boa. Já converso bem numa mesa de quatro pessoas. Já consigo me virar um pouco no telefone. Já dou conta de mim. Nado e mergulho com o AquaCase e escuto, cada dia mais gratificada,  o barulho das ondas do mar se quebrando.  

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Mas o mais importante é que passei a ter altos papos com a minha neta – essa foi a maior de todas as conquistas, a maior gostosura da vida. Eu hoje sou uma pessoa mais plena. Realmente o implante coclear veio dar um “upgrade” na minha audição e trazer, de lambuja, a tal da felicidade.

Voltar a ouvir foi resgatar a plenitude da vida. Foi dar continuidade à criança que Ainda vive dentro de mim. Acho que cada um que tem deficiência auditiva deve enfrentar a surdez e procurar o melhor tratamento e se valer dessa tecnologia revolucionária que é o implante coclear porque ouvir melhor faz toda a diferença. O implante coclear significou a minha libertação, o meu reencontro comigo mesma. Nunca desista de si mesmo, lute, enfrente, você tem tudo pra ser feliz!

Estou no início da minha jornada mas já me sinto  encantada e não vivo mais sem. Fico agradecida por recuperar o prazer de estar em grupo e  a confiança  no meu taco. E hoje tenho a grande emoção  de dividir  essa minha experiência com vocês. Espero que seja útil e motive cada um a correr atrás de seus objetivos. Um brinde ao implante coclear e a todos os profissionais envolvidos no desenvolvimento dessa maravilhosa descoberta. Tim-Tim!!! 🙂

About Author

Paula Pfeifer é uma surda que ouve com dois implantes cocleares. Ela é autora dos livros Crônicas da Surdez, Novas Crônicas da Surdez e Saia do Armário da Surdez e lidera a maior comunidade digital do Brasil de pessoas com perda auditiva que são usuárias de próteses auditivas.

1 Comment

  • Nícia Verdini Clare
    09/04/2017 at 23:53

    Maria Cecilia Couri, você é uma guerreira. Lutou muito, sofreu, mas enfrentou os dias difíceis e hoje é vitoriosa. Continue assim. Deus a encaminhou para esse encontro que redundou na recuperação de sua audição, tudo isso porque você tem mérito. Avante, amiga querida! Parabéns! Minha admiração e muitos beijos.

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