O meu marido – Dr. Luciano Moreira – além de ser um otorrino especializado em surdez, é uma pessoa que tem o talento de traduzir assuntos completos numa linguagem simples.
Explicar para as pessoas sobre a conexão que existe entre a surdez e o cérebro não é tarefa das mais fáceis, mas esse post perfeito escrito por ele no Portal Otorrino – “ Surdez: reativando o cérebro com tecnologia ” – precisa chegar ao maior número de pessoas possível.
Por isso, replico na íntegra aqui no site!
A SURDEZ E O CÉREBRO
“O assunto plasticidade cerebral não é novo.
Segundo o conceito extraído das pesquisas, o córtex cerebral (com suas células de suporte e seus neurônios conectados por trilhões de sinapses) está em constante transformação e adaptação. Essas transformações são guiadas por estímulos externos e internos, isto é, pela experiência e pela motivação.
São muitos os estudos que relacionam os a perda de audição aos fenômenos plásticos do cérebro. Os dados obtidos dessas pesquisas mostram que o cérebro se transforma tanto com a privação sonora decorrente da surdez, quanto com o restabelecimento do estímulo auditivo com os aparelhos e os implantes cocleares.
Essas observações são fundamentais para definir a estratégia de tratamento e reabilitação de forma individualizada.
Consequências Cerebrais da Surdez
O sistema auditivo deve ser visto como uma estrada, ou como costumamos dizer uma via; a via auditiva. Esta estrada auditiva une a orelha externa ao cérebro, num trajeto anatômico e funcional complexo, onde tudo deve funcionar perfeitamente para uma audição de boa qualidade. Na linha de chegada da estrada da audição estão nossas áreas auditivas do córtex cerebral.
Ali os impulsos elétricos serão processados. Parte do mecanismo linguístico envolve a compreensão desses sinais. Enquanto o ouvido e a via auditiva encaminham os estímulos para o cérebro, nesse rumo eles são apenas impulsos elétricos, seja qual for a fonte que emitiu o som.
É apenas no córtex cerebral que esses impulsos serão identificados como o choro de uma criança, a buzina do automóvel ou a voz de uma pessoa conhecida,por exemplo. Por isso não cansamos de repetir que em última análise, quem ouve é o cérebro.
Quando por qualquer motivo surge uma perda na audição, podemos enxerga-la como uma falha na via auditiva. Essa falha pode ocorrer em um ou mais níveis ao longo da estrada e faz com que chegue ao córtex auditivo sinais mais fracos. Em alguns casos esses impulsos podem chegar “danificados”, fazendo com que o cérebro tenha dificuldade em compreende-los.
A privação de impulsos elétricos deixa as áreas auditivas do cérebro inativas. Algumas delas começam a se atrofiar e outras passam a assumir funções diferentes. É a plasticidade cerebral atuando diante da surdez, adaptando o cérebro para um cenário em que a audição vai perdendo importância.
No caso de privações mais acentuadas e prolongadas de estímulos, o cérebro pode literalmente “encolher”, perdendo massa. Nesse cenário, há um risco maior de doenças degenerativas do cérebro, especialmente as demências, como a doença de Alzheimer.
A Plasticidade Neural após a Reabilitação Auditiva
Ainda em 2015 comentei aqui os achados de uma estudo francês que relacionava o uso de aparelhos auditivos a diminuição de danos cognitivos em pacientes com perda auditiva. Embora esteja claro que a reabilitação auditiva com AASI ou implantes ajude a preservar a saúde mental, há mais uma forma importante de encarar o processo de reabilitação auditiva: o da plasticidade dos centros auditivos do córtex cerebral.
Pacientes e profissionais habituados ao processo de adaptação de AASI e IC conhecem a necessidade de “ir com calma” e sem muita expectativa no começo.
Com frequência, a ativação do implante e a estreia com um aparelho não são momentos agradáveis.
De rotina, esses dispositivos são calibrados com “baixa potencia”, para não causar um desconforto além do tolerável nos primeiros momentos.
Essa estratégia se justifica porque os centros auditivos cerebrais precisam de tempo para se remodelarem.
A reativação ou a intensificação do tráfego de impulsos neurais pela via auditiva encontra esses centros despreparados. A partir daí, os impulsos recém chegados passam a ativar uma série de eventos neuroquímicos.
Inicia-se a produção de fatores de crescimento neurais, e a formação de novas conexões neuronais, chamadas sinapses.
Durante meses, ou mesmo anos, esse processo segue, melhorando a performance auditiva ao longo do tempo. Nessa escalada de melhora, entram em jogo 3 fatores:
- O melhor ajuste dos aparelhos auditivos e mapeamento do implante coclear possíveis e com a frequência adequada.
- A motivação a o investimento do paciente em treinamento auditivo, seja com sessões de fonoaudiologia, seja no seu dia a dia, nos diversos cenários auditivos.
- O tempo: pacientes implantados continuam melhorando a discriminação da fala muitos meses após os implantes, mesmo com uma menor frequência na mudança dos mapas.
Enfim, a linguagem humana é a mais sofisticada de todas as habilidades cerebrais.
Se precisamos de treino e perseverança para jogar xadrez ou aprender matemática, imagine para se comunicar? Sua habilidade auditiva depende mais do que nunca de você.”
Grupo SURDOS QUE OUVEM
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2 Comments
LISABEL
18/02/2017 at 00:42Paula, sou sua fã.Na minha cidade não existe fomos q façam reabilitação auditiva nem pelo SUS e nem particular. Moro no interior do RS. Existe algum app ou programa que pudesse ajudar?. Oque é aconselhável nessa situação?Minha perda é severa e uso aparelhos em ambos ouvidos. Obrigado.
TRICIA PINTO PEREIRA
28/11/2016 at 11:41Como diz Caetano Veloso em Oração ao Tempo na 2ª estrofe: És compositor de destinos/Tambor de todos os ritmos/Tempo Tempo Tempo Tempo/Entro num acordo contigo/Tempo Tempo Tempo Tempo
Precisamos nos acordar (nos dois sentidos) com esse tal tempo.